Livros: O Algarve visto por os olhos de um espanhol

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António Cabrita e Diego Mesa (foto: Jornal do Algarve)

Em meados da década de 1980, José Saramago lançou a obra “Viagem a Portugal”, uma compilação de crónicas sobre todas as regiões portuguesas. Cerca de três décadas depois, o espanhol Diego Mesa decidiu percorrer todos os locais do Algarve por onde Saramago passou e assim nasceu o livro “Viagem ao Algarve”, que vai ser apresentado esta quinta-feira na Biblioteca Municipal Vicente Campinas, em Vila Real de Santo António.

A versão original, em espanhol e intitulada Viaje al Sur de Portugal, foi lançada no último verão e já teve apresentações em diversas cidades espanholas, entre as quais Sevilha, Huelva, Ceuta e Ayamonte, a cidade do autor. Entretanto, a obra foi traduzida para português, pela mão do vila-realense António Cabrita, e passará a estar disponível na língua de Camões já a partir do início do próximo mês.

“Visitei, trinta anos depois, os lugares do Algarve que Saramago fala no seu livro. Como sou de Ayamonte e esta zona do país é a que me é mais querida e a que está mais perto, decidi avançar com a minha viagem por terras algarvias”, explica Diego Mesa, revelando que os seus textos foram elaborados em diversas viagens pela região, realizadas durante dois anos.

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Para António Cabrita, este livro não é apenas uma obra literária: “Também serve como roteiro turístico, para quem quer aventurar-se pelo Algarve desconhecido, porque além de ter passado pelas cidades maiores, Diego Mesa também percorreu o interior da região, o barrocal, as aldeias…”.

Surpreendido com a preservação do património

Diego Mesa, professor, estudioso da obra de Saramago e responsável pelo curso “Aula José Saramago”, que no último ano teve mais uma edição realizada nas bibliotecas de Vila Real de Santo António, Faro e Huelva, descreveu, tal como José Saramago, os locais por onde foi passando. E revela ter ficado surpreendido com as diferenças, positivas, de muitos destes sítios.

“Por exemplo, Saramago fala das Ruínas de Milreu como um lugar sujo e abandonado, mas, agora, 30 anos depois, e para minha surpresa, verifiquei que estão recuperadas e abertas a visitas. Ele conta que teve alguma dificuldade em entrar no Palácio do Conde de Carvalhal, também em Estoi, porque estava abandonado e tinha cães no jardim. Agora, está recuperado e é uma pousada”, frisa Diego Mesa.

O autor confidencia ainda que “adorava que Saramago pudesse ver, agora, esses lugares por onde passou naquela altura”, entre os quais, também, a cidade de Tavira. “Ele diz que teria que voltar a Tavira se quisesse ver tudo o que levava na mente. Eu tenho mais sorte porque vivo junto à fronteira e posso ir lá quando quero e a qualquer momento”, declara.

A parte que Saramago dedica ao Algarve no seu livro só tinha cerca de oitenta páginas, mas Diego Mesa desenvolveu um pouco mais, acrescentando ainda mais informação sobre os locais mensionados pelo Prémio Nobel da Literatura de 1998. E chegou mesmo a acrescentar outros lugares, que não foram referidos por Saramago.

“Ele não fala, por exemplo, de Portimão. Mas eu interessei-me por esta cidade, essencialmente, por causa da antiga fábrica de conservas La Rose, que pertenceu a dois espanhóis de Ayamonte e que hoje está transformada num museu fantástico e espetacular”, explica.

Mas nem tudo são diferenças em relação à realidade de há 30 anos. No seu livro, Saramago conta que teve alguma dificuldade para visitar alguns locais porque estavam fechados e tinha que procurar quem tivesse a chave. Uma situação que também aconteceu a Diego Mesa: “Passei por algumas destas situações”, refere, acrescentando que “é perfeitamente compreensível que alguns dos locais estejam fechados, para defender a sua preservação e evitar os roubos”.

Diego Mesa garante que aprendeu muito durante estes dois anos de viagens, que o levaram a percorrer praticamente todo o Algarve, e que chegou, inclusivamente, a sentir inveja dos portugueses e do nosso país.

“É uma inveja sã. Um dos capítulos desde livro é dedicado à linha de comboio do Algarve. Em Ayamonte já não há comboio há várias décadas. Foi retirado porque não era rentável”, lamenta. “Outra das coisas que me chamou muito a atenção foi a conservação do património. Qualquer pequena aldeia tem um museu. Vê-se que há cuidado com o património”, acrescenta.

Um contributo para “unir os dois povos”

Para Diego Mesa, este trabalho pretende ser, também, um contributo para “unir duas províncias que estiveram durante muito tempo de costas voltadas. Os espanhóis vinham a Portugal para comprar toalhas e os portugueses iam a Espanha comprar caramelos. Felizmente, isto já não é bem assim e já começámos a partilhar muitas atividades em diversas áreas”.

“Dos três grandes rios que são comuns aos dois países, o Guadiana é o único que se escreve da mesma maneira nas duas línguas. Este é só um exemplo da facilidade de contacto que existe nesta zona da fronteira”, acrescenta António Cabrita.

Tal como Diego Mesa, António Cabrita integra o Núcleo de Poetas do Guadiana, que reúne poetas e amantes da literatura de ambas as margens do Guadiana, e foi o escolhido para traduzir a obra para português. Segundo o autor, quem vive junto à fronteira nesta zona, independentemente da nacionalidade, tem uma linguagem comum.

“Há expressões que se utilizam em espanhol, mas cuja tradução não é fácil porque não podem ser traduzidas à letra. Para mim, era importante que o livro fosse traduzido por alguém que compreendesse o sentido dessas frases e que lhe desse o mesmo sentido em português”, explica Diego Mesa.

António Cabrita refere que a principal dificuldade foi “a disponibilidade”, que “muitas vezes não existia, por falta de tempo”, mas explica que “a vontade foi mais forte”. “Conseguimos manter muitas das expressões vivas utilizadas por ele, fugindo um pouco àquela tradução mais literária. Nalguns casos foi um pouco mais complicado, mas conseguimos atingir o objetivo”, garante. “Foi uma boa experiência de colaboração”, remata Diego Mesa.

Depois de Vila Real de Santo António, o livro vai ser apresentado um pouco por todo Algarve. A intenção do autor é fazer o lançamento deste trabalho em todos os municípios algarvios.

Domingos Viegas

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