Feira de Faro está de volta… e os feirantes agradecem

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A Feira de Santa Iria está de volta à cidade e ao Largo de São Francisco, em Faro, até ao próximo domingo. É a primeira grande feira do Algarve a realizar-se após o levantamento das restrições impostas pela pandemia. Depois de um período negro para os feirantes e vendedores ambulantes, o JA foi ouvir as histórias, receios, perspetivas e desafios para o futuro dos rostos que fazem esta Feira

A Feira de Santa Iria, também conhecida como “Feira de Faro”, tem este ano menos gente do que nos últimos anos pré-pandemia, mas apresenta-se relativamente “composta” e está a tirar “a barriga de misérias” ao povo e aos feirantes que no ano passado não puderam encher de cor, cheiros e movimento o Largo de São Francisco, na baixa da capital algarvia.

Este ano as ruas no Largo de São Francisco estão mais despidas e faltam feirantes, onde outrora não havia espaço “nem para mais uma barraca”, atira a visitante Sandra Almeida, que aproveitou para vir com a família “matar saudades da melhor feira do Algarve”. Nascida e criada na cidade de Faro, Sandra faz questão de sublinhar “a força” desta feira na região sul, da qual aguarda “as melhores memórias desde criança até à idade adulta”.

Conhecedores das dificuldades que assaltaram a vida dos feirantes, muitos foram aqueles que resolveram vir até ao Largo de São Francisco para “ajudar os comerciantes e dar-lhes alguma esperança”, como é o caso de Marta, natural da região, mas atualmente a trabalhar em Lisboa, que aproveitou o seu fim de semana para “gozar de uns momentos de feira com a família”. Nas palavras de Vera, visitante de Loulé, “o comércio de proximidade, a qualidade e variedade de produtos de produção nacional, o ambiente de convívio e próprio local” são os grandes pontos fortes desta feira, que conta com uma localização privilegiada entre e Ria Formosa e as muralhas da Cidade Velha de Faro.

Tempos áureos de Feira


Segundo o Arquivo Distrital de Faro, para alguns historiadores, a Feira de Faro data o ano de 1596, altura em que o rei D. Filipe I lhe atribuiu a franquia de “feira franca”, criada com o intuito de incentivar o comércio e o fornecimento de alimentos à população, devastada pela fome, pela peste e que acabara de sofrer os ataques das tropas inglesas ao comando do Conde de Essex.


A Feira de Santa Iria realiza-se, anualmente, na segunda quinzena de outubro por abranger o dia 20 do mês, dedicado ao culto de Santa Iria. Até 1906, esta feira teve lugar entre o Largo do Pé da Cruz e o Campo da Trindade em Faro, passando depois e até aos dias de hoje, para o Largo de S. Francisco.


Os feirantes da “velha guarda”, como é o caso de Dora Sousa, vendedora de atoalhados e jogos de cama, com presença na Feira de Santa Iria há 50 anos, recorda as multidões que se deslocavam ao sul na década de 60,70, 80 e 90 e que “faziam o ano para muitos de nós (…) Como não existam muitas lojas nem centros comerciais na altura, as feiras eram a momento que as pessoas tinham para se abastecerem com tudo”, e sendo a Feira de Faro uma das últimas do ano antes da chegada do Inverno “era ouro sobre azul”, segundo Dora, uma vez que “as pessoas aproveitavam para comprar artigos mais caros como jogos de cama, casacos compridos, calçado, frutos secos” para assim enfrentarem o inverno e os dias frios, explicou em tom saudoso. Também Lídia e Jorge, produtores e comerciantes assíduos em Faro há mais de 45 anos descreveram “os dias dourados” desta que, para eles, “é a feira mais forte do Algarve”.

Setor cancelado


Em março de 2020 o país foi obrigado a “fechar portas” com a chegada de um novo vírus que nos forçou a ficar em casa e a reduzir ao máximo todos os contactos sociais. Neste novo contexto pandémico, também os feirantes se viram impossibilitados de exercer a sua profissão, ficando apenas em vigor a venda de produtos alimentares e outros essenciais.

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No que toca aos carrosséis, ficou estipulado que estes apenas poderiam funcionar em locais autorizados pelas autarquias, tendo as empresas que cumprir o regime do licenciamento dos recintos itinerantes e improvisados, publicado a 2009, e sujeitos à fiscalização das entidades competentes.
Já em 2021, todas estas atividades ficaram novamente suspensas aquando do novo confinamento, que teve início a 15 de janeiro. As feiras e os mercados de venda de produtos não-alimentares reabriram apenas a 5 de abril de 2021, por decisão municipal, deixando os feirantes “à mercê” da vontade de cada Câmara.


Por ser considerada um grande evento, a decisão de realizar a Feira de Faro foi consolidada apenas no dia 5 de outubro de 2021, aquando a última fase do desconfinamento e do levantamento das restrições impostas pela Direção-Geral da Saúde.

A falta de apoios


Quando se falam em apoios governamentais, os feirantes “torcem o nariz” e alinham os discursos no sentido de mostrarem o seu descontentamento em relação aos apoios que não chegaram a ter ou que “não chegavam para pagar os medicamentos da esposa”, nas palavras de Carlos Silva, feirante “desde sempre”, natural de Setúbal e com um historial de 46 presenças na Feira de Santa Iria. Carlos, com os seus 65 anos não se acanhou ao revelar que “se estivesse mais um dia sem trabalhar morria à fome”, traduzindo assim as dificuldades pelas quais atravessou nos últimos 17 meses e que o levaram a pensar sobre o futuro do “Sai sempre da Dona Amélia”, uma barraca de jogos com bonecos e peluches (de todas as cores e feitios).


Na maioria dos testemunhos recolhidos pelo JA, os apoios durante o período de confinamento não chegaram aos 300 euros, o que obrigou os feirantes a encerrar os negócios e a abrir falência, tal como explicou Maria da Graça, dona da Doce Tentação e que vem de Beja há mais de 15 anos para participar nesta Feira. Apesar de ter conseguido, a muito custo e graças ao seu “pé de meia”, trazer o seu carrinho de pipocas, waffles e farturas, Maria da Graça confessou que teve de abrir mão dos seus carrosséis que “tiveram de ficar para trás” pelos custos que acarretavam.


No programa de apoio e proteção governamental, disponibilizado em agosto de 2020 na sequência da crise pandémica, estava prevista a abertura de uma linha de crédito, com juros reduzidos para empresas do setor, a sua integração no programa ADAPTAR 2.0, a flexibilização do pagamento do prémio de seguro dos veículos afetos à atividade de diversão e restauração itinerante, entre outras medidas.

Criatividade, reinvenção e resiliência


A construção civil, o campo (com a apanha da azeitona, do pêssego ou as estufas) e o setor dos transportes serviram de “tábua de salvação” para os feirantes que não quiserem ficar parados à espera que o vírus desaparecesse. Para os mais velhos, como é o caso de Carlos Silva, a situação foi mais difícil porque “com 65 anos ninguém me ia dar trabalho”, afirmou. Já os seus filhos, que outrora o ajudavam no negócio e corriam o país de lés-a-lés, foram “empurrados para as obras, para os supermercados e para empresas de limpezas”, revela tristemente.


Luís Neto, vendedor de vestuário e acessórios, natural de São Brás de Alportel e com um espaço assíduo em Faro há mais de 26 anos, assume que no seu caso, o Facebook e as plataformas digitais acabaram por impulsionar e dar uma nova vida ao negócio visto que puderam contar com as clientes habituais “ao mesmo tempo que fizeram novos clientes”, expandido assim as vendas na esfera digital e sendo agora mais conhecidos, especialmente na zona de São Brás. Ora, uma vez que conseguiram manter algum capital com as redes sociais e com a presença em alguns mercados semanais que foram autorizados este ano, Luís e a esposa não escondem a felicidade por voltarem ao trabalho, anunciando presença nas próximas feiras de Silves, Portimão, Lagos e Albufeira.


O “Rei do Pão Quente com Chouriço”, mais conhecido como Daniel Cruz, vem de Mafra há mais de 20 anos para fazer a Feira de Faro, mas em 2020 viu-se “entre a espada e a parede” por “não ter um plano B” e ter sido “apanhado de surpresa com o vírus”. No seu caso, “as vindimas e o trabalho de camionista” mantiveram-lhe o pão na mesa, mas “roubaram-lhe o sorriso”, isto porque “fazer o que não se gosta destrói as pessoas aos poucos”. Apesar da mudança de setor, das perdas de material alimentar que tinha adquirido no início de 2020 e de ter perdido familiares durante a pandemia, Daniel e a família não desistiram e comprometem-se agora a servir “o melhor pão com chouriço do mundo”, em Faro.


Os frutos secos fazem parte da tradição desta Feira e fazem também parte da vida de Maura Varandas, proprietária da Cerapiel, empresa que comercializa frutos secos em Estremoz e que faz as delícias dos visitantes desta Feira há mais de 10 anos. Em 2020, Maura e a família tiveram de encontrar formas de se reinventar e ganhar dinheiro, que no seu caso passou pela abertura de mercearias físicas na sua localidade, uma vez que este era um dos únicos setores que podia funcionar, o que até acabou por alavancar um projeto “em que pensava muitas vezes” e a tornou “mais empreendedora e atenta às tendências”.


Produzidos em Castro Marim, os sabonetes e a cosmética artesanal da Funarts aromatizam os pavilhões da Feira há cerca de 14 anos. Sandra Tavares, revela que foram as “economias que tinha de lado” que salvaram o negócio, a sua única fonte de rendimento. A empresa apostou em melhorias no site da marca, que se tornou mais eficiente do ponto de vista do comércio online.

O regresso e as perspetivas para o futuro


Segundo os dados disponibilizados pela AmbiFaro, promotora do evento em parceria com a Câmara Municipal de Faro, há nesta edição menos 35 expositores no recinto, com um total de 197 em 2019, antes da explosão da pandemia, e 162 no ano de 2021. Estes dados compravam a tese de Luís Neto, que explicou que, para além da falência de uns, sendo esta uma das últimas feiras do circuito anual “muitos feirantes foram ao fundo e não vieram porque não lhes compensava a compra de material e a despesa só para uma feira”.


Quando se fala de futuro, Maria da Graça, da Doce Tentação, confessa que passou a adotar a máxima “um dia de cada vez”, tendo para já apenas o objetivo de conseguir levar os seus carrosséis para as feiras do próximo ano.


Cheila Tavares, natural de Palmela e proprietária de um dos mais emblemáticos carrosséis da Feira, o “The King”, nunca repensou o seu modo de vida que é alimentado pela música, pela adrenalina e pelo facto de conhecer novas localidades. Cheila encara o regresso das grandes feiras como uma “lufada de ar fresco”, perspetivando muita gente nos seu carrossel pois considera que “as pessoas estão a precisar de se divertir, de gritar e de fazer coisas diferentes que as ajudem a sentirem-se vivas”, admitindo ser esta a “sua missão”.


Em tom reticente, Flávio Paiva, dos jogos “Bombástico”, teme que possa não sobreviver à crise que a covid-19 deixou, sendo que, “um novo confinamento ou mais restrições seriam o fim”.


Carlos Silva não esconde o desalento pelos últimos meses e por ter visto reduzida a sua equipa, composta pelos filhos, o que o impossibilitou de concretizar o sonho de “ter uma loja” na sua terra natal, Setúbal, que um dia ainda acredita que possa ser possível. Carlos sublinhou ainda conhecer muitos colegas “do seu tempo” que viram a pandemia como “a altura certa para se reformarem”, o que na sua opinião se vai traduzir na redução de feirantes neste tipo de eventos, como aos seus olhos, “já se nota aqui na feira”.


O negócio das feiras, segundo os comerciantes, é “árduo”, “instável” e onde a rentabilidade “não está assegurada”. A “liberdade” que a itinerância proporciona, “o poder de escolher o que se quer vender e onde” e “a paixão que se vive nas feiras” têm atraído uma nova geração de feirantes que não quer deixar morrer as tradições e o comércio de proximidade, tal como relata Vânia Sousa, filha de feirantes de vestuário e que ambiciona modernizar o negócio com o apoio das redes sociais e com novas formas de pagamento como “o MBWay”.


A magia da profissão, é apenas esbatida, nas palavras de Joel, feirante desde os 12 anos, pelo facto “poder não faturar”, um velho fantasma dos feirantes, que o tentam minimizar com “sorrisos”, “paixão no trabalho”, “honestidade”, “dedicação” e “força de espírito”, enumeram os outros feirantes ao JA.


Em Portugal, segundo os dados da Direção-Geral de Atividades Económicas (DGAE) e da Federação Nacional das Associações dos Feirantes (FNAF), em 2020 estavam registados cerca de 25 mil feirantes, com idades compreendidas entre os 40 e os 60 anos.

Joana Pinheiro Rodrigues

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