Já lá vão os tempos em que pretenderam fazer-nos crer de que a História do território de Vila Real de Santo António começou com o lançamento da primeira pedra da antiga alfândega, em 17 de Março de 1774, no contexto do Plano de Restauração do Reino do Algarve concebido por Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal. No entanto, não se faz História sem documentos, e são exactamente as fontes primárias, sejam elas fontes epistolográficas, cartográficas, epigráficas ou arqueológicas a atestar, sem qualquer margem para dúvida, que a terra que viria a ficar conhecida como Vila Real de Santo António já existia desde muito antes, ainda que tenha atravessado os séculos com outros nomes, topónimos ou designações.
Na realidade, o território que compreende a delimitação geográfica consignada à Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António fazia parte, na sua origem, do termo onde o rei D. Manuel, “o Venturoso”, mandou edificar a vila de Arenilha, couto de homiziados fundado na foz do Guadiana através da Carta de Privilégio de 8 de Fevereiro de 1513, tal como podemos confirmar no Livro 12, fólio, 62, da Chancelaria de D. João III, à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Modesta vila de pescadores, é certo, mas honrosa comenda da Ordem de Cristo, sendo que o seu termo constituía um porto natural onde não apenas a pesca como também a pirataria, o contrabando e o tráfico de escravos eram uma realidade asseverada por documentação avulsa e por várias crónicas e visitações que versam sobre o Algarve.
Conhecida já por Santo António de Arenilha, Vila de Santo António ou Santo António da foz do Guadiana, desde meados do séc. XVI, a vila da foz do Guadiana chegou a ser “comandada” por figuras da História da Expansão Portuguesa, como o comendador de Arenilha Cristóvão de Mendonça, navegador na Australásia e capitão de Ormuz, ou o alcaide-mor António Leite, capitão de Mazagão, de Azamor e do forte do Seinal, em Marrocos. Porém, durante a Guerra da Restauração, entre 1640 e 1668, a população de Arenilha, temendo os ataques da pirataria e as ameaças das incursões castelhanas, acabou por se dispersar pelos areais do termo. Na realidade, e ainda que a primitiva sede de concelho se tenha despovoado no decurso do séc. XVII, a documentação atesta, claramente, que Arenilha continuou a existir de jure et de facto. Com efeito, nunca houve qualquer interrupção institucional, sendo que a câmara de Arenilha sempre se manteve em funções e que a sua população, derramada pelos areais do rio e da costa, continuou com o seu modus vivendi, essencialmente dedicado à faina piscatória.
Quando o ministro de D. José I manda edificar uma vila iluminista na foz do Guadiana, esta tem a designação original de “Nova Vila de Santo António de Arenilha” e, posteriormente, “Vila Real de Santo António de Arenilha”, tal como podemos comprovar em toda a documentação produzida entre 1773 e parte de 1775. Com efeito, foi apenas no decurso de 1775 que o Marquês de Pombal, com a vaidade própria de quem pretende inaugurar algo criado de raiz, manda erradicar o topónimo de Arenilha, alegando tratar-se de um topónimo de origem castelhana e Vila Real ser uma terra portuguesa.
Conclusão: a erradicação do topónimo, tal como antes o tinha tentado D. João III, fez eclipsar a História do território iniciada em 1513, fazendo prevalecer a ideia (cientificamente condenável) de que nada de expressivo existia em data anterior à edificação da vila pombalina. Na realidade, a tropa de “artilheiros veteranos” já lá estava, dispersa pelas baterias de artilharia construídas durante a Guerra Fantástica de 1762, a população já lá estava, ainda que dispersa pelo território, e até o governador de Arenilha, o coronel Francisco de Mendonça Pessanha Mascarenhas, foi nomeado governador de Vila Real de Santo António durante a reconstrução da sede de concelho. Vila Real de Santo António, que na verdade não é mais do que a refundação setecentista de Santo António de Arenilha, acabou por ser inaugurada em 13 de Maio de 1776, data de aniversário de Sebastião José de Carvalho e Melo e assumida, posteriormente, como dia do município.
Porém, não obstante a avaliação dos historiadores que se deixaram influenciar pela propaganda pombalina, o dia que na realidade se encontra na origem institucional do burgo da foz do Guadiana, seja qual for o nome que lhe quisermos dar, é o 8 de Fevereiro de 1513, tal como atesta a referida Carta de Privilégio de D. Manuel. Atribuído que está o dia 13 de Maio como o dia da cidade, tornava-se importante, por uma questão de honestidade intelectual, procedermos à reposição da verdade, corrigindo uma lacuna grave da nossa História, da nossa Cultura e da nossa Identidade Patrimonial. É nesse sentido que, em muito boa hora, a Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António decidiu adoptar o dia 8 de Fevereiro como dia da Freguesia de VRSA. É, portanto, a homenagem mais bonita que podemos prestar aos arenilheneses, os homens e as mulheres que lançaram o ensaio povoador da terra que, com o passar do tempo, se veio a designar de Vila Real de Santo António.
Um bem-haja à Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António.
Um bem-haja aos vila-realenses, santo-antoninos ou arenilhenses.