A linha que separa um preso preventivo de um condenado

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Ex-primeiro-ministro está detido desde novembro de 2014

A última palavra será sempre de Carlos Alexandre, mas a poucos dias de terminar o prazo para o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal reavaliar os pressupostos que têm mantido José Sócrates na prisão — 9 de junho, terça-feira — crescem as expectativas sobre se o ex-primeiro-ministro vai sair já da cadeia de Évora, onde se encontra há meio ano, para poder aguardar em casa pelo desfecho da investigação em que está indiciado por corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Se isso aconteceu com os outros presos preventivos do caso, por que não há de acontecer também com ele?

É a segunda vez que a situação do recluso 44 no estabelecimento prisional de Évora é reavaliada pelo juiz de instrução criminal, um procedimento obrigatório a cada três meses. Embora a defesa de Sócrates tenha perdido todos os recursos que foi apresentando para pôr termo à prisão preventiva, o cenário mudou de repente na semana passada. O tribunal decidiu mandar para casa, com uma pulseira eletrónica, Carlos Santos Silva, o empresário da construção civil que o Ministério Público acredita ter agido como testa de ferro do ex-primeiro-ministro durante os anos em que esteve à frente do Governo.

Ao alterar a medida de coação do empresário, o juiz Carlos Alexandre entreabriu a porta ao único suspeito que continua na cadeia. Os pressupostos para a prisão preventiva de Santos Silva eram os mesmos de Sócrates — perigo de fuga e risco de perturbar a investigação. Em março, o Tribunal da Relação deu razão aos advogados do antigo primeiro-ministro quanto ao perigo de fuga: nunca existiu. Mas sobrou o resto. É esse resto — a perturbação do inquérito — que pode cair na próxima semana.

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Juntos no crime e a forjar provas

Indiciado também por corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, Santos Silva tem, na tese da investigação, uma relação tandem com Sócrates. Funcionam como uma dupla. Onde está o dinheiro de um, está o dinheiro do outro. Todos os crimes de corrupção eventualmente cometidos pelo ex-primeiro-ministro, tendo como origem do dinheiro o Grupo Lena, um conglomerado de empresas de obras públicas, terão tido Santos Silva como cúmplice.

A cumplicidade entre os dois arguidos está presente também, no entender do MP, no encobrimento das provas. O argumento mais relevante usado por Rosário Teixeira, o procurador que coordena a investigação da ‘Operação Marquês’ no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), para justificar a prisão preventiva de Sócrates e de Santos Silva envolve, precisamente, o risco de haver um “conluio” entre os dois para fabricar contratos fictícios e, assim, perturbar “a recolha e a conservação da prova”.

Ambos teriam forjado no passado documentos para sustentar legalmente a passagem de mais de 15 milhões de euros de contas bancárias de Santos Silva para a esfera pessoal de Sócrates.

Numa resposta ao recurso de Sócrates para o Tribunal da Relação de Lisboa, e para demonstrar esse conluio, Rosário Teixeira dava o exemplo do contrato de arrendamento de um apartamento de luxo em Paris, comprado em nome de Santos Silva mas cujo verdadeiro dono o MP suspeita ser Sócrates. O texto do contrato, com o empresário como senhorio e o ex-primeiro-ministro como inquilino, dizia respeito ao primeiro semestre de 2013 mas uma perícia ao computador onde foi escrito revelou que foi elaborado já em 2014.

A insuficiência da prisão em casa

Segundo as explicações dadas pelo MP, havia o risco de os arguidos produzirem novos documentos no futuro, se fossem deixados em liberdade — mesmo se ficassem com pulseira eletrónica. “Nesta fase da investigação, a colocação em obrigação de permanência na habitação não iria acautelar a possibilidade dos meios de comunicação, designadamente informática, com terceiros”, justificou Rosário Teixeira. “A permanência na habitação abriria a porta à continuação do forjar de justificativos, com particular importância face a uma prova que não está ainda completamente adquirida.”

Agora que o MP passou a considerar que esse risco já não existe em relação a Santos Silva, aumenta a pressão sobre Rosário Teixeira. Que solução para Sócrates irá sugerir a Carlos Alexandre? Qualquer que seja a decisão do juiz, ela nunca poderá ser mais gravosa do que a proposta do procurador. O que põe o ónus nas mãos do MP. Mas que perigos representa, afinal, a liberdade do ex-governante?

“É uma questão nebulosa, em que os argumentos são vagos e em que não há muita margem para factos”, lamenta João Araújo, um dos advogados do ex-primeiro-ministro. “É por isso que a comparação entre a situação dos dois arguidos não permite concluir que o meu cliente vá ver a sua medida de coação alterada.”

Há depois um facto apontado ao ex-primeiro-ministro pelo MP que o distingue de Santos Silva quanto à capacidade de perturbar a investigação: a forma como constrói uma narrativa nos media que “nada tem de coincidente com a leitura judiciária dos indícios” e que pode pôr em causa a “espontaneidade” das testemunhas que o procurador ainda quer inquirir.

No acórdão de março da Relação, os juízes confirmavam que, ficando José Sócrates em liberdade, haveria “graves” perigos de perturbação, afirmando que “a destreza comunicacional” e a rede de contactos do arguido são vastas, existindo “fortíssimas evidências de capacitação na manipulação de factos”.

O certo é que o ex-primeiro-ministro deixou, entretanto, de dar entrevistas e de enviar textos para as redações a partir de Évora. O seu advogado garante que não se trata de uma estratégia. “O engenheiro José Sócrates intervém como quer e sempre que acha oportuno.”

Se o recluso 44 de Évora não sair já da cadeia, a defesa vai esperar pelos resultados de mais três recursos. Dois estão na Relação. Um a contestar a especial complexidade decretada no caso e que permite duplicar o prazo da prisão preventiva; e outro a pedir para que seja anulada a revalidação dessa medida de coação feita por Carlos Alexandre há três meses. E existe ainda um recurso que deu entrada na semana passada no Tribunal Constitucional, numa tentativa de deitar abaixo o que os juízes da Relação quiseram manter: a certeza de que, cá fora, Sócrates irá prejudicar a investigação.

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