Avarias: A vida como ela é

Não conheço nada de ciclismo, além de apenas saber um bocadinho de história, como a existência da bicicleta a pedal desde há muitos anos e que Joaquim Agostinho e Eddy Merckx eram muito bons, só para lhes citar dois nomes dos meus tempos. Esta semana, dois portugueses semi-desconhecidos (pelo menos para o grande público pouco atento a estas coisas em que me incluo) fizeram um figurão no Giro, que é como quem diz a volta à Itália em bicicleta. Dois portugueses, João Almeida e Ruben Guerreiro, com tanta coisa para celebrar só um parvo como eu se pode lembrar do seguinte: Ruben aparece sempre escrito de forma diferente, porque se vê com acento no ú e sem acento. Tenho a ideia que existe um nome bíblico com acento, mas do meu lugar de puro leigo, ainda não percebi a necessidade. Dá-me a ideia de uma coisa parecida como se escrever Castelo da Maia com acento circunflexo no ê, só porque os bimbos o dizem assim. Também me pasmou que a certa altura as televisões tivessem dado maior destaque a Ruben/Rúben Guerreiro porque ganhou a camisola azul (prémio da montanha) na prova, quando acabou em trigésimo sétimo, enquanto João Almeida foi quarto e andou duas semanas com a camisola vestida (despiu para tomar banho). Estes meus apontamentos não passam de mariquices, mas são as minhas mariquices. Agora vi e ouvi os dois tugas ciclistas nas entrevistas do final da etapa e que diferença dos seus colegas do futebol. Uma humildade e um sorriso franco de quem gosta do que está a fazer, que relativiza o que já fez e é a antítese dos rostos carregados e esforçadamente sérios que os futebolistas apresentam invariavelmente, só para mostrarem a sua enorme importância e o quanto trabalham.

Já aqui escrevi sobra a necessidade que os cineastas portugueses têm de esticar a massa para justificar a hora e meia de filme que realizam. Uns filmes serão melhores (ou piores) que outros, mas existe uma técnica que é de uso geral: o uso de grandes planos de uma forma indiscriminada, para que o filme se pareça com um grande bilhete postal com actores – às vezes não – dentro. Não é uma opção artística, mas uma técnica, usada para disfarçar os problemas com a direcção de actores, sempre muito teatral a que se junta uma incapacidade de escrever argumentos credíveis. Claro que esta não será a ideia de quem pensa ser esta a única forma que temos de produzir cinema; para eles, ou isto ou o caos. Uma das fórmulas muito usadas nos filmes que se relacionam com uma certa contemporaneidade é a de arranjar alguém que discute, com o pendura, circulando pelas estradas de Lisboa e arredores, o sentido da vida, em cima de um motociclo. Se não existir um motociclo pode ser numa cozinha, ou como no filme que passava no outro sábado na RTP 2 (98 Octanas de Fernando Lopes), um automóvel. Independentemente da importância do realizador para o cinema feito por cá, o filme é uma estopada sem sentido. O primeiro diálogo (eu sei que um diálogo não é tudo…) vem, já corriam dez minutos, e depois chega a eterna busca sobre nós próprios, de onde viemos e para onde vamos, que já vimos noutros carnavais, com duas pessoas que desatam a desfilar grandes tiradas filosóficas, mesmo depois de terem ido para a cama. Ali (não na cama) levam, a hora e meia do filme, a andar de automóvel e a falar, quando falam, em lugares – comuns, supostamente carregados de significado. É obra.

Fernando Proença

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