A corrida às urgências

Na minha infância e juventude, numa pequena cidade no Minho, havia um hospital da Misericórdia e a “Caixa “… e múltiplas freguesias (aldeias) circundantes num raio de quinze quilómetros. Não creio que as patologias vulgares do dia a dia (passe a simplicidade do enquadramento) fosse diferente do que ainda hoje acontece. Refiro-me p.ex. às pequenas feridas ou traumatismos, às vulgares “constipações” mesmo em crian- ças ou até “caganeiras” após algum alimento menos adequado… que eram tratadas ou apenas compensadas com repouso e cuidados sumários de todos conhecidos e, nas raras situações que se complicavam, recorriam ou ao médico “da família” ou ao hospital da misericórdia. Pura e simplesmente não havia urgências para estas situações… O recurso consistia em recorrer à farmácia onde até um enfermeiro conhecido tantas vezes colaborava ou aconselhava.

Já a Caixa era fundamental, inclusive, porque permitia as necessárias baixas… mas tinha muito, para além disso, uma importância que creio nunca ter sido devidamente entendida, aliás de par com os parcos vencimentos auferidos pelos médi -cos e enfermeiros que aí davam o seu contributo.

Claro, e entendamo-nos, que esta era a forma do “Estado Novo” manter e assegurar uma certa contenção social e, porque não… “inteligente e de acordo com a Igreja e os sagrados princípios de ajuda aos pobrezinhos”… o que não impedia que tivéssemos uma das maiores taxas de mortalidade infantil, por exemplo!

Os anos foram passando… até ter chegado a minha altura de enfrentar a situação, como jovem médico, já em Lisboa. Alguns anos tinham passado mas não me foi difícil entender as diferenças que existiam com a chamada província, de par com um conceito médico e de saúde pública já em sintonia com a evolução científica que o 25 de Abril permitira.

Nos grandes centros haviam sido criados os chamados “domi- cílios” e recordo, até com alguma saudade, idas a Caneças ou à Musgueira que só me enriqueceram como médico e eram mais uma fórmula inteligente natural e necessária de “salvaguardar as urgências”!

Naturalmente que não quero com isto dizer que, de forma alguma, o problema da saúde estaria minimamente resolvido… que fique claro!

O SNS, para mim médico, foi um dos marcos principais do 25 de Abril e nunca poderei esquecer Arnault ou o meu colega mais recente, João Semedo… e outras portas muito mais largas se abriram. Contudo, sou obrigado por inteira justiça a recordar sempre o movimento das carreiras médicas e Miller Guerra entre outros sem o que o SNS não teria sido possível. Ainda hoje creio ter estado aí um dos pilares de uma nova saúde de qualidade e comparável ao melhor que se proporcionava no mundo. A explicação, talvez por acaso, tem a sua génese no facto de ter permitido criar uma hierarquia técnica de competências sem interferência burocratizante e dependente de controleiros (hoje CEO’s)de topo partidários.

E, no meu modesto entender, continuo a crer que, passo a passo, foi aí e, talvez não por acaso, que o chamado “bloco central” foi destruindo o SNS em sintonia com os cuidadosos “conselhos” europeus.

Certo que os idosos carenciados aumentaram, que os cuidados “para todos” idem; que os dispêndios com novas tecnologias e fármacos da mesma forma. Porém, meus caros, permitam-me não ter dúvidas que, pelo menos, o problema das urgências não atingiriam o drama de hoje… se, ao contrário dos “CEO’s” partidários “obrigados” às dicas europeias neo liberais, tivesse havido a possibilidade de… quem sabia da poda pudesse continuar a podar. Foi pena… Esperemos que ainda nos salve um novo entendimento que o entenda… nos seus próprios interesses quando doentes… e não apenas utentes!!!.

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