Atentados de Madrid: 10 anos de dor

ouvir notícia

.

Os dez anos que hoje passam sobre a terrível jornada de 11 de março de 2004 não apagaram, emboram tenham atenuado, os ecos da comoção que os atentados causaram naquele dia. Dez bombas colocadas em quatro comboios suburbanos, cujo destino final era Madrid, rebentaram entre as 7h30 e as 7h34, provocando a maior matança terrorista registada em território europeu e uma torrente inesgotável de dor e impotência.

Em consequência daquela barbárie morreram 192 pessoas, muitas delas imigrantes. Outras 2084 sofreram ferimentos que ainda hoje incapacitam muitos deles. A investigação policial, mais tarde ratificada pelos tribunais de justiça, determinou que os autores do massacre foram os membros de uma célula jihadista que atuou motivada pela vingança.

O núcleo central dessa célula imolou-se com explosivos num apartamento a povoação de Leganés, perto da capital, ao ser descoberto pela polícia, 23 dias depois dos atentados. Levaram para o outro mundo os pormenores daquele crime premeditado. Outros colaboradores materiais foram detidos, julgados e ainda hoje cumprem, na prisão, longas sentenças.

- Publicidade -

A maioria das pessoas afetadas pelo sucedido – sobreviventes, familiares dos falecidos, investigadores, psicólogos, voluntários – ainda padece as sequelas do terrível impacto causado pela perda de entes queridos, a contemplação da destruição causada nos corpos pelas bombas e pela metralha, as difíceis tarefas de identificação das vítimas. Muitas delas recebem hoje tratamento psicológico regular e a maior parte encerrou-se, por conselho médico, num refúgio de silêncio que tenta afastar as memórias, sem quase nunca o conseguir.

Uma das pessoas feridas, Laura, que tinha na altura 26 anos, permanece desde então num coma vegetativo; 21 são incapacitados permanentes absolutos e requerem atenção e ajuda contínuas; cerca de cem sofrem de incapacitações totais ou parciais que fazem deles inválidos. O Governo destinou mais de 400 milhões de euros em indemnizações a essas vítimas e às suas famílias, muitas das quais perderam, neste ataque, o seu sustento económico.

Aproveitamento político revolta vítimas

As associações de vítimas criadas na sequência dos atentados, com as mais diversas tendências políticas, distinguiram-se todas pelo seu decidido afã de ajudar.

Pilar Manjón, presidente da Associação 11-M Afetados pelo Terrorismo, perdeu o seu filho Daniel, de 20 anos, nos atentados. Converteu-se numa referência após ter intervindo no Parlamento. Convocada pela comissão de investigação constituída para esse efeito, proferiu um discurso de uma hora cheio de perguntas, reflexões e críticas pela utilização dos atentados para fins políticos. Chegou a emocionar e a envergonhar os deputados presentes.

Manjón afirma agora que “60% das vítimas têm dificuldades económicas, porque as sequelas do atentado as impedem de trabalhar”. Manjón é um exemplo do sectarismo que a utilização política dos atentados chegou a provocar: continua a receber ameaças e insultos vindos de sectores da extrema-direita.

Ángeles Pedraza também perdeu uma filha, Miryam, de 26 anos, nas explosões de 11 de março. Dirige a Associação de Vítimas do Terrorismo (AVT), que também protege os afetados pela atividade do grupo separatista basco ETA. Pedraza é insultada pela esquerda radical e confessa-se “cansada de lutar”. “Nunca acreditei que depois de me matarem um filho tivesse de lutar tanto para que se fizesse justiça”, afirma.

Mentira causa reviravolta eleitoral

Os atentados de 11 de março de 2004, ocorridos nas vésperas de umas eleições gerais (a 14 de março), produziram uma reviravolta eleitoral sem precedentes. O Partido Popular (PP, direita), então no poder (como agora), foi prejudicado pela torpeza de repetir com teimosia, durante três dias, que o massacre fora obra da ETA, quando já havia indícios suficientes e sólidos da autoria islamita.

O então primeiro-ministro José María Aznar sempre o negou, mas a sua conduta, e a do seu Executivo, partiam do princípio de que, se na mente dos cidadãos espanhóis estivesse a ETA – contra a qual o Governo tivera algum êxito -, a vitória do PP seria esmagadora. Já a presença do islamismo radical evocaria a rejeição da maioria da população à participação de Espanha na guerra do Iraque, decidida pessoalmente por Aznar para ajudar o seu amigo George W. Bush., presidente dos Estados Unidos.

Os eleitores espanhóis sentiram-se enganados por esta manipulação e deram a vitória, nas urnas, ao líder da oposição socialista, José Luis Rodríguez Zapatero. Fernando Reinares, sem dúvida a maior autoridade académica em Espanha no que toca ao terrorismo internacional, afirma, com provas, que os atentados foram concebidos em Karachi, no Paquistão, no final de 2001, como vingança pelo desmantelamento da célula que a rede Al-Qaeda estabelecera em Espanha em 1994, conhecida como Abu Dadah, em honra ao seu chefe e inspirador, detido pela polícia.

Javier Zaragoza, procurador-chefe da Audiência Nacional aquando dos julgamentos pelos atentados de Madrid – três anos após a matança – também é taxativo: “Não tenho qualquer dúvida sobre a autoria dos crimes e creio que a sociedade espanhola também não (…) A hipótese de poder ter sido a ETA foi imediatamente rejeitada pelos próprios serviços policiais antiterroristas”.

No décimo aniversário da tragédia, Espanha volta a vestir-se de luto, hoje, para os atos de comemoração em honra das vítimas. Mas para Juan Benito, pai de Rodolfo, que encontrou a morte aos 27 anos, num dos comboios destruídos pelos terroristas, será um dia normal: “Para mim, todos os dias são 11 de março”.

RE

- Publicidade -
spot_imgspot_img

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.