Uma epidemia de correio atrasado

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Os atrasos na distribuição de correio estão a deixar de cabelos em pé os clientes dos CTT. E sem saída: não há tipologia, seja de cor azul, verde, ou Express, que resista a uns bons dias de atraso. Uma carta chega a levar 15 dias a entregar. Se antes da pandemia, o problema já se fazia sentir, agora as razões são óbvias para este desprezo dos Correios pela entrega de cartas: desde março, praticamente todos os trabalhadores a prazo que se encontravam no período experimental ou no fim do contrato foram mandados embora. Outros foram de férias. Os serviços agenciados foram dispensados. Em consequência, hoje há trabalhadores a fazerem vários giros. E a trabalhar 11 horas por dia. Não chegam… para as encomendas

Augusto Sousa, 57 anos, esperava que a encomenda em correio azul que lhe foi enviada por um familiar numa segunda-feira lhe chegasse às mãos no dia seguinte, como promete o site dos correios, que enuncia “1 dia” como prazo de entrega para aquele tipo de correio. Chegaria quatro dias depois, na sexta-feira: “E o pior é que uma carta em correio verde que foi enviada dias depois também foi enviado numa terça e só a recebi na sexta-feira”, afirma ao JA o residente em Vila Real de Santo António.


O caso de Augusto está longe de ser único. Nas últimas semanas, sobretudo desde que a pandemia começou a fazer sentir os seus efeitos, chegam relatos de atrasos na distribuição postal dos CTT, que chegam às duas semanas. E não há correio prioritário, a não ser na hora de pagar a conta, em que se paga bem caro pela cor diferenciada do envelope, que não se traduz em dias ganhos em tempo de expedição e distribuição. E o diabo é a distribuição porta-a-porta.


“A expedição não é o problema, o problema está na entrega. A correspondência segue no dia em que é entregue ao balcão, o problema é que quando chega ao destino fica lá para entregar”, aponta Fernando Lima, coordenador regional do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, que logo indica a causa da situação: “Não há pessoas para entregar, porque a empresa acabou com os contratados, por causa da pandemia. Acontece que a pandemia não afetou os correios, que continuaram a trabalhar em moldes normais”.


Esta cada vez mais endémica falta de pessoal para as entregas já levou a situações de rutura. Foi o que aconteceu na passada sexta-feira, dia 22, em que pura e simplesmente não se efetuaram entregas de correio em várias localidades do sotavento algarvio, designadamente Monte Gordo, Altura, Cacela e Manta Rota, segundo disse ao JA um trabalhador da empresa.


A mesma fonte adiantou que, nestas situações, é impossível prever quando será entregue essa correspondência na semana seguinte e que a sua introdução nos giros dessa semana “leva inevitavelmente a atrasos na distribuição prevista para esses dias”.


“Quando se introduz um giro passado num certo dia, o giro previsto para esse dia fica atrasado e assim sucessivamente”, disse a fonte, informando que o termo utilizado no interior da empresa para esse “rodar” da correspondência é “carrocel”.


Considerando que a empresa “vive de contratos a termo”, o dirigente sindical Fernando Lima critica que, sempre que possível, a administração dos CTT tenha feito cessar os contratos a prazo, ou porque os contratos estavam no seu termo, ou porque os contratados estavam ainda em pleno período experimental (que agora é de dois meses), seja porque – segundo Fernando Lima – mandou os trabalhadores de férias com o fito de os mandar embora no final desse período.


Daí resulta que, com a falta de trabalhadores, o mesmo funcionário é obrigado a fazer vários giros (percurso atribuído diariamente a um trabalhador de entrega), em vez de apenas um.

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Fernando Lima, coordenador regional do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios


“Em Faro há 40 giros, mas faltam 9 trabalhadores, ficam 9 giros que serão feitos aos bocadinhos pelos trabalhadores que existem. E dos 30 giros que há em Loulé, têm 23 pessoas e sete trabalhadores em falta”, exemplifica o sindicalista.


O também sindicalista Vítor Narciso, secretário-geral nacional do mesmo sindicato, sublinha que se trata de um problema a nível nacional. “Há trabalhadores que estão a fazer três e quatro giros. As férias e a rescisão com os agenciados levam a que, quando há 15 giros, só haja 6 ou 7 trabalhadores e eles vão sendo obrigados a fazer dois e três giros cada um. Entretanto, vão levando os CTT Express e as encomendas à China, que são correio internacional e têm prioridade e o correio fica nas covas”.


De resto, além do correio internacional, o CTT Express é, segundo os dirigentes sindicais, a única prioridade reconhecida pela empresa, embora os clientes continuem a pagar acréscimos tarifários pelo azul ou verde das suas cartas, que supostamente deveriam ter prazos de envio mais curtos.


Mas nem o CTT Express parece funcionar: “Eu, enquanto cidadão, tinha uma encomenda e tive que ir de VRSA a Albufeira uma semana depois. Mandaram-me a encomenda em CTT Express e tive que ir de carro levantá-la a Albufeira, onde estava há uma semana para me ser entregue! Desisti de esperar que me fosse entregue!”, relata Fernando Lima, garantindo que no Algarve ficam por entregar diariamente milhares de objetos que deveriam ser prioritários e são pagos como tal. “Não há correio prioritário porque eles não têm capacidade de entrega. Na prática acabou o correio prioritário!”, acrescenta.


“A administração diz que no CTT Expresso não há atrasos, mas basta irmos lá para perceber que há. Registos com atraso de 5 dias, correio normal 15 dias, azul 4 dias”, enuncia por seu turno Vítor Narciso, que observa existirem mais de 130 centros de distribuição no País e a própria empresa admitir que há 83 centros de distribuição problema, onde o correio está atrasado. “E não é só o correio normal, são os registos, o correio azul, o correio verde, as encomendas internacionais e mesmo o próprio CTT Expresso, pago a peso de ouro, está atrasado. Dados da empresa”.


Os CTT têm justificado a redução de pessoal com os prejuízos acumulados, mas Fernando Lima desmente: “É mentira que a pandemia tenha trazido prejuízo aos correios: os CTT tiveram mais lucro este ano do que o ano passado em período igual. Os Express Mail duplicaram, e é um correio caro. E ele próprio fica por entregar de dia para dia. A empresa teve quebras no correio normal, na carta, mas subiram as encomendas, que é um produto muito caro. Portanto a empresa não se pode agarrar à pandemia para justificar a destruição da empresa”, diz o dirigente regional, apontando uma solução drástica: “O Estado tem que pegar nisto, senão os correios vão por água abaixo. Se o Estado não tiver uma voz ativa na empresa, a prestação do serviço público está em causa. Já está hoje e vai estar no futuro. Porque esta parte não interessa à empresa”.


O dirigente nacional do mesmo sindicato, Vítor Narciso, corrobora e explica melhor: “Eles querem é o Banco CTT, a Pay Shop, o Express Mail. Porque o negócio deles não é serviço postal universal, isso é um acréscimo e só porque têm que cumprir o contrato de concessão”, sustenta.

Vítor Narciso, secretário geral do Sindicato Nacional
dos Trabalhadores dos Correios


Narciso rebate a justificação da empresa, segundo a qual a culpa é do regulador, a Anacom (Autoridade Nacional das Comunicações): “Mandam culpas para a Anacom, dizendo que lhes impôs padrões de qualidade que não são exequíveis. Exequíveis são, mas tem que haver trabalhadores em número suficiente e não há. Não havendo trabalhadores em número suficiente, a própria gestão nos locais de trabalho é incapaz de gerir, não se pode fazer omeletes sem ovos”, afirma, desculpando as hierarquias intermédias locais.


O problema trás ao de cima outro fator, que é consequência dos demais: obrigados a trabalhar por si e pelos que foram dispensados, os homens dos correios andam cansados e desmotivados. E fazem pior o seu trabalho, a qualidade do serviço ressente-se. “Há zonas do campo que o carteiro já nem vai lá. Não há tempo. E os poucos contratados que existem estão a trabalhar 10 ou 11 horas e não conseguem dar para tudo”, observa Fernando Lima.


Jorge Gonçalves, 29 anos, cliente dos CTT, garantiu esta semana ao JA que, de há algumas semanas para cá, os carteiros deixaram de atravessar o pátio que dá acesso a sua casa, e isso na melhor das hipóteses. “Uma vez tinha a receber uma encomenda e deixaram um aviso no correio da casa. Fui aos correios, esperei imenso tempo cá fora – porque na altura tinha que se esperar na rua – e deram-me um embrulho pequeníssimo, com um livro fino lá dentro. Aquilo cabia perfeitamente na minha caixa de correio! Isto diz tudo sobre a péssima qualidade de serviço que os CTT estão a prestar”, disse o cliente, que apresentou queixa através do Livro de Reclamações.

João Prudêncio

JA chega atrasado aos nossos assinantes

Um jornal não é uma coisa!

A maioria dos assinantes do JORNAL do ALGARVE já se devem ter apercebido dos constantes atrasos com que recebem o nosso jornal desde que começou a pandemia, em março. Em alguns casos, o semanário – que deveria ser entregue na quinta-feira, dia oficial de publicação – só chega a casa dos assinantes na segunda-feira seguinte, isto é, com um atraso de quatro dias consecutivos ou dois dias úteis. Com a agravante de o período de espera passar por cima do fim-de-semana, aqueles dois dias que assinalam o fecho de um ciclo noticioso!


Na prática, de nada têm valido até agora os nossos protestos junto dos responsáveis dos correios de Vila Real de Santo António (local onde semanalmente os jornais são entregues, às quartas-feiras), que se vão desfazendo em desculpas inconvincentes. Temos consciência de que eles próprios são vítimas de um sistema que não dominam, mas pelo qual têm que dar a cara.


Tradicionalmente a entrega de um jornal era considerado Correio Prioritário, pela simples e óbvia razão de que um jornal não pode chegar aos seus leitores atrasado face à data facial de publicação. Por razões compreensíveis, uma notícia não pode chegar com atraso ao seu recetor. Senão esboroa-se o próprio conceito de notícia, sinónimo de novidade, ou nova!


Em declarações ao JA, o sindicalista Fernando Lima punha há dias o dedo na ferida: “Eles estão a acabar com os jornais, porque estão a tirar o impacto da notícia. Os jornais chegam na semana seguinte! Um jornal que é entregue para expedição na quarta-feira à tarde, segue nesse mesmo dia, aí não há problema. Mas quando chega ao destino não há distribuição. E os jornais ficam na prateleira, às vezes quatro dias!”.


Neste período conturbado, precisamente quando os nossos leitores mais precisam de informação e esclarecimento, rápido e objetivo, sobre a evolução do vírus e suas consequências, os CTT resolvem esquecer o caráter prioritário da notícia e entregar um jornal como quem entrega um insignificante amontoado de folhas. Ou uma coisa.


Aos nossos leitores, ainda que não tenhamos quaisquer responsabilidades pelos consecutivos atrasos que se vêm verificando, endereçamos o mais sincero pedido de desculpas. Mas honestamente não devia ser a nós que competiria tal pedido.


Talvez antes a uma empresa, hoje privada a 100%, que sucessivamente vem atirando para as calendas o seu papel social. E substituindo-o pela ganância do lucro.


J.P.

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