…De tudo um pouco de que foi pródigo o recente mundial de futebol feminino que teve a Austrália como palco.
Desde que se soube da notícia da morte do pai da jogadora espanhola Olga Carmona, autora do golo que deu a vitória a nuestras hermanas, na final diante da Inglaterra, e que a fez descer do céu ao inferno; do céu, porque, momentos antes, havia dedicado o feito a sua mãe, ao inferno, na medida em que, logo de seguida, foi-lhe dada a notícia do falecimento de seu pai. Para Olga, um desafiante ‘processo’ no sentido de afastar qualquer sentimento de culpa, ainda que, mas desconhecendo, tivesse estado a celebrar uma conquista, uma vez que terá de enfrentar, de ora em diante, uma adaptação a uma nova e (mais) dolorosa realidade.
A que se seguiu, em momento de festejos pelo título conquistado, o já célebre e (muito) polémico beijo na boca, com que Luís Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (REEF), ‘presenteou’… a jogadora Jenni Hermoso.
Polémico beijo, cujas imagens têm corrido mundo – o desportivo e o social -, do qual resultou a ‘defesa/explicação’ do autor: “Não houve qualquer desejo nem posição de domínio. Foi espontâneo, mútuo e consentido”, tornando (mais) grave o discurso ao acusar a comunicação social de orquestrar uma campanha contra ele através da “promoção do falso feminismo”, enquanto que a ‘beneficiária’…, argumentou: “Em momento algum consenti o beijo e em nenhuma altura tentei levantar o presidente. Não tolero que se ponha em dúvida a minha palavra, muito menos que se inventem palavras que não disse”, sublinhou Hermoso.
Perante, controversas declarações, e com a polémica instalada, que reações: Victor Francos, presidente do Conselho Superior do Desporto, revelou que o Governo vai entregar uma queixa, por “má conduta grave” de Rubiales, junto do Tribunal do Desporto (TAS) para que o dirigente da Real Federação Espanhola seja suspenso de funções, acentuando que “a intervenção do senhor Rubiales é incompatível com a representação do desporto espanhol e com os valores de uma sociedade avançada, como a espanhola”.
Quase de seguida, a FIFA tornou público que Rubiales fica provisoriamente afastado da presidência da REEF, com o ‘vice’ Pedro Rocha a assumir o cargo de forma interina. O dirigente foi ainda proibido de contactar com Jenni Hermoso.
Contudo, a situação estará longe de ter ficado sanada, porquanto a REEF já lançou dois comunicados contrariando a versão da jogadora. Um, acompanhado por um conjunto de fotografias que a federação diz serem prova que o polémico beijo foi consentido. Nas imagens pode observar-se a futebolista a agarrar e levantar Rubiales. Pode, ainda, ler-se: “A versão do presidente é verdadeira e verificada nos arquivos que aqui fornecemos”. Não tardaram as acusações de que as fotografias seriam manipuladas, uma vez que na transmissão televisiva não se vê Hermoso a levantar Rubiales.
Um pouco mais tarde, novo comunicado, desta feita a acusar a futebolista de mentir e a prometer uma ação judicial extensiva às 81 futebolistas que renunciaram à seleção, nota que, afinal, foi apagada momentos mais tarde, sem qualquer justificação.
Tem sido contínua a indignação, agora por parte de nove membros da equipa técnica de Jorge Vilda – técnico campeão mundial – além das selecionadoras sub-19 e sub-17, com a REEF a ser visada por várias esferas da sociedade e por vários patrocinadores que já se colocaram ao lado de Jenni Hermoso.
Quem também continua debaixo de fogo, depois de ter sido filmado a aplaudir as declarações de Rubiales na assembleia realizada na passada sexta-feira, é o selecionador masculino Luís de la Fuente, que, dois dias após, ‘virando o bico ao prego’… apareceu a demarcar-se do presidente: “Condeno sem reservas o comportamento de Rubiales”. Talvez que a corporizar um condenável ‘processo’… de incoerência.
Com tudo isto, com os princípios e valores que o desporto consigna, a serem tremendamente ‘chutados’… para o campo da indignidade, haverá que ter um coração forte na via de uma serena e cálida reflexão, com mais ou menos, ou até sem nenhum protagonismo, atentando nesta sublime(!) ideia-pensamento de mestre – porque sábio! – Manuel Sérgio: “Só se sabe aquilo que se vive”.
Em jeito de ‘desafio’ para os seus (inúmeros) discípulos, que deverão responder afirmativamente, até porque: ‘ao coração forte nada é impossível’, verdade mestre?!
*”Embaixador para a Ética no Desporto”
