Fernando de Seixas: almoxarife de Faro e corsário do reino

ouvir notícia

- Publicidade -spot_img
A.N.T.T., Leitura Nova, Livro 4 de Odiana, fl. 243

Decorria o mês de Junho do presente ano quando demos à estampa, no Nº 3457 do Jornal do Algarve Magazine, um artigo intitulado “O cavaleiro Rui Valente: de pirata farense a corsário do reino”, no qual esclarecemos que a estátua jacente que encontramos na arca funerária da capela gótica de São Domingos, na Sé de Faro, pertencia, na realidade, a um célebre pirata farense que mais tarde veio a legalizar a sua actividade, tornando-se em corsário ao serviço de D. Afonso V. Ora, foi durante a investigação para a redacção do supracitado artigo que, ao procurarmos referências acerca da actividade corsária no Algarve, durante o designado período henriquino, identificámos um conjunto de documentos que revelam que esta actividade depredatória não era exclusividade de Rui Valente, mas também de outros farenses de certo status social. É nesse contexto que se destaca, desde logo, Fernando de Seixas, o almoxarife de Faro cuja acção corsária se encontra referida em vária documentação à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

De facto, são vários os documentos da Chancelaria de D. Afonso V a revelarem que Fernando de Seixas esteve bastante activo na década de quarenta do séc. XV, sendo que entre as suas peripécias encontra-se um conhecido ataque a uma embarcação aragonesa no Cabo de São Vicente, em 1442. Com efeito, documentos datados de 25 de Agosto de 1442 e de 15 de Março de 1443, à guarda do Instituto Histórico Municipal de Barcelona e publicados por Humberto Baquero Moreno no Vol. IV dos Arquivos do Centro Cultural Português, denunciam as queixas formuladas pelo mercador aragonês António Valentim contra o almoxarife de Faro, Fernando de Seixas, que se dedicava por conta própria a uma actividade que se situava numa posição intermédia entre a pirataria e a guerra de corso. Segundo estes documentos, António Valentim reclamava que um navio que transportava mercadorias suas, tinha sido atacado no Cabo de São Vicente por um barinel de Fernando de Seixas, em 1442. Contudo, o almoxarife de Faro acabou por ser absolvido da acusação, já que não se deu por provado que a embarcação e a carga apreendida pertenciam, efectivamente, ao queixoso mercador aragonês.

Brasão de armas dos Seixas em Tombo das armas dos reis e titulares e de todas as famílias nobres do reino de Portugal intitulado com o nome de Tesouro de nobreza, de Francisco Coelho. A.N.T.T., Casa Real, Cartório da Nobreza, liv. 21, fl. 37

Também o Livro 4 de Odiana, da Leitura Nova, revela acusações contra Fernando de Seixas. De acordo com os capítulos especiais de Faro às cortes de Évora, em 1444, havia um ano e meio que Fernando de Seixas, almoxarife da vila de Faro, tinha armado um barco com gente de fora, nele metendo como capitão um tal de Diego Nunes, “caladamente, por nom dar fiança, e o mandou andar d’Armada”. Foi então que, uma vez no Cabo de São Vicente, capturou um navio de galegos que vinha carregado de sardinhas e o trouxe consigo para a foz de Silves. Porém, assim que os oficiais deste concelho tomaram conhecimento da situação,

- Publicidade -

lhe envyarom rrequerer, por seu procurador, que rreteuesse em si o dicto navyo e mercadoria e a nom rrepartisse com nehu, a menos de nom dar fiança aa dicta tomadia (…). O quall o nom quis fazer (…)” (fl. 243).

Desta situação fica claro que, ainda que a actividade corsária se encontrasse regulamentada, os seus protagonistas procuravam esquivar-se a pagar a designada “fiança”, o que transformava os seus actos de depredação naval em manifestas acções de pirataria. De resto, nem sempre Fernando de Seixas aparece na documentação como atacante, chegando mesmo a ser referido como vítima dos ataques de outros corsários. Veja-se, a título de exemplo, o documento da Chancelaria de D. Afonso V, de 8 de Dezembro de 1450, em que vem referido que uns corsários ingleses, em 1444 ou 1445, tentaram tomar a nau do almoxarife de Faro, quando esta se encontrava em Lagos (liv. 34, fl. 187).

Nau do final do séc. XV, desenhada na portada da Estoria do muy nobre Vespasiano emperador de Roma (1496)

Estas situações evidenciam, desde logo, como a guerra de corso era algo tão frequente no Algarve do séc. XV que assistia, na linha da frente, à exploração do Atlântico e da costa noroeste do continente africano. Aliás, a acção dos corsários algarvios, como Fernando de Seixas ou Rui Valente, não se circunscrevia ao golfo luso-hispano-marroquino, onde actuavam com frequência, mas estendia-se igualmente às águas mediterrânicas, onde eram atacadas embarcações aragonesas, bascas ou galegas, concorrentes directas na caça à apreensão de barcos e mercadorias que circulavam entre o Mediterrâneo central e o norte da Europa. Na realidade, não podemos afirmar de forma contundente que, na prática, existia uma distinção evidente entre a prática corsária e a acção pirática, ainda que a primeira se encontrasse legalizada pela designada “carta de corso”, outorgada pelo monarca da respectiva nação. Note-se, aliás, que tanto corsários como piratas agiam de forma indiscriminada contra barcos de nações aliadas ou inimigas, desde que que lhes proporcionasse um saque que justificasse o risco do empreendimento ou as posteriores sanções legais, como podemos comprovar pelas acções depredatórias cometidas por Fernando de Seixas. De resto, a micro-memória deste almoxarife de Faro continua a carecer de um estudo mais aprofundado, pelo que aqui lançamos o desafio aos estudantes da Universidade do Algarve que procuram temas de investigação para a realização dos seus trabalhos académicos.

*Historiador

- Publicidade -
- Publicidade -spot_imgspot_img

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.