A 10 anos do colapso económico-financeiro argentino e quando países europeus vivem uma situação semelhante, a Presidente Cristina Kirchner apresentou o filme com o qual quer explicar aos mais jovens a versão sobre a dívida externa do país.
Os marcianos descem à Terra. Estamos no quarto milénio. Os extraterrestres chegam a um planeta devastado. Com a Terra arrasada, os marcianos buscam respostas sobre o que aconteceu com a Humanidade. O ponto de aterragem da nave espacial é exatamente no coração de uma Buenos Aires em ruínas.
O colapso que pulverizou a Argentina é explicado aqui como consequência de uma dívida externa histórica e de políticas implementadas por Governos anteriores.
Assim começa “Marcianos, cronologia da dívida externa”, o filme de desenhos animados lançado pelo Governo argentino para contar a história oficial de todos os males do país.
O extermínio argentino é narrado aos três marcianos através de um economista sobrevivente. A versão da Presidente Cristina Kirchner sobre a dívida possui seis episódios de 25 minutos nos quais aparecem fotos reais de ex-Presidentes, inclusive George Bush, e títulos como: “Mentiras”, “Ambição”, “Traição” e “Morte”.
Filme vai ser exibido nas escolas
“A dívida era o grande condicionante de qualquer projeto viável de país”, sentenciou Cristina Kirchner ao apresentar o filme. Para a Presidente, Marcianos é “uma grande colaboração para que certas coisas não voltem a acontecer”.
O vídeo foi idealizado por uma equipa do Museu da Dívida Externa e por académicos da Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Buenos Aires. Foi produzido por canais públicos e pretende ser exibido nos cinemas e nas escolas do país.
“A ideia do filme é que o tema da dívida chegue de forma simples aos mais jovens. Queremos que seja exibido nos cinemas, em centros comunitários e nas escolas”, explicou o reitor da Universidade de Buenos Aires, Alberto Barbieri.
Em tom didático, a versão oficial começa com o primeiro empréstimo solicitado à britânica Baring Brothers em 1824 e chega ao colapso sócio-económico-financeiro de 2001. O crescimento astronómico da dívida pública externa aparece associado aos ditadores do último regime militar, mas também a todos os antigos presidentes desde o retorno da democracia em 1983. Todos, menos Cristina Kirchner e seu marido o ex-Presidente recentemente falecido, Néstor Kirchner (2003-2007).
Portugal é um espelho do outro lado do Atlântico
Na versão oficial, a Argentina implodiu em 2001/2002 até que chegou Néstor Kirchner em 2003 para alterar a lógica do endividamento.
Em 2001, quando a Argentina entrou em colapso, a dívida externa chegou a 145.000 milhões de dólares. Foi quando o país se declarou em default. O colapso sócio-económico-financeiro argentino chegou a ser classificado pelo FMI como mais profundo do que a crise de 1930.
A traumatizante experiência argentina e as fracassadas receitas de ajuste não evitaram o colapso que, no final de 2011, completará 10 anos. Para os argentinos, a situação que Portugal vive é um espelho do outro lado do Atlântico.
Ao apresentar o filme “Marcianos”, a Presidente Cristina Kirchner definiu como “a solução argentina” a re-estruturação da dívida e profetizou o mesmo efeito para os países europeus onde, segundo ela, já começam a falar em adotar a mesma solução.
FMI é o vilão
“Um país como a Argentina, oitavo em território, com muitos recursos naturais, teve de reestruturar uma dívida de 108,947.000 milhões de euros. Imaginem o que acontece com países muito menores e que devem 224,702 milhões de euros”, comparou.
Na re-estruturação da dívida em 2005, considerado o maior calote da História, a dívida já superava os 130.257 milhões de euros. A re-estruturação, aceite por 80% dos credores, impôs uma redução de 60% e caiu para 75.504,7 milhões de euros. No entanto, em pleno período de governo dos Kirchner, a dívida voltou a crescer até os atuais 111.895 milhões de euros, mesmo quando parte da dívida continua em moratória e mesmo quando a Argentina continua sem acesso aos mercados internacionais de crédito. No filme, os marcianos não recebem nenhuma explicação sobre esse aumento ocorrido em pleno Governo Kirchner.
“Sem a reestruturação e sem começar a dedicar todos os nossos recursos ao mercado interno, seria impossível o crescimento económico dos últimos oito anos”, ensinou Cristina Kirchner.
A dívida pública externa e o Fundo Monetário Internacional representam para os argentinos os verdadeiros vilões da situação económica decadente. Sobre o costume de culpar sempre o outro, especialmente se for estrangeiro, o renomado e recentemente falecido escritor e historiador argentino, Ignacio García Hamilton, acunhou uma frase célebre: “Na Argentina, o melhor amigo não é o cachorro; é o bode, expiatório”.
JA/Rede Expresso