Edmundo Inácio: Artista de intervenção moderno

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Natural de Portimão, o jovem cantor de 24 anos foi uma das estrelas do Festival da Canção deste ano, tendo ficado colocado em segundo lugar com o tema “A Festa”. Com música na família e em casa desde pequeno, a sua criatividade ferve-lhe nas veias, considerando-se atualmente como um artista de intervenção moderno e que pretende que a sua mensagem chegue a todos, com um novo álbum previsto para 2024

Vivemos numa sociedade / Onde o pensador vira aldrabão / Andamos por aqui desorientados / Com nossos tostões contados / E ninguém nos dá a mão”, canta Edmundo Inácio no seu mais recente single, “Agora Vira”.

Este é o tema de apresentação do seu primeiro álbum de originais, que verá a luz do dia do próximo ano e que pretende ser uma crítica e, principalmente, um alerta.

“É uma crítica e um alerta para que nós olhemos para o que está a ser feito e que se possa fazer melhor. Se calhar temos de votar mais vezes, não nos abstermos e não facilitarmos. Nós também temos de estar atentos como povo e fazer com que isso melhore”, disse o cantor ao JA.

Desde muito novo a ser influenciado para a música pela família, o seu primeiro contacto com esta arte foi através do Batatoon, de um gravador e de um microfone com que brincava.

Entre o quinto e o nono ano de escolaridade fez parte do conservatório, em regime de ensino articulado, mas na faculdade vira-se para o cinema e a televisão, numa universidade no Reino Unido.

O novo álbum sairá em 2024

“Fiz as malas e parti / Cá não dava pra ascender / Investi no meu ensino / Da carteira fiquei fino / E o dinheiro vim cá meter”, pode-se ouvir em “Agora Vira”.

Ao JA, o cantor disse que “sentia a necessidade de sair por várias razões, uma delas também para crescer como pessoa e depois profissionalmente lá fora com outra visão do mundo”.

“O acesso é melhor lá fora, tal como o contacto com os profissionais, os equipamentos e a mentalidade que são completamente diferentes. Estudar lá fora e conhecendo outras mentalidades pode abrir outros caminhos que em Portugal seria mais difícil”, acrescenta.

Durante esse percurso no estrangeiro, as saudades de casa abriram-lhe as portas à música tradicional portuguesa: “A rádio não passava música portuguesa e a única maneira de eu conseguir ouvir sem gastar dinheiro era descarregar playlists de plataformas. Então descarregava muita música tradicional, de rancho, Amália Rodrigues, António Variações, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho”.

“Durante a faculdade foi muito importante ter contacto com a música portuguesa. Sempre ouvi e sempre preferi cantar em português, apesar de eu gostar muito de francês, espanhol e italiano. O facto de sair, sentir saudades de casa e de ouvir uma expressão mais tradicional, acredito que foi isso que me fez conectar novamente com a música, mas de uma forma completamente diferente do que eu tinha feito”, explica ao JA.

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Tanto esta faixa como o seu álbum terão o seu ponto de vista sobre a sociedade, que considera “desequilibrada em vários aspetos”, sobre “os erros que vejo a serem repetidos e que eu acredito que no futuro irão ser repetidos mais, mais e mais”.

“Infelizmente eu vejo-me nisto como vários jovens que sofrem neste momento. São jovens adultos a querer construir uma vida e deparamo-nos com crises financeiras e erros económicos no nosso país que acabam por depois pesar muito mais em nós. Há também a questão dos jovens cada vez saírem mais tarde de casa dos pais, os problemas de habitação, famílias a perderem trabalhos e verem as condições de vida mudarem completamente”, conta.

E no single continua a cantar: “Dizem-me que sou Burguês / Nem fora posso jantar / Troquei o tofu por sopa / Mais vale coisa pouca / P’ra fome enganar”.

“Agora Vira” é um tema sobre aquilo que Edmundo Inácio sente, “de uma forma cómica sobre os erros financeiros e políticos no nosso país, que acredito que se voltarão a repetir e, no fundo, quem sofre é o povo”, destapando um pouco o véu do que será o álbum com influência de música tradicional, “sem deixar de ser um produto pop, mas não um pop estereotipado. É muito mais alternativo e com influências que não são usadas na música pop”.

“O meu maior objetivo é que as pessoas oiçam os temas, se divirtam, mas que principalmente a mensagem toque, faça com que pensem e que, de alguma forma, ajude a melhorar o mundo em que nós vivemos. Sou um artista de intervenção moderno. Estou ainda em crescimento, mas para mim a arte tem que ter um propósito, uma mensagem e tem que ajudar de alguma forma. É assim que eu vejo a arte e a minha arte, que será de intervenção, porque para mim a canção tem que ter um conteúdo que ajude”, acrescenta.

O artista ganhou destaque no programa “The Voice”

Televisão e música interligadas

Em pequeno também costumava brincar com a máquina fotográfica e de filmar. Mas um dia, em frente à televisão, vê um anúncio que desperta o bichinho musical dentro de si.

“Quando apareceu ‘Uma Canção Para Ti’ (TVI) fiquei fascinado com aquele programa. Eram crianças da minha idade que podiam ser artistas ou pisar um palco e cantar em televisão. Eu era muito tímido e na minha ignorância disse à minha irmã e aos meus pais que queria participar. Os meus pais aceitaram e depois mais tarde descobri que eles na realidade aceitaram este desafio de ir comigo a Lisboa mas nunca esperaram que eu chegasse à sala de casting e cantasse”, conta.

No entanto, o inesperado (pela família), aconteceu: “Eles já me conheciam e pensavam que eu entrava e que me ia embora. Mas não foi isso que aconteceu. Houve qualquer coisa em mim que me fez não ser tímido naquele momento. Desde aí que em cima do palco é dos momentos mais felizes que eu tenho. Em cima do palco eu sinto que estou a ver essa criança tímida que desaparece”.

Edmundo Inácio considera ainda que “o facto de ter participado em programas televisivos foi um fator” para a escolha do curso de cinema e de televisão.

“Eu gosto muito de estar atrás das câmaras, mas eu acho que no fundo eu gosto muito de ser um criativo. Gosto de trabalhar no processo de criação e ver o produto a acontecer. Isso é o que me dá mais prazer, ter estes desafios criativos e superá-los”, acrescenta.

Apesar de estar focado a 100% na música, Edmundo Inácio diz que o cinema vai aparecendo sempre na sua vida, tendo “muitos guiões fechados na gaveta e muitas ideias” que um dia gostava de explorar.

Já durante a sua primeira participação no ‘The Voice’ (RTP), Edmundo Inácio passou por um momento que muitos artistas temem: as quatro cadeiras dos mentores não viraram.

“Tinha acabado de entrar no secundário, e ainda bem que as cadeiras não viraram. Receber um não para mim é super tranquilo e ajudou-me de alguma forma a perceber que aquele não era o caminho. Passados alguns anos regresso ao The Voice com uma mentalidade e um produto completamente diferente e foi a partir daí que tudo começou. Acho que o ‘não’ é sempre importante e durante a vida irei ouvir muitos mais nãos. Para mim resultou, agora depende da mentalidade de cada um, há pessoas que ficam desmotivadas. A mim faz com que eu trabalhe ainda mais e me motive, não quer dizer que não me sinta triste, magoado ou com o orgulho ferido”, explica.

Já na segunda vez que participou no programa, foi um sucesso garantido. Edmundo Inácio destacou-se com novas roupagens que deu a temas como “Comunhão de Bens” (Ágata) ou “Sonhos de Menino” (Tony Carreira).

“Eu acho que é tudo válido, pegar em canções que às vezes são colocadas ou estereotipadas como música popular ou até pimba, que até alguns artistas não gostam desse termo. As músicas tradicionais são o que influencia muito o meu álbum e tudo o que eu tenho como português. O meu álbum tem influências muito dispersas, que se calhar muitas das pessoas não ouvem e isso é, de alguma forma, uma maneira de enriquecer a minha criatividade. Acho que é tudo válido quando é bem feito”, afirma.

Da mistura de géneros ao Festival da Canção

Esta mistura de géneros é algo que tem vindo a ser feito por vários artistas, destacando-se atualmente a espanhola Rosália ou a portuguesa Ana Moura.

Edmundo Inácio disse ao JA que se encaixa na mentalidade deste tipo de artistas, “que é reciclar o tradicional e o que faz sentido para nós. A Ana Moura era uma fadista e a Rosália era uma cantora de flamenco. Agora já têm outras influências mas acabam por ser duas artistas pop, ligadas à tradição, mas não um pop comum ou americanizado. Neste caso eu sou também um artista pop, apesar de ter influências tradicionais, rock ou fado”.

“Acho que o mais importante, muitas das vezes, é a mensagem que se quer passar e a forma como se quer respeitar. No entanto ainda hoje há pessoas que dizem que essa mistura de géneros não faz sentido e não conseguem compreender, porque por exemplo a Ana Moura é uma artista branca que agora canta música com influência africana, que faz todo o sentido”, considera.

No entanto, Edmundo Inácio acha que “ainda há muito trabalho a ser feito no mundo artístico, sobretudo em Portugal. Não propriamente nos artistas, mas sim no público. O público precisa de ser educado culturalmente e artisticamente, no geral, não só na música mas também no teatro ou no cinema”.

“A Festa” foi o tema que o levou ao Festival da Canção deste ano e que o deixou colocado em segundo lugar.
“Foi um caminho completamente diferente de todos os outros televisivos que eu tive até ao momento. Tivemos muito mais tempo para preparar a atuação, com muito foco no processo de criação, com a equipa da RTP sempre do nosso lado, a apoiar e a ajudar a forma criativa também”, conta.

Para Edmundo Inácio, “foi uma caminhada completamente diferente das outras, mas foi quando me senti pela primeira vez um profissional, uma vez que os outros programas não são focados em profissionais, mas sim na oportunidade de aparecer em cima de um palco e cantar. Aqui é a possibilidade de nos apresentarmos como artista e autor que quer representar o país na Eurovisão”. “Nunca ganhei um programa televisivo e já cheguei a várias finais e isso nunca me fez desistir. Ter acabado o Festival da Canção em segundo lugar não me vai fazer desistir, pelo contrário. Estou a trabalhar ainda mais e a preparar o novo álbum para ser lançado em 2024, mas eu acho que se tivesse ganho, se calhar não tinha vontade de voltar ao Festival da Canção. Visto que fiquei no segundo lugar, fica a vontade de regressar”, refere.

Este novo álbum, “inspirado e com o foco em desconstruir musicalmente o que é ser português”, tem também influência do Algarve e de Portimão.

“O Algarve e Portimão inspiram-me em muita coisa, apesar de infelizmente ser a região que mais perdeu as suas tradições. A ligação com a minha família é a minha principal influência. A relação muito próxima que eu tenho com a minha família é a base de tudo. Depois há a ligação com o mar e com a terra, as raízes, os cânticos e todo o processo cultural que nós temos, que é uma inspiração para mim. Quão mais cru for, melhor e mais me inspira”, explica.

No meio disso, Edmundo Inácio consegue retirar inspiração na “questão das avós cantarolarem canções tradicionais e falarem mal português” ou no sotaque algarvio, que “já se tornou quase um dialeto, porque nós trocamos sílabas e letras de lugares”.

“Quanto mais tenho contacto com uma geração mais velha, mais me inspira. Uma das minhas avós está muito ligada ao campo, onde cresceu, sem escolaridade e para mim é uma inspiração. Só o facto da minha avó não dizer exaustor corretamente, pode ser usado numa canção. Haverei de usar expressões algarvias nas canções”, conclui.

“Eu não quero discutir / Com quem não pode aprender! / Num país desinformado / Governo desgovernado / E dívidas para abater”.

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