A xenofobia ou os caminhos da globalização

Tenho por princípio não tecer críticas a qualquer nacionalidade ou etnia enquanto tal, embora não seja uma prática comum. Comum é ouvir-se dizer que os brasileiros são assim e os indianos são assado, e por aí afora. Regra geral, parte-se da constatação de características, práticas ou atitudes de uma mão cheia de gente (ou de factos, negativos ou positivos, em que se pensa terem participado) e generaliza-se. Recordo que o meu pai, de viagem de trabalho por Itália com alguns colegas, nos idos anos 60 ouviu, à entrada de um restaurante, um empregado dizer a outro “Sono portoghesi, sono fascisti!” (“São portugueses, são fascistas!”).

Tanto bastou para que o meu pai, mal se sentaram a uma mesa, chamasse o dito empregado e lhe tenha perguntado se, quando o Mussolini por lá mandava, todos os italianos eram fascistas. O dito empregado pediu desculpa e desapareceu. As generalizações são abusivas senão ofensivas e, a maior parte das vezes, falsas. Então agora, com a facilidade de captação e de difusão de fotografias, de vídeos e outros meios de reportagem, um único acto é reproduzido à exaustão, assim se transformando um acto único numa prática aparentemente comum, porque repetida à exaustão. Para piorar a “informação” transmitida, o mais frequente é descontextualizarem-se os factos, assim os tornando absolutos. Tudo isto vem a propósito das manifestações de xenofobia e de racismo que se têm verificado ultimamente em Portugal e no resto de Europa, e um pouco por todo o Mundo. Acusa-se quem para cá imigrou de coisas tão inauditas quanto falsas, num movimento muito semelhante ao que ocorreu com judeus e mouros no final do século XV, de que veio a resultar a expulsão de ambas as etnias de Portugal (e de Espanha). O processo é idêntico: ampliam-se as características diferentes (sem sequer lhes saber a razão) atribuindo-lhes motivações soezes e malévolas, assim se criando uma narrativa de aversão e de rejeição global. Depois, é fácil tornar quem, além de se ajudar a si próprio, nos está a ajudar também a que as nossas contas estejam mais certas e transformá-los em gente sinistra. Para os arautos da xenofobia, parece que nada do que vem “dessa gente” é positivo, mas a verdade é que pouco ou nada conhecemos deles. “Essa gente” é, regra geral, extraeuropeia, ou seja, de muitos dos locais que, antes de nós, outros portugueses visitaram e (quantas vezes!) ocuparam e saquearam, até estabeleceram relações de comercio, desde as costas sul-americanas e africanas às costas asiáticas e oceânicas. Contudo, o conhecimento que fomos tendo deles reduziu-se e perdeu-se no tempo, e agora são estrangeiros no sentido mais profundo do termo.

Em sentido contrário, assiste-se a uma valorização aparentemente surpreendente dos europeus, uma vez que, historicamente, teríamos bastante mais motivos para nos queixar deles: para não falar já dos espanhóis, então não foram os franceses que invadiram Portugal e saquearam o que puderam? e não foram os ingleses que nos vieram ajudar a combater os franceses e por cá ficaram a gerir o país enquanto a corte estava no Brasil? A resposta é não! Nestes casos, acusa-se (e bem) Napoleão e não “os franceses”, acusa-se (e bem) o General Beresford e não “os ingleses” de todas as diatribes e malfeitorias! A que se deve esta diferenciação? Os países europeus são países para onde milhões de portugueses foram “a salto” (isto é, sem passaporte, ilegal e clandestinamente), fugindo à guerra e à miséria que então por cá grassava. Da Grã-Bretanha à Suíça, da França à Suécia, sem esquecer a Alemanha e a Bélgica, era fácil ouvir falar português nas fábricas, nos estaleiros de obra ou pelas porteiras e “femmes de ménage”, um pouco por toda a parte. Paris era então a segunda maior cidade portuguesa, logo a seguir a Lisboa! Claro que, após muitos anos de convívio, os portugueses entendem bem as motivações e as práticas dos europeus que os receberam (nem sempre de braços abertos, porque isto da xenofobia não é exclusivamente português nem coisa nova), e vice-versa, eliminando assim qualquer tipo de aversão que tenha existido.

Quanto aos outros imigrantes, os não europeus, parece ocorrer o contrário: as tensões têm-se vindo a agravar, quantas vezes provocadas por grupos interessados na instabilidade social. O contrário é que seria natural: quanto melhor o conhecimento, menor a tensão. Foi isso que ocorreu com os portugueses que foram ficando um pouco por todo o Mundo, substituindo a fobia em (quase) mania. Fobia quer dizer medo e é mesmo disso que se trata: medo do estrangeiro, do diferente, do desconhecido. A reacção ao medo é, regra geral, violenta e aparentando superioridade. Na verdade, a melhor forma de combate à xenofobia é através do conhecimento do outro e do que o move. E nós, portugueses, pela nossa História muito deveríamos saber, mas parece que esse conhecimento só aproveitou a quem pelas “sete partidas” andou. O que por lá fizemos, embora objecto de múltiplos livros, é pouco conhecido: Fernão Mendes Pinto, João de Barros e muitos outros deixaram testemunhos que agora nos seriam muito úteis, mas pouco os conhecemos. A violência e a guerra são inerentes à Humanidade mas são sempre (felizmente) efémeras. Os povos não desejam a guerra. Os povos querem é viver o melhor possível, em paz e tranquilidade. Será a partir deste princípio, que não dói, que teremos de construir o que realmente queremos para o Mundo que ajudamos a criar!

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3 COMENTÁRIOS

  1. Sem demérito para os que defendem as suas próprias concepções, algo de que não duvido, de todo, existe também muito boa gente que aprecia fazer-se de caixa de ressonância de ideias recortadas e feitas por medida do “politicamente correcto” da última moda …

    O “pronto a pensar” é sempre muito mais fácil do que a chatice de ter de ter a coragem de remar contra a maré defendida pelos chamados comentadeiros de serviço dos media, cuja função é, de um modo quase imperceptível, diria, até, insidioso de prosseguir uma “lavagem de cérebro”, “à la longue”, junto daqueles cuja massa neural parece feita de plasticina, pondo-os a “pensar” e a defender tudo menos aquilo que deve ser sublinhado e discutido, no interesse verdadeiramente geral e de fundo da nossa sociedade.

    A sociedade dos homens é um tecido vivo, que carece ser defendido, do mesmo modo como se procura defender o nosso corpo biológico de vírus.
    Claro que o conceito que deixo espelhado no parágrafo anterior é, para o tal “politicamente correcto”, uma espécie de heresia, face à sua cartilha ideológica.

    Concordamos inteiramente com o articulista, quando refere que, como se costuma dizer, é um erro tomar a árvore pela floresta ou, mais claramente, a floresta pela árvore.

    Porém, gostaríamos de ter lido e escrito igualmente pelo seu punho, qual a solução, não com “paninhos de lã”, mas decidida e efectiva, que deve ser dada a indivíduos imigrados no nosso país que não respeitam minimamente as nossas leis e ostensivamente as pisam, como consta da notícia, cujo “link” junto, abaixo, em que quatro bandidos – as palavras existem para ser utilizadas – insultam e procuram agredir polícias, além de um outro que, cito, “ameaçava e agredia as vítimas, com intuito de lhes subtrair (eufemismo para roubar – nota minha) dinheiro e outros bens”.
    Com pena nossa, o articulista foi omisso em como encarar situações como a que a notícia veicula, omissão que – quer se queira ou não – passa a ideia de que são situações de somenos importância.
    E não são, de todo !

    In “Jornal do Algarve” de 20 de Junho
    PSP deteve quatro cidadãos em vários locais da região nas últimas 24h (jornaldoalgarve.pt)

    Esta conversa poderia levar-nos mais longe, ou seja, para equacionar algo que o futuro não muito longínquo nos trará, por este andar …
    Falo de algo que nada tem a ver com a estafada “xenofobia”, mas sim com a matriz cristã da nossa Europa.
    Sejamos ou não crentes é ela que dá corpo identitário ao que somos.
    Ou será que este é um mero assunto de “lana caprina” ?
    Talvez o seja, para o “politicamente correcto” e para o “wokismo” que nos pretendem impingir e nada tem a ver com as nossas raízes europeias.
    Para reflexão, deixo dois números, que nos devem fazer pensar :
    Em França, o número de cidadãos de confissão muçulmana ronda os cinco milhões.
    Na Alemanha, atinge cerca de três milhões.

  2. Segundo publicação no sítio oficial da Presidência da República e no âmbito do “Dia Nacional do Cigano”, foram feitas algumas afirmações pelo inquilino do Palácio de Belém, que, entre outras, reproduzo, de seguida :

    “Neste Dia Nacional do Cigano, é lembrado que os ciganos são portugueses, recordando o seu contributo para a construção do nosso país, onde se instalaram e vivem há mais de cinco séculos”.

    Que “Deve ser feito o combate urgente das situações de discriminação, falta de representação e dificuldades de integração que se mantêm.”

    Que “Neste Dia Nacional do Cigano, é reafirmado que os ciganos são portugueses, recordando-se o seu contributo para a construção do nosso país, onde se instalaram e vivem há mais de cinco séculos”.

    Que “Apesar deste “tão antigo relacionamento”, prevalecem situações de discriminação, falta de representação e dificuldades de integração que urge combater, nomeadamente nas áreas da habitação e do trabalho”.

    Na qualidade de cidadão deste país, estou, genericamente – sublinho, genericamente, mas não na totalidade – de acordo com os objectivos que ali são aduzidos.
    Porém, não sejamos hipócritas, uma vez que existe uma boa dose de hipocrisia e parcialidade escondida nos desejos ali formulados.

    Alguém está ou esteve, porventura, contra a integração, no múnus da nossa sociedade, de outros Portugueses, conhecendo-se, como se sabe, quão acolhedor é o povo português, na sua generalidade ?
    Não, obviamente !
    Porém – e é aí que reside o que eu chama de pura hipocrisia –, quem não sabe que são os próprios ciganos que não estão afim de se integrarem, plenamente, preferindo continuar a reger-se por códigos próprios e ancestrais, de que não abdicam, nem estão dispostos a abdicar ?
    Ou, dito de um modo mais “tout court”, são eles mesmos que não se querem integrar … !

    Claro que Marcelo, no seu estilo supérfluo, redundante e gratuito, de quem, por norma, fala além do necessário, não perdeu esta oportunidade para vir tirar mais uma “selfie”, esta social e tão do seu agrado …

    Muito mais haveria a comentar por quem, como eu, me cruzo diariamente com pessoas dessa etnia, porém, prefiro ficar-me por aqui, afirmando apenas mais que o ser cidadão deste país implica direitos, mas também deveres, mas cumpridos e assumidos na sua plenitude.

  3. Ainda a propósito da última parte do primeiro comentário que aqui deixei, tive, posteriormente, conhecimento de alguns dados que me deixaram siderado, no ponto de vista em que, num futuro que está já ali, ao dobrar da esquina, merecem que neles reflictemos seriamente, dados que não quis deixar de partilhar com quem, eventualmente, os desconheça.

    Segundo números coligidos de há dez anos atrás, os nascimentos de imigrantes, em Portugal, era de cerca de dez por cento do total nacional.

    Passados esses dez anos, actualmente, esse número subiu de dez para cerca de trinta por cento.

    Face ao impacto que, inevitavelmente, esta realidade crescente irá ter na vida de todos nós, poderemos imitar a atitude da avestruz, que, consta, enterra a cabeça na areia, quando pressente a aproximação de uma tempestade ou, pelo contrário, aconselhar que o Executivo tome medidas sérias, verdadeiramente sérias, no incentivo ao incremento da natalidade, entre os Portugueses, com a construção de uma vasta rede de creches, ao longo país, assim como outros apoios generosos aos casais mais jovens, em função do número de filhos, que decidirem gerar, sem o que o futuro social que nos espera só poderá ser preocupante, seriamente preocupante.

    Todos os investimentos que forem efectuados neste campo terão, seguramente, um retorno largamente compensatório, pelo que não devem ser analisados, no Ministério das Finanças, à lupa de uma mera miopia aritmética orçamental.

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