25 anos sem Zeca Afonso

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Nunca alguém o comprou, por um lapso de tempo que fosse, nem à sua criação artística. E só a morte viria a calá-lo, nesse incómodo 23 de fevereiro de 1987.

Faz hoje 25 anos que o Zeca sucumbiu à doença, deixando-nos – a todo um país – a braços com um legado complexo, a que não foram indiferentes os amigos e admiradores, nem os detratores e adversários políticos. Um legado musical, um vasto campo lírico para além das cantigas, uma atitude na vida, uma personalidade rara de homem íntegro.

Saiu da Glória (Aveiro) para o mundo, e palmilhou-o numa postura interventiva, não se contentando em contemplá-lo. Ousou mudar as coisas, as pessoas, a sociedade. Agarrou a vida pelos cornos e lidou-a com ardor, recusando desgraças e impossíveis.

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José Afonso, cidadão, compositor, poeta, cantador, olhou-nos sempre de maneira frontal, convidando-nos a ir em frente, em sobressaltos mas não a medo. Exigente com os outros não mais do que consigo próprio, elevou por diversas vezes o mister das canções a um objetivo sublime.

Primeiro com a canção coimbrã – quando estudante do liceu e da universidade -, de companhia com o Adriano Correia de Oliveira, o Manuel Alegre, o José Niza, o Durval Moreirinhas, o Godinho e outros que desandaram dos fados e guitarradas para criar um movimento espontâneo, mas amadurecido, esboço do que seria, em breve, a canção de intervenção política contra a ditadura, contra a sociedade fascista, policial e castradora.

Grito de revolta a cada disco

Cada disco seu passou a ser um grito de revolta. Onde os mais atentos e insatisfeitos se reviam, e o tomavam como seu. Onde cada letra de denúncia clamando por liberdade correspondia a uma vasta tradição lírica que se queria poesia.

Com um desses poemas, datado de 1964, se dá a senha para desencadear o golpe de Estado de 25 de abril de 1974. Dez anos depois de composta, “Grândola, Vila Morena” passava a hino libertador e a canção que brotava a plenos pulmões de quem saía à rua no espanto da democracia. Zeca Afonso, no entanto, nunca embandeirou em arco.

Ao mesmo tempo que continuava a sua senda independente, intervindo em concertos e sessões de canto livre, recusava condecorações, declinando a Ordem da Liberdade num 10 de junho que já tinha sido dia da raça e nunca chegara a ser verdadeiramente dia dos poetas e do povo. Ainda e uma vez mais, esse era tempo do renovar da música portuguesa, numa influência pressentida de há muito, com ritmos africanos, paisagens sonoras em que conviveu anos a fio.

Das canções de intervenção contra o regime, já desusadas, Zeca passou a enumerar destinos e posturas novas, com o mesmo rigor e a mesma capacidade.

Nunca alguém o comprou, por um lapso de tempo que fosse, nem à sua criação artística. E só a morte viria a calá-lo, nesse incómodo 23 de fevereiro de 1987.

JA/Rede Expresso
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