A volta dos Descobrimentos

Ouço muitos portugueses, alguns até políticos, contestarem liminarmente a entrada de imigrantes no território nacional. Tal atitude envergonha-me, sobretudo vindo de gente de um país que emigrou maciçamente a salto (isto é, ilegalmente), sobretudo para França, Alemanha, Luxemburgo, Suíça e Bélgica durante os anos de chumbo da guerra colonial. Uns, recusavam fazer a guerra, outros, não tinham por cá qualquer meio de subsistência e demandavam a Europa. De tal forma isto é verdade (e marcante), que Paris chegou a ser a segunda mais populosa cidade portuguesa, logo a seguir a Lisboa! Esta prática de nos aventurarmos pelo Mundo não é nova: até ao início do século XX tinha sido o Brasil, seguiram-se os Estados Unidos e a Venezuela e, finalmente, a Europa! Mas antes disso, já havia portugueses por todo o Mundo: os primeiros europeus que a população do Japão viu, no século XVI, foram portugueses, que logo aí se estabeleceram como comerciantes. Mas a China e as “Ilhas das Especiarias” também foram palco para os portugueses, lá criando feitorias e outros entrepostos comerciais. Parece até que terão sido portugueses os primeiros europeus a chegar à Austrália, vítimas de um naufrágio, ainda na centúria de 500! Até a população do pequeno Reino do Butão, no meio dos Himalaias, o primeiro europeu que viu foi o jesuíta português Estevão Cacella, corria o ano de 1626!

A lista de portugueses pelo Mundo é infinita e inclui a África, a América do Sul e mesmo, segundo alguns, a América do Norte para onde teríamos navegado em busca de… bacalhau e aportado no actual Canadá, a que teríamos chamado Terra Nova, Terra de Labrador ou Terra dos Corte Real! Na verdade, o que eu quero dizer é que os Portugueses calcorrearam o Mundo todo sem pedirem licença a ninguém! Sem serem convidados! E muitas vezes sem ser aceites! Saíram daqui numas cascas de noz à descoberta dum caminho marítimo para a Índia e, de bónus, encontraram um continente que era bem maior que o que pensavam: a África ao sul do Sahara! Não há ideias precisas sobre o porquê deste desígnio de chegar à Índia mas, aparentemente, pretenderiam substituir-se aos árabes nas Rotas da Seda, e assim lograr os proventos por eles conseguidos no vultoso e bastante proveitoso comércio asiático-europeu. E conseguiram! Há também notícias que dizem que o que pretendiam, em termos religiosos, era surpreender Jerusalém pelo oriente ou, pelo menos, cortar o abastecimento às forças islâmicas pela retaguarda, contando para isso com o Reino etíope de Preste João, embora as evidencias dessa hipótese sejam escassas. O que interessava era o comércio das especiarias, das pedras e dos metais preciosos, dos tecidos e de outros artefactos de que a Europa era ávida. Após a derrocada da Segunda Dinastia, a breve mas dramática Terceira Dinastia levou-nos uma parte substancial da frota para a Invencível Armada (que afinal não era assim tão invencível e foi logo destroçada por uma tempestade) e retirou-nos definitivamente a possibilidade de continuar a liderar a relação Europa-Ásia. É que, entretanto, o comércio e a dominação asiática estavam já a ser disputados também por ingleses, franceses e sobretudo holandeses além dos próprios espanhóis, aproveitando o colapso português do final do século XVI. Haverá, contudo, que reconhecer que, para um país com a dimensão e a população do nosso, querer dominar o comércio da Ásia era ter mais olhos que barriga! Viraram-se então as agulhas para o bem mais próximo Grande Lago – o Atlântico – e começaram a explorar-se as Terras de Santa Cruz, que depois cresceu e se transformou em Brasil, e a África, onde várias feitorias costeiras (das quais a mais famosa foi S. João Baptista de Ajudá, na Costa da Mina, actual Benim) foram a porta de saída de milhões de escravos que, nos séculos seguintes, alimentaram a agricultura intensiva, a mineração e a incipiente indústria das Américas, de norte a sul, e também a Europa. Se não escravizámos directamente as populações africanas, fomos pelo menos grandes traficantes e beneficiários deste iníquo comércio, sobre o qual uma parte substancial da riqueza europeia foi construída. A exploração directa dos territórios e populações africanas só tomou proporções coloniais após a independência do Brasil (em 1822). Estabeleceram-se (ou confirmaram-se) então procedimentos e discriminações que só viriam a acabar, na prática, com o 25 de Abril de 1974, há escassos 50 anos!

Com um historial destes, envergonham-me muitos os argumentos e atitudes de muitos portugueses relativamente aos estrangeiros que para cá imigraram ordeiramente, e em particular aos que provêm dos antigos territórios sob domínio português. Domínio esse que eles nunca pediram ou sequer aceitaram e contra o qual denodadamente (e justamente) lutaram! Por cá, buscam trabalho e alguma paz. Nada que os envergonhe ou que os coloque em qualquer posição de inferioridade. Pelo contrário, contribuem positivamente para os nossos impostos e Segurança Social (coisa que muitas empresas nacionais não fazem!) para já não falar em questões demográficas. Em todos os casos, o seu comportamento é muito menos agressivo que o que, para com os seus antepassados, os nosso tiveram ao longo dos séculos! É a volta dos Descobrimentos!

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