IVO ANTÓNIO

 “Uma doente chamada saúde”

Naquele dia caloroso a senhora Saúde acordou com uma forte dor nas costas.


Com os seus 80 anos de vida, cumpridos com trabalho diário e árduo na horta da sua propriedade era uma mulher que nunca reclamava com dor ou sem dor, sempre exerceu a sua actividade ignorando os benefícios do estado social.


A senhora Saúde sempre produziu; as batatas, as cenouras, as cebolas, as hortaliças, as laranjas, os pêssegos, as ameixas.


Todos os sábados a senhora Saúde ia á feira vender os seus produtos.
De três em três meses, a sua contabilista dizia:


<< Boa tarde Senhora Saúde, venho cá buscar o dinheiro do IVA>>.


A senhora Saúde sempre foi uma mulher que gosta de cumprir as suas obrigações e sempre cumpriu rigorosamente, algumas vezes com muitas dificuldades, todos os seus impostos que tinha a pagar. O seu marido já partiu há algum tempo deixando á senhora Saúde toda a responsabilidade da gestão da horta e dos animais.


Naquele dia quando estava a dar de comer aos animais, disse-lhes: << Meus meninos esta dor não me larga é desta vez que tenho que ir ao médico. Hoje depois de vos dar de comer vou à cidade não se preocupem com a minha falta>>. A senhora Saúde apanhou a camioneta e dirigiu-se muito cedo à cidade. Quando chegou ao centro de saúde já lá estavam muitos utentes à sua frente aguardou em silêncio pela sua vez, pois o silêncio era um habitante frequente da sua vida. Quando ouviu o seu numero ser chamado pelo quadro electrónico dirigiu-se ao funcionário administrativo e disse-lhe:<< Boa tarde, quero ir ao médico porque me doi muito as costas>>. O funcionário respondeu: << Senhora Saúde tem de pagar 10 euros>>. A senhora Saúde ficou muito surpreendida e respondeu:


<< A minha contabilista sempre me disse que eu quando fosse velha não pagava a assistência no hospital era para isso que eu pagava de três em três meses. Já tenho 80 anos e sempre paguei as minhas obrigações.>> O Funcionário administrativo, sem surpresa, respondeu: <<O Senhora Saúde é a Troika>>. A senhora Saúde ficou surpreendida:
<< Mas o que é isso a Troika?>>. O funcionário atrapalhado respondeu:<< É quem manda agora no País.>> Ao que a senhora Saúde respondeu:<<Mas eu nunca descontei para a Troika! Se eu nunca descontei para a Troika como é que a Troika pode mandar nos meus descontos?>>. O Funcionário Administrativo, surpreso com a sabedoria do tal comentário, não foi capaz de dar qualquer resposta. Perante o silêncio do funcionário, a senhora Saúde perguntou:

<<Então quanto é que me custa a consulta ao médico e os remédios que o médico me vai receitar?>>. Ao qual o funcionário respondeu: << Olhe senhora Saúde, isso é uma resposta que eu não lhe sei dar. Da consulta são 10 euros, os medicamentos já são menos comparticipados do que antigamente e se vier levantar uma receita já tem de pagar dois euros e meio. Isto se não tiver que ir ao hospital ou a uma consulta de especialidade onde terá que pagar pelo menos 20 euros>>. No rosto da senhora Saúde surgiu uma imagem rugosa, vincada, revoltada e acima de tudo uma expressão de grande tristeza. A senhora Saúde disse: <<Para que é que eu paguei toda a minha vida impostos? Fique o senhor com a sua consulta que eu fico com a minha dor. Boa Tarde, passe bem>>.


De regresso à aldeia a Dona Saúde dirigiu-se aos seus animais, e disse-lhes: << Meus meninos, quando um animal parte uma pata e não serve para trabalhar o que é que os homens fazem?.>>


Dois dias depois o Jornal do Algarve narrava a seguinte noticia: << Foi encontrada morta o ultimo habitante da Aldeia serrana Senhor dos Aflitos acabando assim a vida de mais uma aldeia de Portugal. A senhora Saúde, era assim que se chamava a falecida, provavelmente morreu de suicídio, não deixando qualquer informação sobre tresloucado acto. A senhora Saúde toda a vida trabalhou, toda a vida foi competitiva, toda a vida foi produtiva, nunca recebeu qualquer apoio do estado e agora foi encontrada morta e abandonada. Toda a vida a senhora Saúde pagou os seus impostos religiosamente e nem um padre, nem um cangalheiro, nem uma assistente social, nem um agente da G.N.R., ou seja, qualquer pessoa que recebe dos seus impostos que ela pagou fez alguma coisa na sua morte.>>


Esta é a história da senhora Saúde.

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