Uma judoca ‘diferente’, sem nunca se ter sentido como tal…

…vezes quantas o desporto, enquanto fenómeno cultural de grande magia e impacto social nos dias de hoje, nos apresenta ‘quadros’ tão belos, tão edificantes e tão suscetíveis de o apreciarmos que, não obstante alguns desagravos que também sempre vão ocorrendo, que quase nos fazem acreditar que o caminho terá de ser o de humanização progressiva do homem, da sociedade e da história. 
Iniciaram-se no passado domingo em Caxias, Rio Grande do Sul, Brasil, os “Jogos Surdolímpicos”, com a participação da judoca Joana Ramos. Depois de em 2009, em Taipé – ouro -, em 2013, em Sófia – prata – e em 2017, em Samsun – bronze – e de se ter sagrado, no ano passado, campeão mundial, na categoria de -57 Kg, será que desta feita, se sentirá pressionada para juntar ao título mundial o ouro, nestes “Jogos Surdolímpicos”?
Em resposta, na entrevista recentemente concedida ao nosso confrade ‘Record’, revela a sua determinação:
“Já passei pela situação de conquistar o ouro e posso dizer que é uma sensação incrível. Trabalho sempre com o objetivo de alcançar o melhor resultado, treino todos os dias de manhã e à tarde sempre acompanhada e incentivada pelo meu treinador que me ajuda muito nestas fases de grandes competições”.
Joana Ramos, sendo a única atleta portuguesa na competição, sentir-se-á como um exemplo? De resposta pronta, revelando confiança nas suas capacidades:
“Quando estou em competição não existe esse pensamento, estou focada apenas na adversária que está naquele momento à minha frente. Todavia, sinto que sou um exemplo não só para muitas mulheres, mas também para toda a comunidade surda”, acentua esta judoca de eleição.
O que tem representado para ela, o judo
Na sua condição de surdez, questão a fazer todo o sentido, ao que convictamente afirma:
“Tem sido uma uma forma de motivação para tudo o que faço na minha vida, com alguns bons momentos e outros menos positivos. Senti, sobretudo, que era o meu lugar, longe de pensar seguir uma carreira. Mas depois comecei a participar em torneios e a ganhar medalhas e tudo foi surgindo naturalmente. Houve uma boa ligação com o treinador. Não falávamos mas gostei dele”.
No desporto, como na vida, como reagirá Joana Ramos se e quando as pessoas gritam por ela, e, inclusivé, como lida com o silêncio? Perfeitamente ciente do condicionamento originado pela sua surdez, é esclarecedora a sua atitude:
“Gostava muito de ouvir quando estão nas bancadas a puxar por mim, não faço ideia o que dizem, mas sinto essa boa vibração. Mas nem tudo é negativo. Por exemplo, na República Checa, num estádio gigantesco, era a única surda e fui competir para a medalha de bronze contra uma atleta da ‘casa’. O público estava logicamente a torcer por ela, a gritar, tudo de bandeiras no ar… Mas acabei por vencê-la e nesse momento apenas pairou o silêncio a que já estou habituada”, em sintonia, afinal, com a expressão, de origem popular: ” O hábito faz a…freira”, adaptando, do género masculino “…o monge”.
E como estamos de marginalização, face à deficiência auditiva?
Importaria saber e em concreto o facto de não integrar os “Jogos Paralímpicos”, qual o ponto de situação e aí temos a posição da Joana Ramos:
“Está melhor, mas o caminho não está todo percorrido. Mesmo não integrando os Jogos Paralímpicos, devíamos todos ter os mesmos direitos. Somos todos portadores de deficiência, seja qual for. Um ouro paralímpico vale 20 mil euros e um ouro surdolímpico vale metade…”, elucidativa e pragmática este seu ‘estado de alma’…
Mãe de um menino de 3 anos, ele já é fã de judo?
Peremtória a resposta, ainda que sem grande entusiasmo, se não ‘observemos’:
“Não gosta muito. Prefere natação e futebol, com alguma pena minha. Mas quando for mais crescido gostaria que ele olhasse para mim como uma mãe, que mesmo com esta vida de andar sempre a treinar e a viajar, lhe proporcionou sempre o melhor”, atenta e decidida, na expetativa.
Depois destes “Jogos Surdolímpicos”, que futuro?
Sendo esta a sua 4ª participação nos Jogos, desde 2009, estará para breve a retirada, e como? Com a têmpera que dá origem às campeãs, pronta a resposta:
“Se tudo correr bem, espero ainda participar nos Jogos de Tóquio, em 2025. Gostaria muito de fechar o ciclo com uma medalha”, a não fazer por menos o ‘hábito’ de recorrentemente ser medalhada… E, quando se retirar, como atleta, que planos: “Regressar à minha área, que é o Design da Comunicação, e tentar a minha sorte”, a sorte, de uma ídolo, como ela, que ensina, sendo!
E, qual o percurso, por ser surda, por ser’diferente’…
Uma vez mais tão convicta, quanto assertiva, Joana Ramos, oferece-nos a sua ‘imagem de marca’:
“Quando comecei tive muita sorte, pois era a única surda e formei equipa com mais 6 ou 7 raparigas da minha idade e que me ajudaram muito. Faziam de tudo para nos compreendermos, desde escrever na parede a usar gestos que só nós percebíamos. Foi mesmo muito bom, nunca me senti ‘diferente’ “, a importância da solidariedade no tão valorativo ‘cardápio’ dos valores em que o desporto pode e deve ser pródigo!
Que, por tudo quando evidencia, resultando numa prática exemplar, também no plano do afetos, Joana Ramos pudesse sempre vir a constituir-se numa cidadã exemplar, ensinando-nos o caminho, que resulta, afinal, da diferença entre o aglutinador e com sentido ético do: “sigam-me” e o, um pouco negligente, do: “vão por ali…
Uma vez mais, que formidável exemplo, que atitude tão edificante, a dar-nos conta, de forma reponsável e responsabilizante, de que o sucesso, o êxito não se compra, apenas se deverá merecer!

Humberto Gomes
*“Embaixador para a Ética no Desporto”

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