Vítor Aleixo: Somos o município médio do País que mais cresce em investimentos!

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Aos 64 anos – feitos precisamente no dia em que esta entrevista decorreu, na passada quinta-feira, 7 de fevereiro -, Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, concede uma rara entrevista ao JA, ele que quase sempre as recusa. É um homem de convicções, do alto do seu cargo de presidente da maior autarquia do Algarve. Acabado de chegar de Espanha, mostra-se convicto de que aquela é uma das soluções a implementar na região, contra as secas prolongadas. Mas também quando, apesar da alta improbabilidade de sucesso, insiste na junção de esforços com os outros municípios do Algarve Central. Ou no combate municipal às alterações climáticas. É presidente da autarquia desde finais de 2013, foi reeleito em 2017. Mas, a ano e meio das próximas autárquicas, a política (quase) ficou à porta nesta entrevista. O protagonismo de Loulé e a política autárquica foram os temas dominantes

Jornal do Algarve – Veio agora de Espanha, onde visitou centrais de dessalinização e de aproveitamento das águas das ETAR. Que notícias nos pode trazer?
Vítor Aleixo
– Foi uma visita muito interessante, porque os 10 autarcas que se deslocaram puderam ver in loco duas centrais de dessalinização de água do mar. Foi muito esclarecedor para todos os autarcas.

J.A. – Chegaram a alguma conclusão, ou cada um de vós continua com as mesmas convicções que tinha?
V.A. –
Há uma consciência muito clara da urgência de tomarmos decisões relativamente à escassez de recursos hídricos na região. O Algarve confronta-se com cenários de quebra da precipitação e períodos de seca cada vez frequentes e mais alargados e isto é um problema crítico, que torna urgentes as decisões no que respeita à provável dessalinização da água do mar e quanto à eventual construção de uma barragem e ao aproveitamento das ETAR.

J.A. – É verdade que a hipótese da dessalinização vem ganhando terreno?
V.A. –
Nós fomos para nos informarmos e vamos trocando ideias, mas não é um processo que esteja fechado. Relativamente à necessidade da dessalinizadora do Algarve, parece já uma ideia mais ou menos assente entre todos nós. Estamos ainda num período de reflexão que poderá demorar dois, três meses, e então sim, o presidente da AMAL poderá anunciar as decisões.


J.A. – Independentemente disso, qual é o seu ponto de vista?
V.A. –
Acho que chegámos a um ponto em que temos que recolocar em cima da mesa a construção de uma ou duas dessalinizadoras no Algarve. Embora eu admita que, durante este período em que vamos todos entrar em brainstorming, as coisas possam mudar. Queremos contribuir para que a decisão final seja o mais possível informada. Não podemos tomar decisões precipitadas nem com pressões. Queremos saber o mais possível, ser bem aconselhados por quem tem experiência. E Espanha tem cerca de 100 dessalinizadoras… toda essa experiência tem que ser trazida para a nossa reflexão entre os autarcas e outros organismos, para depois tomarmos uma decisão.

J.A. – Mudando de assunto. Candidatou-se à liderança da AMAL em outubro, mas agora não é presidente. O que é que correu mal?
V.A. –
Nada. Porque o que pretendia era arranjar soluções consensuais em que fosse possível harmonizar entre todos alguns pontos estratégicos para o futuro da AMAL. Isso não foi possível, houve uma candidatura que, de acordo com regras democráticas, saiu vencedora e…

J.A. – Mas candidatou-se…
V.A. –
Sim, mas retirei a candidatura. E surgiu uma outra candidatura, do presidente da câmara de Vila do Bispo, Adelino Soares PSD).


J.A. – Então as hostes ficaram divididas entre PS e PSD?
V.A. –
Não, não houve uma linha de fratura entre partidos. Fui eu que avancei com essa candidatura, no sentido de procurar uma solução mais consensual. Não foi possível, mas tudo bem, a democracia funcionou. Entendo que o presidente An-tónio Pina (PS) começou mui-to bem o seu mandato e acre-dito que ele tem todas as condições para continuar nesta linha e ter um bom desempenho.

J.A. – Mas essa divisão ao meio não coincidiu com as origens partidárias de cada um? PSD para o Adelino e PS para o Pina. Ou não?
V.A. –
Não foi isso que aconteceu. Quer um quer outro candidato, acredito eu – o voto é secreto – conseguiu apoios em todas as forças partidárias.

J.A. – No que respeita à cooperação intermunicipal, defendeu a associação do seu concelho a Faro, Olhão e São Brás. Em que pé estamos? Pode ser uma espécie de compensação face a uma regionalização que não chega?
V.A. –
Não. O Algarve, com os seus 16 municípios, chegou a um estado do seu desenvolvimento em que haveria todo o interesse que houvesse a capacidade de cada um se transcender e deixar de se focar exclusivamente em lógicas municipalistas e ter a capacidade de, cada vez mais, colaborar entre si.

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J.A. – Mas não são capazes de gerir um estádio de futebol [Estádio Algarve]…
V.A. –
Isso foi um bom exemplo de colaboração intermunicipal.

J.A. – Mas entre dois municípios, porque Olhão recusou a deixar o Olhanense lá jogar… As coisas entretanto evoluíram? Olhão quer-se juntar ao “clube”?
V.A. –
É uma ideia que eu venho defendendo nos últimos dois anos, que existe uma área metropolitana fortemente urbanizada no Algarve Central, com quatro polos urbanos que teriam tudo a ganhar em colaborar entre si.

J.A. – Ok, mas há muito tempo que os mesmos autarcas cá andam e as coisas não evoluíram. Será que ainda se vão juntar?
V.A. –
Acredito que em política as ideias fazem o seu caminho. Discutem-se, colocam-se em cima da mesa, vão ganhando adeptos e um dia, em consequência dessa maturidade, as coisas podem começar a acontecer. O facto de não haver resultados muito palpáveis em relação a essa minha proposta não me faz desistir dela. Esta ideia deve fazer o seu caminho.

J.A. – Onde encontra mais resistências?
V.A. –
Encontro alguma reserva, não propriamente resistências. E acredito que a proposta fará o seu caminho. Há uma continuidade territorial entre estes concelhos, veja-se o caso de Loulé e Faro. O facto de poderem existir linhas de convergência para discutir as grandes questões e problemas comuns aos quatro concelhos – em termos de mobilidade, políticas de habitação, em atração de investimento externo, etc – todos estes municípios dão sinais de terem propostas e projetos em execução nestas matérias. Ora se tivéssemos a capacidade de, para além da lógica partidária eleitoral de curto prazo, podermos olhar para o território e ponderando todos estes eixos de intervenção de uma forma integrada pudesse aproveitar a todos, seria mais interessante.

J.A. – Mas não acha normal que um concelho mais pequeno – por exemplo São Brás de Alportel – tenha alguma desconfiança de uma certa pretensão hegemónica de um concelho grande e rico, como Loulé?
V.A. –
Mas o medo é que nos bloqueia e tem prejudicado nos últimos anos. Porque se tivesse havido vontade política negociada e concertada entre estes municípios provavelmente nós já teríamos antecipado o investimento para o Hospital Central do Algarve, por exemplo.


J.A. – Isto leva-nos à questão do peso de Loulé no conjunto da região. É o maior concelho em área, mas também poder financeiro e peso político. E hoje há uma série de organismos e estruturas que se candidatam a vir para Loulé, em detrimento de Faro. O Comando da GNR está a chegar, o INEM também, o CODU idem aspas, o ABC Saúde e outros. Loulé está a ganhar protagonismo, liderança e hegemonia na região?
V.A. –
A palavra hegemonia não traduz o que se passa no terreno. O que aconteceu foi que Loulé, dada a sua centralidade, conjugada com a disponibilidade que tem tido para investimento público, atraiu a relocalização de alguns serviços da administração central do Estado. Mas há ganhos para esses serviços, que se modernizam, que têm instalações muito mais modernas para poderem desempenhar a sua função em melhores condições…

J.A. – Então Loulé tem melhores condições?
V.A. –
Loulé é central no Algarve. Está a 10 minutos do aeroporto de Faro, está muito próximo da capital da região, está com três nós em cima da autoestrada, tem área urbana disponível onde é possível fazer investimento público e privado e tem orçamento suficiente para contribuir para alguma insuficiência que haja da parte da administração central. Portanto, temos aqui um conjunto de fatores que potenciam que serviços que estavam a funcionar em condições precárias se possam tras-ladar para Loulé e ficarem com melhores condições operacionais. Vamos inaugurar dentro de pouco tempo o centro regional de Emergência e Proteção Civil, provavelmente ainda em março ou abril. Depois está em estado avançado de execução as instalações centrais do INEM, que vêm para Loulé porque está mesmo em cima do nó da autoestrada, sai-se daqui para qualquer lado. E vem com as instalações do INEM o próprio CODU. Está em Lisboa e regressa ao Algarve, de onde saiu, no período crítico que atraves-sámos há uns anos e que regressa ao Algarve para es- tas instalações do INEM em Loulé. O Comando distrital da GNR também virá.


J.A. – Encara isto como uma conquista pessoal?
V.A. –
Não, acho que isto é um bem para a região, e não lhe vou negar que é bom para a cidade de Loulé. Porque, ao atrair estes serviços regionais, ganha com isso e emerge no contexto das cidades algarvias.

J.A. – Pode-se dizer que Loulé é um município rico?
V.A. –
É um município com grandes disponibilidades financeiras mas há a contra-face, é que nenhum município tem uma habitação tão dispersa como Loulé, tem tantas vilas, aldeias, povoados urbanos. Vai até Almodôvar, tem o Ameixial, Alte, Salir, Benafim, Montes Novos… Loulé é este território com praticamente três cidades, porque Almancil é um polo urbano com características de cidade. Se é verdade que Loulé é o município com mais recursos, também é verdade que é o município da região que mais tem onde aplicar esses recursos.

J.A. – Quando estará concluída a infraestruturação do interior?
V.A. –
Loulé tem uma taxa de cobertura de água e esgotos muito alta. Isto não quer dizer que tenham parado os projetos de águas e esgotos. Há ainda localidades onde estamos a trabalhar para termos água de rede pública e de esgotos. Ainda agora inaugurámos uma rede de esgotos, às portas da cidade de Loulé, que abrangeu toda a área de Santa Luzia. Está em construção um novo subsistema de Clareanes, contamos expandir a rede de esgotos a outras áreas do concelho de Loulé, Cerro do Galo, em Almancil…

J.A. – Os investimentos cresceram muito. São 80 milhões previstos para este ano e há dois anos eram apenas 27 milhões.
V.A. –
Teve um crescimento enorme. Loulé foi, no ranking dos município de média dimensão de todo o País, o que mais cresceu em investimentos! Em investimento direto de capital crescemos 46% em 2019 e já tínhamos crescido 34% de 2017 para 2018! O investimento direto e indireto junto foi de 33 milhões em 2019. Para este ano prevemos 80 milhões, mas há que descontar os concursos que ficam desertos, que costumam ser muitos. Nunca sabemos antecipadamente.

J.A. – Contudo, o aumento do investimento não se reflete no orçamento de 2020, que é parecido com 2019.
V.A. –
Aprovámos um orçamento de 102 milhões de euros para 2019 e de 107 milhões para este ano. Mas se considerarmos as reintegrações [o que era suposto ter gasto mas não foi gasto], o município de Loulé tem um valor parecido ao do ano passado, 170 milhões.

J.A. – Este orçamento aposta muito na habitação…
V.A. –
O município tem uma estratégia local para habitação aprovada. De acordo com ela, que será objeto de contratualização com a tutela, propomo-nos apoiar, até 2030, cerca de 1400 agregados familiares. Já adquirimos oito lotes de terreno para habitação, em que investimos 1,5 milhões de euros, temos pronto a arrancar seis lotes em Salir, onde construiremos 17 fogos e estamos à procura de terrenos em Quarteira e Almancil.

J.A. – Outro dos vetores em que está fortemente apostado é as alterações climáticas. Para a maioria das pessoas isso é muito vago, no que respeita a uma autarquia.
V.A. –
Temos que lhes explicar que fenómenos como incêndios frequentes e difíceis de combater, secas prolongadas, novas fontes de captação de água, chuvas intensas com cheias e inundações, tudo isso tem a ver com alterações climáticas. Constata-se que os grandes fó-runs mundiais, quando se reúnem para discutir políticas climáticas, é difícil chegar a acordo, como aconteceu na cimeira de Paris. Sobra pois a esperança de localmente a sociedade civil começar ela própria a tomar consciência da gravidade do problema e começar a agir.

J.A. – E no plano concreto, o que se propõem fazer?
V.A. –
Loulé tem uma estratégia municipal, a MEMAC, que está a dar lugar a um programa municipal de ação climática, com 28 opções, que têm que ser executadas para adaptar o território do concelho de Loulé às alterações climáticas – seca, stress hídrico, elevação das águas do mar, questões energéticas, mobilidade suave, observatório municipal sobre o tema, etc – estamos já com acompanhamento em 14 delas.

J.A. – E os investimentos concretizam-se em quê?
V.A. –
Por exemplo em painéis solares para diminuir a fatura energética dos edifícios públicos. Por exemplo, o mercado municipal de Loulé está todo coberto de painéis solares, o que permitiu reduzir a fatura energética em 80%. A escola básica de Salir também. Temos mais quatro escolas para painéis solares. E temos um programa para as IPSS, com apoio comunitário. Até ao final de 2021 queremos estar a produzir, só em edifícios públicos e IPSS do concelho cerca de 2 megawatts.

J.A. – O município orgulha-se, nos últimos tempos, de atrair investimento estrangeiro. Como estamos neste ponto?
V.A. –
Temos atraído investimento na área das tecnologias. A multinacional francesa Atos, das tecnologias de informação, criou 25 postos de trabalho. E temos outra, a Inus, na área dos microships, sediada há uns quatro anos, e que exporta 97% da sua produção.

J.A. – A cultura é uma aposta forte do concelho…
V.A. –
Sempre foi, nem sequer começou comigo. Acentua-se comigo, ganha coerência estratégica, mas a aposta numa programação cultural se intensificou bastante a partir de 2014, com a renovação do património histórico, com projetos de enorme ambição para o futuro – como por exemplo a musealização dos banhos islâmicos, cuja obra começa dentro de dias. E há o projeto do quarteirão cultural de Loulé, no núcleo histórico da cidade, onde vamos investir cerca de 8 milhões de euros.

J.A. – Loulé apoia Faro Capital Europeia da Cultura?
V.A. –
Desde o princípio. O que melhor podia acontecer ao Algarve era Faro ser Capital Europeia da Cultura. Aliás há trabalho nesse sentido da parte de Faro articulado com os municípios, que se comprometeram a contribuir que seja uma candidatura coroada de êxito. A colaboração de Loulé será total.

João Prudêncio

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