As mesmas promessas, outros eleitos, a região adiada

Salvador Santos
Salvador Santos
Salvador Santos, nasceu em Chaves, no ano de 1979. Vive no Algarve desde os quatro anos. Frequentou o curso Estudos Portugueses na Universidade do Algarve. Foi editor na Sul, Sol e Sal. É autor dos livros de poesia «Selvagem» e «Cartographya»

Desatenção minha e pouco ouvi sobre o que importa, ou diz respeito ao Algarve, na soma das preocupações nacionais que vão a escrutínio nas eleições legislativas do próximo dia 10 de março. Admito, na minha cegueira, que os vários partidos tenham deitado mão a promessas que se arrastam de eleição para eleição. Se não foram cumpridas que outra coisa, poderiam fazer?

Na saúde o obrigatório Hospital Central. Nas questões da mobilidade a requalificação da mortífera EN125, as portagens na Via do Infante, as insuficiências do caminho de ferro, o metro de superfície que, entre nós, se apresenta numa versão «metro bus».

Estou certo que as questões da seca entraram nos programas. Barragens, centrais dessalinizadoras, transvases, manutenção da rede de distribuição terão sido algumas das soluções apresentadas. Um ou outro partido mas radical deve andar a pedir votos para impedir o licenciamento de mais campos de golfe, a construção de mais hotéis e de mais vivendas sobre as falésias. E seguramente o fim da agricultura do abacate.

A sazonalidade da economia, e do emprego, tema há muito presente nas discussões sobre o Algarve, deve estar a merecer também a atenção de quem se propõe ao «ofício» de deputado pela região.

Em face deste pressuposto, o de que os problemas e as promessas se transferem de eleição para eleição, não seria desajustado afirmar que o Algarve não se resolve.

E, partindo desta «verdade» nada obsta a que se tirem do bolso algumas razões que justificam o nosso adiamento crónico.

Preparação medíocre e pouco influência dos eleitos pelo círculo do Algarve junto dos lugares de decisão; desprezo do governo central; tecido empresarial pouco comprometido com o desenvolvimento regional; fragmentação das grandes linhas de ação estratégica regional causada por entropias locais; a lassidão do povo algarvio.

Esta semana, estreou, nos cinemas nacionais, a adaptação da realizadora suíça Jeanne Waltz do romance «O Vento Assobiando nas Gruas». No romance, publicado em 2005, Lídia Jorge, conduz-nos ao Algarve do pós-25 de Abril onde o destino de duas famílias, uma portuguesa e a outra moçambicana, se cruzam. O enredo construído em torno de uma fábrica de conservas abandonada e os amores entre uma das herdeiras da fábrica e um dos homens da família negra que lá habitam permitem-nos perceber, entre outros aspetos, como a sede imobiliária, e os fluxos migratórios, condicionaram a sociedade e a economia na região.

O filme trouxe-me à memória um episódio da minha infância. Frequentava a escola primária quando num intervalo, a propósito de qualquer coisa que já não me lembro, um colega contou-me que, em Quarteira, os imigrantes negros, que trabalhavam na construção civil, iam ao supermercado da mãe comprar, para as refeições, comida enlatada para os cães.

A nossa consciência social era pouca e o facto valia pela bizarria ou, quando muito, pela repugnância que pudesse provocar. Passou-se há mais de trinta anos.

Falando sobre isto com um amigo, ele contou-me que há uns tempos foi caminhar para a zona da Fonte Santa e, ao passar por uma zona arborizada, estranhou umas peças de roupa postas a secar dentro de uns pinheiros cuja ramagem criavam uma espécie de «abajur» de candeeiro até ao chão. Ainda se desviou do caminho, mas cedo percebeu que estava alguém lá dentro. Ao partilhar com outras pessoas aquilo que ele julgou ser um caso de campismo selvagem, alguém disse-lhe que se tratavam de imigrantes marroquinos que trabalhavam na cozinha de um hotel, em Vilamoura.

Desconheço os problemas e as preocupações mais específicos da região que terão subido aos programas dos vários partidos políticos. Mas isso só diz da pouca atenção que tenho dedicado à campanha eleitoral para as próximas eleições legislativas.

Não sei se ainda haverá nos corredores da Assembleia da República políticos do tempo em que os imigrantes matavam a fome com a comida barata dos animais. Os homens ao relento que fazem da copa das árvores o telhado das suas noites, já são outros.

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