Existe ou não democracia racial…

…Ainda com o eco da vivência da quadra natalícia e da festividade dos Reis, tempos mais propícios a serem enquadrados numa vivência humana mais solidária, não considerando o corpo apenas como ‘questão física’, mas também como ser moral, político, religioso, tomando como boa a ideia-pensamento de que “existe uma dialética inapagável, na mensagem cristã, entre o corpo e a alma, a natureza e a cultura, o biológico e o espiritual, o individual e o social, os homens e as coisas e entre os homens e os outros homens” – made in Manuel Sérgio.

Sem também excluirmos que na observância de uma certa competição desportiva, sobretudo futebolística, existem comportamentos e atitudes que reproduzem e multiplicam, demasiadas vezes, as taras da sociedade capitalista.

Já de há muito que o mestre – porque sábio! – Manuel Sérgio, nos ia ‘avisando’: “Parece desconhecer-se que não há jogos, há pessoas que jogam” e que as pessoas são mais importantes, muito mais importantes, do que os jogos e as taças e os campeonatos”.

Todo este introito a propósito de uma notícia que deu origem a um comentário que, por sua vez, gerou a apetência da razão de ser deste escrito: Existe ou não democracia racial…

Daúto Faquirá, de 58 anos, natural da província de Inhambane, Moçambique, de há muito radicado entre nós, é o novo treinador do atual campeão Ferroviário da Beira, substituindo no cargo o português Helder Duarte. Tendo já treinado em Portugal clubes como o Estrela da Amadora, o Vitória de Setúbal, o Olhanense, o Covilhã, sendo que o mais recente o Torreense, já havia feito uma incursão por Angola, onde, entre 2013 e 2014, orientou o 1.º de Agosto.

Face a ‘obrigação’ de ter de rumar ao estrangeiro, em particular, e de novo, a Àfrica, Daúto Faquirá tido as oportunidades que julgava merecer?: “Há colegas de trabalho que não tiveram o mesmo trajeto e conseguiram projetos de qualidade. Temos muitos treinadores portugueses, mas negros não. No resto da Europa, então, esse problema é ainda mais agudo. Não é uma perceção, a realidade é que não há uma democracia racial”.

Numa altura em que tanto se defende a igualdade de género, como valor essencial da democracia, que opina Daúto sobre o tema: “É muito bom ver a igualdade de género, as mulheres a apitar, treinadoras. Mas não se fala, não se aborda de uma forma séria aquilo que é a questão da representatividade das minorias étnicas”. Importaria colocar-lhe esta pertinente questão: Considera-se, de algum modo, vitima dessa situação?: “Se olhar para o que foi o meu percurso e para outros aos quais foram dadas oportunidades, e desde que saí da Liga [Estrela da Amadora], na situação em que saí, nunca mais tive um proposta. Claro que são questões raciais. É um tema muito sensível”, sustenta o treinador, que ainda lança o repto: “Quantos treinadores negros há na Europa [numa abrangência de análise]? Na Alemanha, nos países de Leste, na Polónia, já há jogadores negros, mas já se viu algum treinador negro? Para trabalhar, exercer a força motriz, está bem, mas quando se trata de posições de planeamento, que exijam um conjunto de competências mais ao nível cognitivo, mental, de inteligência, já é difícil. E há lugares onde é difícil chegarmos, mas quando chegamos, há barreiras invisíveis”. Tema a justificar e a merecer serena e atenta reflexão.

Nada melhor, para o devido enquadramento desta temática, a fechar este time out do que ‘escutar’, uma vez mais, o mestre e uma sua ideia-pensamento: “Não abdico de criticar-me e de criticar – criticar, por exemplo, a alta competição desportiva, enquanto sucedânea do “panem et circenses”, como se sabe o lema-bandeira do Império Romano, para distrair as massas populares e assegurar a permanência do poder despótico do imperador (hoje, para que o povo interiorize e acriticamente não prescinda da alta competição capitalista, inigualitária e excludente).

Talvez que para os mais avisados se justifique, conhecendo o ‘mercado de trabalho’ equacionar se para existirem propostas será mais ou menos importante a existência de um empresário bem cotado, bem relacionado e com os ‘cordelinhos’ mais influentes…

Que, para esta nova ida para o Continente Africano, o sucesso, o êxito desportivo, em redor e por dentro da competição, possa acontecer, por quanto ele é merecedor!

E que uma ‘convidada’ sempre bem recebida – a Ética! -, plena de princípios e de valores, possa coexistir no ‘cardápio de atuação’ de Daúto Faquirá!

*”Embaixador para a Ética no Desporto”

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