As minhas eleições

Parece que o número de votos em branco desceu (pelo menos percentualmente) nas europeias, em relação a outras eleições, o que talvez mostre – com pezinhos de lã – como os tugas se vão afastando da política formal. É que ir a uma assembleia de voto, esperar (pouco, é certo) pela vez de ir buscar o voto em estado virginal, transportá-lo para um daqueles biombos que todos conhecem, fazer que se vai fazer um xis no totobola e não o fazer, apesar de ali existir uma esferográfica presa por um cordel, pronta a ser usada, é um cerimonial complexo. De seguida, feita esta operação mental em doca seca, dobrar-se o boletim em quatro, dirigindo-se um maduro para a mesa a fim de recolher o cartão de cidadão, entregando o voto ainda virgem e dando de frosques em seguida, dá muito trabalho e não é para qualquer um. Há uma segunda hipótese negativa que é a de voto nulo, mas essa, apesar de incluir a grafitação do boletim, ou um xis em todos os candidatos ou partidos é, na minha modesta opinião muito mais fácil: trata-se aqui de um acto de revolta, o de pegar numa arma de arremesso (a esferográfica) e indignar-se contra tudo e todos. Ou, como parece estar a acontecer cada vez mais; se não se está muito contente com as hipóteses de escolha, é mais fácil não pôr os butes na escola da ordem e dar um salto à praia ou ao shopping.

Vi, com um mínimo de atenção, as horas que sucederam o fecho da votação das europeias e os que sucederam a estes, mas digo-vos que, quando me lembrei que no canal dois passavam os campeonatos da Europa de atletismo fiz, nessa altura, uma escolha e não foi em favor da política. Dos bocadinhos que fui ouvindo, tenho a declarar-vos que há realidades que nunca mudam e são extensíveis à maioria: são, quase, todos vencedores, tenham zero ponto dois ou vinte por cento. É evidente que o PCP é sem sobra de dúvidas o melhor, já que por lá usam essa conversa há mais tempo e têm o nouau ou znayu, kak sdelat’ (saber fazer, em russo) da coisa; mas há hoje uma táctica muito democratizada que é infalível. Depois de se saber os resultados, o político começa a falar com a cara de quem acabou de perder dois familiares num acidente de trânsito, que assume a derrota, que quando se perde há que dizê-lo com frontalidade, mas tudo isso é sol de pouca dura. Com toda a certeza alguém na sala lhe faz um sinal que significa, “vamos mudar o lado da bola” e lá vem o combustível, “descemos dez pontos, mas fomos muito melhores do que alguns que por aí andam tinham vaticinado”, ou “ficámos em quinto lugar, mas que é seguramente melhor do que fizemos há dez anos e mesmo essa foi uma boa eleição”. Também é verdade que vi uma imagem da Iniciativa Liberal em que – quase todos estavam com uma cara de enterro que lhes vou dizer. É o que se passa com todos os que sabem que um dia, aquilo há-de vir tudo abaixo, que as promessas afinal não se podem concretizar e que, quase tudo, se resume a tachos, assim à boa maneira portuguesa.

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