As coisas que devem ser ditas – 3

Dança zumba? Musculação? Pilates? Aeróbica? Ginástica sueca? Bahhh!

Esqueçam tudo isso! O que está a dar é o lambecuísmo. Como actividade de desenvolvimento muscular, exercício de melhoramento de articulações, mobilidade (especialmente no elevador social da vida política) e até mesmo como benefício a nível de melhorias no paladar, nada supera a prática do lambecuísta, que popularmente é também designado por lambecus.

O lambecus caracteriza-se desde logo pelo seu dinamismo. Mal vê uma nádega que lhe pareça ser de alguém que tenha uma porção de poder (seja a de um presidente de qualquer coisa, de um secretário geral, de um prócere de um qualquer partido, de um empresário de sucesso – e em casos extremos até mesmo a de um vereador ou assessor ou adjunto – o lambecuísta inicia sem hesitação a sua pauta de exercícios. Desde logo, dobra a cerviz, aparentemente respeitoso, numa postura singular e reconhecidamente benéfica para a mobilidade da coluna e muito apta a evitar artroses e maleitas cervicais. Mas logo após este primeiro exercício, que ele repete várias vezes, o lambecus, no prosseguimento da sua prática ginastical, ajoelha-se e dirige-se à nádega poderosa para lhe encontrar o orifício escondido. E começa a sua sessão de exercícios práticos, com movimentos regulares, em 20 ou 30 sessões de lambecuísmo. Como o lambecuísta investe muito do seu esforço na exercitação da prática, sempre com vista a um melhoramento das próprias competências, mas também com vista a suavizar a entrenádega eleita, vai dando o melhor de si no movimento do cachaço e no adestramento da língua.

Reconheça-se que embora o músculo lingual se lhe fortaleça, a linguística porém não melhora. O lambecus mantém o seu conflito com a oratória e a redacção, sempre abusando das maiúsculas, das exortações e dos pontos de exclamação. O lambecuísta é, por vocação, uma criatura exclamatória. Muito exclamatória. O problema é que quando dá em falar, por via da prática e no âmbito do lambecuísmo, salta-lhe da boca muito farrapo de trampa. Mas o verdadeiro praticante da modalidade não se vai abaixo por tão pouco. Nenhum percalço o desanima. Creio mesmo que ele nem se dá conta das coisicas que lhe saltam na eloquência. Verdadeiramente, trata-se de merdica; mas ele acha que são rubis e pérolas.

Assim, na continuação do exercício, o lambecuísta após adrede muito se babar, retira a cabeça do palácio alcatreitro onde lambia a gosto; mas – sempre sem se afastar do local de lambismo –passa da posição de ajoelhado para a posição erecta. Melhor dizendo, mais que erecta. Movimennto altamente salutar. É que se põe em bicos dos pés. Estar em bico dos pés e tentar esticar-se cada vez mais para que o notem, é uma dos exercícios saudáveis que o lambecus pratica com denodo. Mesmo quando ninguém o chama – principalmente quando ninguém o chama, pois é o melhor momento para que nele reparem – o lambecus aparece a intervir nos assuntos que lhe não dizem respeito, glorificando os poderosos, dirigindo-lhes toda a sorte de encómios, saudando-lhes todos os estros políticos e brindando-lhes todos os sucessos. Não interessa que o poderoso tenha razão ou não a tenha. Que se trate de um escândalo em que o poderosos se deixou envolver, de uma corrupçãocinha para a qual resvalou, de uma pequenina censura que ordenou ou de um pecadilho que praticou et pour cause. Isso tudo é lateral para o lambecuísta. Basta-lhe que se trate de um poderoso; e aí vem o lambecus, qual Emplastro à vista de uma câmara televisiva, expor o peito às farpas e a língua aos odores rectais para defender o seu querido e eleito lambido.
Já se percebe que aquelas e estas sessões são muito benéficas para os gémeos e para os glúteos, que se exercitam assim quer na vertente de esticanço em bicos de pés para que o lambido o veja no meio dos diversos praticantes; quer na vertente de falar aos que supõe como inferiores, caso em que também se alça sacando os calcanhares do chão, para, falando grosso, se dar (ante aqueles a quem se dirige) ares de alguém que circula na intimidade dos poderosos. O lambecuísta, com efeito, confunde estar na “intimidade” dos poderosos com o estar nas “intimidades” dos poderosos, que é exactamente onde ele está quando se ajoelha, saca a língua servil e se baba ante um esfíncter. O esfíncter de um prócere é, em verdade vos digo, um ginásio para o lambecuísta. Que digo eu? Um ginásio? Uma academia! Upa, upa! Um Centro de Estágio!

Estes exercícios, praticados com todo o rigor que só um lambecus consegue manter, ajudam a desenvolver no praticante não direi um físico invejável, mas muitas vezes uma carreira invejável; quase sempre na Administração ou em qualquer empresa ou Instituição, de preferência nas que são tuteladas pelo Estado. Isto dá-se normalmente numa fase avançada da prática, quando o lambecuísta já colheu mais um benefício físico, pois que de tanto passar o tempo imerso em nalgas, aprendeu a respirar pelas orelhas. Fantástica evolução.

Eis pois o lambecuísta, nesses momentos, a dar graças a si próprio pela vivacidade que pôs na prática diária do exercício.
Como conhecemos um lambecus? perguntareis. E eu respondo. O lambecus é de seu natural um ser enfermiço, com um ar abasbacado. Quando em exercício, distingue-se porque em matéria de entrenádegas é selectivo. Só se afiambra com os poderosos. Só saca a língua se valer a pena. Se o virdes a defender uma causa que não seja de um poderoso, ou de algum modo agradável ao poderoso, não estais ante um verdadeiro lambecuísta. O lambecuísta está em regime definitivo de exclusividade na prática do lambecuísmo, dedicando o melhor do seu tempo à lambedela servil. Para isso nasceu. A isso dedica as suas forças. Algumas pessoas, ouvindo falar da dupla língua do lambecuísta poderão supôr que a terá como a das cobras, bífida. Mas não. A doblez no linguajar do lambecus é no modo e no ouvinte. Se o ouvinte lhe pode trazer algum benefício, porquanto já ocupa um cargo de onde poderão escorrer benesses, o lambecus é melífluo, submisso, obsequente. Avassala-se. Porém se o ouvinte é um zé ninguém, um pobre de cristo, o lambecus fala-lhe com ares de nobre a dirigir-se à plebe, usando o tom ora paternalista, ora pesporrente que imagina ser o tom natural do palrar de quem manda.

Daí a língua dupla.

É que ideologicamente o lambecuísta é um fascista; mas que nasceu fora de tempo. Quanto não dava ele por ter vivido nos bons tempos do Senhor Doutor Oliveira Salazar (Deus o tenha)! Isso é que era! Ordem e Obediência! Como o lambecus acha que deve ser! Contudo, calhando-lhe viver estes tempos, faz o que pode. Ou seja, lambe o que pode. A quem a manda. Pois já se sabe: quem pode, manda.

Assim, se ouvirdes o lambecuísta, entre lambida e lambida, arfante ainda do esforço, soltar o seu “25 de Abril Sempre”, não vos preocupeis. É só um sinal dos tempos. Ele solta-o com o mesmo ardor com que soltaria “Deus, Pátria, Autoridade!”, fossem outros os figurões no mando..

Por isso, meninos e meninas, segui o meu conselho. Não maltrateis o lambecus, se o virdes. Deixai-o lamber, que está fazendo pela vida. Pela vidinha.

E ademais é um elemento importantíssimo no equilíbrio divino das coisas. Tanto o lambecus precisa do lambido; como o lambido precisa do lambecus.

E assim se mantem a sociedade a funcionar nos seus eixos.
Muito obrigado pela vossa atenção.

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