Sem que alguém peça, temos uma nova floresta de enganos. Da peça de Gil Vicente representada ao rei D. João III, em Évora, em 1536, aproveitam-se apenas alguns personagens mas que servem com adaptações. Os originais aí os temos na vida real saídos das televisões, de alguns jornais e, enfim, dos sítios de onde menos se esperaria e que não se deve nomear para não desprestigiar o que outrora se chamava tascas, mas das quais até saía bastante sabedoria.
Aproveitamos dessa peça para os dias de engano hoje, o Filósofo, o Parvo, o Mercador, o Escudeiro (disfarçado de viúva), a Moça (virgem fingida de viúva), o Doutor de Justiça Maior…
A velha peça vicentina abordava o tema do enganador que é enganado. Na adaptação que se poderá fazer para o tempo presente, o trabalho está facilitado. O enganador nunca se engana, pelo menos até acabar a floresta dos enganos.
Assim por exemplo, como se não bastassem os enganos com a guerra da Ucrânia, registe-se o que tem acontecido a propósito do novo governo. Logo no dia seguinte à confirmação dos resultados da maioria absoluta, começou um crescendo de descredibilização dessa maioria, sem se perceber muito bem se o governo estava destinado a ser enganador, ou se os eleitores fizeram o papel de enganados. Sendo isto martelado todos os dias, e sem se esperar ao menos pela prova, muita gente por aí surgiu de imediato personagem da peça. Assim este apareceu doutor pelos canais um e seis envergonhado, aquele fez-se de parvo pelo canal dois, não enganou pouca gente aquele tal que se dissimulou bem de mercador pelos canais três e cinco sem vergonha, o outro tal trasvestiu-se de escudeiro disfarçado de viúva nos palcos dos canais quatro e sete, havendo até quem tenha arranhado a figura de doutor de justiça maior no canal oito. E cada cal com o seu correspondente ator em cada um dos poucos diários que ainda se produzem com o papel fabricado a partir da nossa floresta nacional de enganos. E não digamos sequer uma só palavra sobre os filósofos, os parvos, os escudeiros, as viúvas e os doutores de justiça maior dos blogues, das redes sociais e dos “departamentos de comunicação social” que formam outra original floresta, como o Algarve bem sabe e tolera.
Poderíamos acrescentar, já agora, os enganos semeados a propósito da regionalização (já tão navegável como o Douro e apenas o Douro), do turismo (onde o Algarve entra quase tão só como mero apêndice da Comporta e pálida imagem da Comporta), por aí afora. Não a pena acrescentar porque 48 anos depois da abolição da arte de censurar, está instalada a arte de enganar.
Resumindo e concluindo, aqui está a explicação do êxito do populismo que percebe da matéria e, por ventura, vive dela.
Flagrante concurso: Digam, por favor, onde existe um caíque a sério que seja apenas para amostra.
Carlos Albino