Há cinquenta anos o JA celebrava a Liberdade

Luísa Travassos
Luísa Travassos
Diretora do Jornal do Algarve Carteira Profissional - 588 A

Cinquenta anos depois, o Algarve continua esquecido

Há cinquenta anos não havia jornais digitais, só impressos. Os diários nas grandes metrópoles chegaram a publicar duas edições no mesmo dia, a 25 de abril de 1974.
Na província editavam-se os semanários, dos quais destacamos o JORNAL do ALGARVE, como a principal referência da comunicação social algarvia.

Como semanário que era, só fez eco da Revolução dos Cravos na edição de dia 4 de maio.
A primeira página, toda ela dedicada à restituição da liberdade, tinha como manchete “LIBERDADE um português recém-nascido que é preciso defender”. A liberdade, recentemente conquistada, tinha de continuar a ser defendida, uma vez que “tubarões reacionários e os seus agentes (DGS/PIDE, Legião, ANP/UN, e outros) espreitam a oportunidade de subverter as generosas manifestações para causarem incidentes e restabelecerem a desconfiança” e “as próprias aglomerações descontroladas encerram um potencial susceptível de degenerar”.

Ao lado, vê-se a foto do fundador e diretor do semanário, José Barão, que tinha falecido oito anos antes, com um artigo assinado por Torquato da Luz em que o recordava, “Evocando quem não viveu a alegria destas horas”. O jornalista refere que “de entre todos os telefonemas, houve um, porém, que me deixou particularmente emocionado: foi o de D. Ana Barão, viúva do saudoso fundador deste jornal, o meu querido José Barão. Queria dar-me uma palavra de amizade. Chorava – e eu, também, não contive as lágrimas. De alegria – e de raiva. É que, presente embora no meu espírito desde as primeiras horas do Movimento, se me tornou mais instante, nessa altura, a lembrança de quantos, tendo lutado toda a vida contra o fascismo implantado pelo 28 de Maio neste País, não lhe assistiram ao derrube”, escreveu. Mais adianta realça as suas qualidades “entre os jornalistas silenciados pela máquina repressiva do regime salazarista, um me foi particularmente amigo: José Barão, coração aberto à Liberdade e à Defesa dos direitos mais sagrados do homem, personalidade inconfundível de democrata que jamais se vergou às pressões do fascismo”.

Em Nota da Redação, pode ler-se: “Uma revolta militar deitou por terra o governo de Marcello Caetano e o regime que dominava o País desde 1926. Uma Junta de Salvação Nacional, presidida pelo general António Spínola dirige a nação até que assuma funções um Presidente da República escolhido entre os seus membros. Isto no início de um longo processo em que se vai tentar restituir ao País uma feição democrática de que ele andava involuntariamente arredio”.

Na crónica, FACTOS E IMAGENS, assinada por C.R., pode ler-se um emocionante texto “QUANDO A LIBERDADE NÃO É UTOPIA”.

Maria Carlota assinava o artigo “SEM ÓDIOS NEM PRESSAS, COM UMA SÓ AMBIÇÃO – SERVIR PORTUGAL”.

Apesar das dificuldades em reproduzir fotos, uma vez que tinham que ser mandadas fazer em Lisboa, não faltou o registo da grande adesão popular, principalmente jovens.
Também na primeira página dá-se conta de que o vilarrealense António Mateus da Silva tinha acabado de ser nomeado encarregado do Governo da Guiné.

O Programa do Movimento das Forças Armadas, foi publicado na íntegra, onde eram explicadas as medidas que tinham sido tomadas como a libertação de presos políticos, a supressão da censura, o reaparecimento dos partidos políticos e o regresso de exilados.

“PEÇO AOS CORRUPTOS QUE SE RETIREM DESTA QUERIDA TERRA QUE VENDERAM”

Na edição seguinte, a 11 de maio, Carlos Albino que passou, na noite de 24 para 25, a senha para o arranque das Forças Armadas, no programa Limite, escreve um texto intitulado “PEÇO AOS CORRUPTOS QUE SE RETIREM DESTA QUERIDA TERRA QUE VENDERAM” que justifica a sua leitura. O jornalista que continua a escrever artigos de opinião neste semanário, salienta que “Os leitores do JORNAL do ALGARVE, sabem mais do que ninguém quanto tenho lutado nestas páginas por isto mesmo em que se fosse necessário era a vida que sacrificava, porque o risco não era pequeno, dada a proximidade do inimigo (a dois passos…) e a sua conhecida ferocidade”. Albino referia-se ao risco que correu ao passar a senha para os militares de abril avançarem. Mas elenca de forma detalhada como “os fascistas boicotaram a vida associativa (…) proibiram mesas redondas (…) a censura à Imprensa (…) a corrupção (…). Termina o seu artigo enaltecendo o poeta do povo: António Aleixo.

Passados que são 50 anos, Carlos Albino revela um certo desencanto, no SMS 983, que publica hoje, na página dois, intitulado “Como explicar o tempo que passa” e lamenta-se dizendo que “É verdade que fomos vivendo cada um dos cinquenta anos que passaram, pensando que o Algarve tinha garantida e defendida a sua identidade, que o absurdo da falta de habitação não lhe bateria à porta, que a mobilidade teria aqui um cartão de cidadania, que os transportes dariam um salto do estado em que ficaram do século dezanove mesmo descontando o impacto dos aviões no sapal, que a saúde fosse a adequada pelo menos para a metade do século vinte, que a escola de modo geral não se revelasse como uma caixa de amorfos desinseridos, que o progresso fosse um apelo constante à diversificação, que a economia não fosse um espartilho da riqueza, que a atividade empresarial se elevasse muito acima das vendas por baixo do balcão, por aí afora”. Remata

Também Salvador Santos, em artigo assinado nesta edição, intitulado “O céu cada vez mais alto” faz um retrato da sociedade atual em que reflete sobre as assimetrias que perduram numa região que enfrenta problemas gravíssimos.

Enfim, passaram 50 anos mas o Algarve não se consegue impor. Sendo uma das regiões que mais contribui para o Produto Interno Bruto, não vê o retorno dessa contribuição. Já o temos escrito por diversas vezes.

Em período de balanço, não podemos esquecer como se vivia antes do 25 de abril de 1974. Os índices de pobreza, a elevada mortalidade, em que se destaca a infantil, a falta de emprego, de transportes, de escolas, a guerra colonial que tantas vidas ceifou, a ditadura, a censura… a falta de liberdade!

Mas cinquenta anos é muito tempo, muitos dias, muitas horas… e o Algarve não pode continuar a ser esquecido.

Precisamos de habitação a preços acessíveis, precisamos de uma saúde que esteja perto de todos, um hospital central, um centro oncológico para que os algarvios possam ser tratados na sua região. Que o sotavento seja dotado de uma unidade de saúde de retaguarda. Precisamos de transportes do século XXI, precisamos de diversificar a nossa economia que assenta essencialmente num turismo sazonal que manda para o desemprego milhares de trabalhadores.
Precisamos de massa crítica! De gente bem preparada para reivindicar aquilo a que temos direito! Precisamos de deputados que defendam, efetivamente, uma região que interessa pelo que oferece ao país mas que nada recebe em troca.

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