VRSA: Novas revelações sobre a antiga vila de Arenilha

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O que é que têm em comum a descoberta da Austrália e a antiga vila de Arenilha, que existiu a sul da atual cidade de Vila Real de Santo António? O Jornal do Algarve conta-lhe algumas das revelações que vão ser apresentadas esta sexta-feira no Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, na cidade pombalina, pelo historiador Fernando Pessanha e que, de acordo com o investigador, vão “revolucionar completamente a nossa compreensão acerca do que era aquela antiga vila”

DOMINGOS VIEGAS

A vila de Arenilha, que existiu na zona sul da cidade de Vila Real de Santo António, na foz do Guadiana, e a descoberta da Austrália podem ter um nome em comum: Cristóvão de Mendonça, um dos navegadores mais polémicos e controversos da história dos Descobrimentos portugueses.

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Mas vamos por partes. Recentemente, durante uma pesquisa que visava a realização de um trabalho para ser apresentado nas Jornadas de História de Ayamonte, o historiador vila-realense Fernando Pessanha, do Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, encontrou dois documentos que revelam a identidade de um comendador de Arenilha, até agora, desconhecido. E quem era esse comendador? Precisamente Cristóvão de Mendonça.

“Cristóvão de Mendonça era filho de Diogo de Mendonça, alcaide-mor de Mourão, e aparece referido na documentação como fidalgo da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo, em 1514. Posteriormente, em 1519, parte para o Oriente, onde é incumbido de descobrir as míticas Ilhas do Ouro”, conta Fernando Pessanha em declarações ao Jornal do Algarve.

O historiador recorda que “as misteriosas navegações de Cristóvão de Mendonça nos mares da Australásia têm levado alguns investigadores a considerá-lo o primeiro navegador europeu a chegar à Austrália”, uma teoria que “não é consensual” e que “tem gerado acesos debates no seio da comunidade científica”, sublinha.

Fernando Pessanha

Refira-se que a Austrália só começou a ser colonizada, pelos ingleses, nos final do século XVIII, mas sabe-se que, antes, navegadores portugueses e holandeses já tinham efetuado visitas, não se sabe se apenas esporádicas, àquele território. No entanto, o nome do primeiro europeu a chegar lá continua a ser uma incógnita.

Vários historiadores portugueses dizem que foi realmente Cristóvão de Mendonça o primeiro europeu a chegar à Austrália. O jornalista Peter Trickett, no seu livro “Para Além de Capricórnio”, de 2007, também recuperou essa teoria e atribuiu a descoberta ao navegador português, o que veio reavivar a discussão.

“Na verdade, não há qualquer documento a certificar que tenha sido ele o primeiro europeu a chegar à Austrália. O que há são apenas especulações, sem base de sustentação científica. Porém, sabe-se que ele foi para o Oriente, que foi incumbido de descobrir as Ilhas do Ouro e que, quando regressou, foi generosamente agraciado com rendas, mercês e distinções”, refere Fernando Pessanha.

Além da atribuição de rendimentos equiparados aos que eram atribuídos a navegadores que realizavam feitos considerados grandiosos, Cristóvão de Mendonça foi nomeado para a Capitania de Ormuz, no Golfo Pérsico, uma das mais rentáveis e cobiçadas entre as que o Império possuía no Oriente.

Por isso, não existe qualquer dúvida de que o navegador terá, mesmo, realizado um feito notável e de grande importância, que, muito provavelmente foi mantido em segredo. E faz todo o sentido, uma vez que a Austrália se encontra para além do paralelo oposto ao que tinha sido marcado pelo Tratado de Tordesilhas e que esses territórios não faziam parte do que tinha sido “atribuído” a Portugal.

É precisamente no âmbito destas distinções atribuídas a Cristóvão de Mendonça que Fernando Pessanha reforça a sua teoria na qual defende que a vila de Arenilha teve mais importância do que aquela que lhe tem sido atribuída.

Capa do trabalho de Fernando Pessanha publicado na revista e-Startegica

“Os dois documentos recentemente identificados, datados de 1529 e 1530, vêm demonstrar que Cristóvão de Mendonça foi agraciado com uma honrosa comenda da Ordem de Cristo, a comenda da vila de Arenilha. Por um lado, uma comenda da Ordem de Cristo não podia ser atribuída a um cavaleiro professo que não se tivesse distinguido com um feito notável. Por outro lado, se Arenilha não tivesse uma grande importância do ponto de vista geoestratégico, a comenda nunca teria sido atribuída a um navegador, como reconhecimento, pelas suas explorações”, defende Fernando Pessanha.

Fernando Pessanha já tinha defendido a importância de Arenilha no trabalho “Ataques da pirataria à foz do Guadiana e a ação de António Leite, alcaide-mor de Arenilha”, lançado como separata da última edição dos Anais do Município de Faro, no passado dia 22 de setembro. Com esse trabalho de investigação, o historiador revelou que os ataques de piratas aconteciam porque a vila tinha uma grande importância no seu tempo, funcionando como uma espécie de ‘zona de portagens’ de uma ‘autoestrada’ chamada rio Guadiana por onde circulavam produtos provenientes, essencialmente, do norte de África.

Agora, Fernando Pessanha considera que esta nova descoberta “vem contribuir para revolucionar completamente a nossa compreensão acerca do que era a vila de Arenilha”.

Trata-se de “mais uma peça de um ‘puzzle’ que nos ajuda a compreender a importância desta vila da foz do Guadiana e a história desta zona”, pois Arenilha “não pode ter sido uma coisa com tão pouca importância como nos têm dito ao longo dos anos”, defende.

Apresentação pública esta semana

Mais detalhes sobre este tema serão revelados na próxima sexta-feira, dia 11, na apresentação pública deste estudo, pelo próprio Fernando Pessanha, que terá lugar no Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, de Vila Real de Santo António, a partir das 18h00. O trabalho foi publicado em dezembro na revista e-Strategica, da Associação Ibérica de História Militar.

Para ir aguçando o paladar, já está aberta ao público a exposição “Cristóvão de Mendonça, um desconhecido comendador de Arenilha”, também, no arquivo histórico da cidade pombalina, que pode ser visitada até ao final deste mês de janeiro.

Arenilha (ou Santo António de Arenilha) foi fundada em 1513 na foz do Guadiana e desapareceu nas primeiras décadas do séc. XVII, antes da fundação de Vila Real de Santo António.

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