Marcelo Rebelo de Sousa: Portugal é um “país improvável” que “viveu sempre em crise”

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O comentador da TVI foi o convidado da conferência “Portugal 2013” que decorreu em Loulé

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“Portugal 2013” foi o mote para a conferência apresentada por Marcelo Rebelo de Sousa, na passada quinta-feira, no âmbito dos “Horizontes do Futuro”, iniciativa realizada pela Câmara Municipal de Loulé desde 2009 e que chega agora ao seu términus.

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Perante uma plateia cheia, o conferencista começou por fazer uma retrospetiva histórica do país já que acredita que “é impossível projetar o futuro sem conhecer o passado”.

“Quando não se conhece o passado não se percebe que as coisas se repetem, não exatamente da mesma maneira, mas há muitos paralelos. Pode-se recolher do passado muita lição para o presente e para o futuro”, considerou.

Nesse âmbito, olhando para a História de Portugal desde a criação da nação, afirmou que este é um “país improvável” que “viveu sempre em crise”.

“O que é normal é a crise porque vivemos num mundo imperfeito, um mundo de raridade de bens onde há mais gente a precisar de bens do que bens disponíveis”, considerou o comentador.

Um filho (D. Afonso Henriques) que “prendeu a mãe para fazer nascer o Estado”

Desde o momento da fundação em que “o filho (D. Afonso Henriques) prendeu a mãe para fazer nascer o Estado”, passando pela Reconquista, pelos Descobrimentos, domínio Filipino, invasões francesas e guerra civil do século XIX, Marcelo Rebelo de Sousa referiu os vários períodos de crise em que o país viveu.

Nesse sentido, para o orador, o século XIX foi marcante, nomeadamente a ida da Corte para o Brasil, “convertendo a metrópole em colónia”, as três invasões francesas e contra invasões inglesas, levantamentos populares e a “mais sangrenta guerra civil da História de Portugal que dividiu famílias” e opôs Miguelistas e Liberais.

“Perdemos metade de um século. Depois improvisámos uma democracia à inglesa”

“Perdemos metade de um século. Depois improvisámos uma democracia à inglesa, com dois partidos, que não funcionou. A dívida correspondente à crise financeira do final do século XIX demorou 100 anos a pagar”, sublinhou.

Como um dos “Estados mais antigos da Europa, com uma Língua, uma Cultura e uma História” e tendo sido “a primeira monarquia absoluta da Europa e a última a deixar de o ser”, este docente considerou que “o Estado (poder político) habituou-se a mandar na sociedade e a sociedade habituou-se a viver pendurada no Estado”.

No entanto, esta é uma situação não só dos nossos dias mas que remonta ao século XIV. “A subsídio dependência teve início quando o rei começou a tomar conta do poder religioso e aristocrático”, explicou.

“O século XIX foi dramático para o nosso atraso educativo”

Outra das questões colocadas pelo comentador da TVI foi o papel das elites ao longo da nossa História, considerando que um dos problemas do país “é a falta de elites e a divisão das elites em dois grupos”.

“Só há elites onde a educação é muito boa. Quanto mais educação há numa sociedade, mais elites há nessa sociedade, mais atualizadas, competentes e capazes de fazer reformas e de preparar o futuro”, frisou.

Nesse âmbito considerou que Portugal viveu sempre um atraso educativo em relação à educação de ponta do mundo, com exceção do período dos Descobrimentos em que os portuguese eram os melhores em áreas como a Astronomia, Ciências da Natureza ou Náutica. No entanto, “o século XIX foi dramático para o nosso atraso educativo” e a recuperação com o Fontismo foi “tardia e teve muitos custos na formação das elites”.

Ainda em relação às elites Marcelo Rebelo de Sousa falou da clivagem existente entre aqueles que realmente sentem a nação mas são conservadores no sentido de perceber a mudança no mundo e os “estrangeirados” que quando voltam têm dificuldade em compreender o país. “Entre estas duas elites há um diálogo difícil de compreender. O que precisamos é de elites que façam a convergência”, disse.

“Temos uma democracia ao mesmo tempo muito nova e muito velha”

A queda de um império de 500 anos em dois anos, a criação de uma democracia difícil de construir, a mudança na economia, a descolonização, integração na Europa, reprivatização dos setores expropriados e nacionalizados e a revisão constitucional foram mudanças provocadas pelo 25 de Abril que tiveram impacto no país.

“O saldo global foi muito razoável embora muito pesado o preço agora”, sublinhou o conferencista.

O comentador falou também de três problemas que hoje em dia afetam o país e que ultrapassam em muito a questão dos partidos e das eleições: o problema demográfico, com o acentuado envelhecimento da população, a coesão social e as mudanças nos agentes educativos.

Com o fim do império, Marcelo Rebelo de Sousa considera que na atualidade a grande riqueza de Portugal reside “no elemento humano, no povo, na nação, na língua, educação, cultura, nos portugueses espalhados no mundo e o mundo que fala português”.

Quanto aos desafios colocado a Portugal, depois da integração dos imigrantes, o orador falou da mudança estratégica na democracia. “Temos uma democracia ao mesmo tempo muito nova e muito velha”, disse.

O difícil papel de integração das mulheres e dos imigrantes na vida política, a lentidão na capacidade de renovação dos partidos, dos sindicatos, das pessoas e dos métodos é “um desafio fundamental que passa por mudar o sistema eleitoral, das instituições, ganhar maior prestígio nas instituições”, sublinhou.

Outro dos desafios do futuro do país diz respeito à integração europeia. Do ponto de vista de Marcelo Rebelo de Sousa, a Europa precisa de líderes que acreditem no projeto europeu, mas precisa também de ser solidária e acompanhar o passo do mundo.

“O problema não é menos Europa mas mais Europa”

Quanto ao papel de Portugal, acredita que temos de fazer tudo para não descolarmos do centro da Europa. “Para mim o problema não é menos Europa mas mais Europa. É outra Europa mas é mais Europa. No dia em que aceitássemos não fazer parte do Euro, ou saíssemos do Euro ou nos afastássemos do Euro, estaríamos a condenar a um isolamento total”, sublinhou.

O último desafio que se coloca a Portugal diz respeito à mudança da economia e este é “o mais difícil”. “É uma economia que era fechada mas a Revolução foi um salazarismo de esquerda. Esta reconversão do modelo económico é difícil e ainda hoje atravessa ideologicamente a sociedade portuguesa. A crise acentuou as divisões na sociedade portuguesa”, explicou.

Quanto ao futuro, o professor mostrou-se otimista: “Enfrentámos coisas muito piores na nossa História, o nosso problema não é não termos qualidade – somos dos melhores do mundo cá dentro e lá fora – o nosso problema é de consenso interno, coesão social e organização cívica e política de funcionamento e liderança. É preciso encontrar soluções a todos os níveis que passam pela educação e formação e capacidade das elites no sentido amplo, aqueles que estão formados para poderem ter responsabilidades em relação ao futuro do País”, concluiu.

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