Como explicar o tempo que passa?

É uma tarefa útil, urgente e imperiosamente necessária, esta a de explicarmos o tempo que passa, esta tarefa incómoda de identificarmos as razões que nos trouxeram a esta situação paradoxal. O absurdo transformou-se no nosso vizinho diário. O absurdo de julgarmos que temos alguma identidade e ao mesmo tempo sentirmos que não temos nenhuma identidade, a sensação de possuirmos participação na coisa pública e simultaneamente nos sentirmos banidos da mesma coisa. A política tão depressa foi desejada como a mais bela flor surgida no jardim da nossa convivência, como rapidamente a fomos vendo cada vez mais como lança-chamas dirigido contra as relações sociais. Os jatos incendiários surgem de surpresa onde menos se espera, embora todos desejemos que alguém com força moral surja a explicar o tempo que passa. Alguém que não aparece nem pode aparecer como só acontece nos milagres.

É verdade que fomos vivendo cada um dos cinquenta anos que passaram, pensando que o Algarve tinha garantida e defendida a sua identidade, que o absurdo da falta de habitação não lhe bateria à porta, que a mobilidade teria aqui um cartão de cidadania, que os transportes dariam um salto do estado em que ficaram do século dezanove mesmo descontando o impacto dos aviões no sapal, que a saúde fosse a adequada pelo menos para a metade do século vinte, que a escola de modo geral não se revelasse como uma caixa de amorfos desinseridos, que o progresso fosse um apelo constante à diversificação, que a economia não fosse um espartilho da riqueza, que a atividade empresarial se elevasse muito acima das vendas por baixo do balcão, por aí afora. Nada disso. Os governos centrais, cada um a seu jeito e conforme o gáudio dos seus lóbis de fora da terra, negaram-lhe quase tudo dos transportes à saúde, da integração racional das áreas urbanas, da defesa espectável da comunicação social ao respeito pela cultura criativa, do turismo sustentável e motor da economia à regionalização assumida e participada, do provimento de cargos e funções públicas sem compadrios encapotados à preparação das novas gerações que por aí andam a tirar água à volta das noras.

Mas a responsabilidade pelo tempo que passa não mora apenas nos governos centrais, mora também nas autarquias que ora parecem comadres zangadas e umas contra as outras, ora imitam as tais escolas das caixas de amorfos. Coerência total apenas houve numa tarefa com enorme êxito – a da extinção da Casa do Algarve que por décadas e décadas mais ou menos foi funcionando como a possível embaixada da Região em Lisboa, e que o conjunto dos deputados que fomos elegendo não foi capaz de substituir tal embaixada por um simples consulado honorário. À medida que a Região foi perdendo a liderança no seu interior, também foi perdendo as suas cartas credenciais de representação no seu exterior.

A crise não é só da falta de água. A seca é mais grave do que se pensa.

Flagrante contagem: Já foram 50 anos de Liberdade, 50 anos sem Guerra colonial, 50 anos de Democracia por definição Imperfeita. Todos ansiamos por um segundo de Transparência sem vender a alma, por um minuto de Justiça sem comprar um juiz, por uma simples hora de Desenvolvimento sem um à custa do outro.

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