Discutem-se agora as consequências das sanções que o chamado mundo ocidental tem vindo a decretar sobre a Rússia. Após minutos e minutos de estudo, descobriram que, mais uma vez, são as cidadonas e os cidadãos (como diria o velho Herodes), que mais sofrem com os sucessivos embargos. A minha pergunta será: o que é que queriam que se fizesse? Digam lá – como na velha anedota em que a senhora, assustada, na cadeira do dentista exclamou: “senhor doutor, não sei se é pior tirar um dente ou ter um filho”, tendo respondido o médico, “decida-se lá minha senhora para se pôr a cadeira como deve ser” – que não será para mexer na cadeira, mas para decidir o que se fazer à vida.
Num momento em que andamos todos a penar, por causa da guerra, como o aumento do trigo e dos combustíveis, não será lícito esperar que os russos, mesmo os que não têm vida para oligarcas, tenham que passar um mau bocado, com a carestia de vida e problemas de abastecimento nos supermercados? É que mesmo assim, com as chatices todas que têm, parece que não desce o nível de apoio ao presidente Putin. Então se não desce, se o russo normal, como eu e um dos meus quatro amigos continua a pensar que a ideia de Putin em fazer a Rússia crescer para os limites do século vinte, nada melhor que uns problemas acrescidos para saberem com quantos paus se faz uma canoa. E para a próxima pensem duas vezes e façam alguma coisa que valha a pena.
Para não porem em causa o meu sentido de estado, vou confessar-vos, na condição de não contarem a ninguém, que me tenho divertido a ver uma série russa no AMC, chamada Nedezhda, Hope para os amigos. Sendo pensada como um remake de Nikita, filme de Luc Besson, a série, segue uma mulher que acusada de ter morto quem lhe assassinou os pais acaba por se ver libertada pelo Sindicato (entidade inorgânica de contornos indefinidos, não constituída por escuteiros), que aparece aqui a personalizar o extraordinário mundo da justiça feita pelas próprias mãos. Mãos é como quem diz, pistolas, facas e em geral tudo o que corte ou fira. A série afasta-se do filme que recria porque tem, de um modo geral, um pendor talvez mais intimista, que assenta como uma luva naqueles ambientes soturnos e conjuga igualmente um argumento relativamente complexo, que se aguenta bem, acentuado pela língua russa que não ouvimos habitualmente em filmes, mas apenas em invasões. Os ambientes soturnos que lhes falei atrás são o trunfo, para quem gosta de apartamentos sórdidos discotecas infectas e ambientes nocturnos. Mesmo que sejam filmados ao meio dia, debaixo daqueles céus de chumbo, ruas eternamente molhadas, pejadas de automóveis de segunda, sujos de neve. Vendo os pequenos episódios (vinte minutos cada, em dose dupla semanal), respira-se um pouco do que é uma certa Rússia que passámos a ouvir falar pelas piores razões.
Fernando Proença