Vou ali….e já venho: A lista da saudade, feita de nomes e palavras…

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Colaboradora. Designer.
Neto Gomes

Palavras e nomes, muitas palavras e muitos nomes, foi o que o Pai Natal me deixou faz muito tempo. Creio que já num tempo muito remoto, quando a ilusão nos levava a esborrachar o nariz contra as vidraças das monstras…
Naquele tempo tudo era superação, não havia zonas de conforto, porque o que mais nos adoçava esse tempo, era cantarmos o «nacer niño»… E ao segundo toque na maçanica da porta lá nos abriam a dita e o coração. Nem sempre. Por vezes, as vozes que se soltavam entre muros, era o ladrar da solta dos cães
O Pai Natal só nos deixou palavras e nomes, e que uteis que têm sido, todavia, no Natal de 2018, quando nos abeirávamos da nossa lista de nomes e palavras – lista, diga-se bem gasta pelo tempo e aqui e ali esfarelada pelo constante manuseamento – para procurar enviar as habituais mensagens, demos de choque com uma gigantesca lista de saudade.
Agora o que nos resta são os silêncios dos nomes e das palavras. E o que fazemos com eles e com elas, quando na nossa lista, a maior parte destas traves mestras do nosso crescimento e das nossas emoções, já não nos conseguem nem ver, nem ouvir…
Precisamos de vento para que possa elevar estas páginas, como se fossem velas rumando à esperança, minimizando o sofrimento, a dor, os mil silêncios de mil nomes que nos afagavam, e agora nos afogam, porque no virar de cada página, em cada vinte nomes, resistem meia dúzia…
Já ninguém os chora e os mais recentes são flores de pétalas amareladas, tão gastas como as folhas da minha lista de saudade. E criámos tanta coisa em comum nesta longa lista, onde ainda existiam pobres e remediados, e gente, que adorava José e Jesus, mas que ficava sempre chateado com o Pai Natal, porque entre a afectividade de ontem, com uma meia pendurada na chaminé bolorenta porque só no verão, quando havia ganhos é que se acendia, onde entrava uns chocolates sem marca, porque esta coisa da Regina e da Favorita, era chão que os pobres não pisavam, a par que no prato lascado, agarrado por agrafos ou gatos, como então se chamava, lá resistiam algumas filhoses e panadilhas.
A minha geração, ainda hoje acredita no Pai Natal, apesar dele por vezes, ficar aborrecido, porque as crianças só se lembrarem dele para receber coisas…
A mim, ele sempre me deixou a mesma coisa: Palavras. Palavras e nomes, que foram importantes para o acumular de nomes, de gente amiga ou de ocasião, e que num repente passaram pelas nossas vidas. Palavras, que permitiram que construíssemos, nome a nome – uma espécie de pedra a pedra, como Fernando Pessoa, construiu o seu castelo – a nossa Lista da Saudade. Ela própria gasta pelo tempo e pelo doloroso que o tempo nos trouxe por cada desaparecimento, mas presa por agrafos, para que os nomes, muitos deles, vindo de tempos remotos, se mantenham juntos, unidos, para que esta espécie de Ramona de nomes, permaneça sempre na nossa estrada, no nosso percurso de vida.
E é quando surge o Natal e o aproximar do Novo Ano, que nos ocorre percorrer a lista e aí o choque é doloroso, sentimo-nos como que atraídos por uma estranha emoção.
De muitos destes nomes, ainda sentimos o cheiro, os abraços, as gargalhadas, as piadas, os momentos em que nos apetecia virarmos as costas. Afinal todos os momentos, que nos fomos construindo como homens, afinal estacadas para mantermos a firmeza com a ajuda desses nomes e muitos deles já cá não estão.
Não é fácil olharmos à lista da saudade, sem deixarmos de nos inquietar, mesmo que saibamos que estamos na fila a seguir, mas tão só pela crueldade deste caminho que seguimos tão curto e num instante olhamos para trás e não vimos nenhum daqueles que connosco percorreram e nos ensinaram o caminho. E não é sem emoção, que nos recolhemos dentro de nós, guardando todos os nomes que se acomodam na nossa lista da saudade e muitos outros, que estando omissos são para nós o mesmo lado da vida.
E de A a Z poderíamos escrever todos os nomes, mas também correríamos o risco que nos escapassem alguns. Ou arriscávamos de outra fora, lançando nomes, sei lá, Zé, Manel, Eduarda, António, Chalrrito, Manero, Germano, Caldeira, Luzia, Rosa Mendes, Gica, Vítor, Glória, Palermo, Isabel, Lurdes, Sílvia, os Mestres das Traineiras, Serafim, João, Bernardino, Domingos, Maria Neto, Manuel Azul. E os outros nomes?
Podemos é acrescentar, que todos os nomes que fazem parte da nossa lista da saudade, alguns mesmo sem asas de anjos, eram pessoas com qualidades e que se distinguiam pela simplicidade, pelas suas qualidades, muitos ligados ao mundo dos indiferenciados, outros sindicalistas vindos de muito longe ainda sem nunca terem tido telefone: operários conserveiros, serralheiros, mecânicos, gente do mar, carpinteiros, torneiros, electricistas, carvoeiros, professores, pintores, padres, bancários, jogadores da bola, empregados da hoteleiros, escritores, carreiros, poetas, calafates, advogados, juízes, treinadores de futebol, políticos, massagistas, padeiros, motoristas marítimos, policias, guardas, marinheiros, soldados, jornalistas, ciclistas, enfermeiros, bombeiros, solicitadores, médicos, pedreiros, engenheiros, arquitectos, músicos, pilotos, comerciantes, alfaiates, agricultores, farmacêuticos, modistas, proprietários, presidentes de câmara e muitos outros homens e mulheres, que foram o nosso mundo e foram a nossa ponte para tantos lugares.
E não havendo nomes, por razões de respeitabilidade e por imperativos emocionais, julgamos distingui-los pela singularidade das profissões, numa espécie de «quase retrato de vida», humanistas, apesar do carácter, do temperamento, dos papéis que assumiram nas suas vidas.
Aprendemos com todas e com todos e foi um privilégio fazer com todas e com todos sólidas amizades, apesar de muitas vezes emergir grande diferença de idades, perante momentos mil que o coração foi guardando.
Foi este muro nada imaginário que se ergueu à nossa volta, que nos branqueava o olhar, à medida que procurávamos na nossa longa lista contactos, que nos permitissem a nossa mensagem de Natal e Ano Novo, e foi aqui que tudo se renovou, isto é, o choque de em cada ano ver crescer a lista da saudade e a lembrança, de o Pai Natal, apenas nos ter deixado nomes e palavras, que tão importantes têm sido ao longo da nossa vida.

Neto Gomes

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