Nem a Este, nem a Oeste, nada de novo!

Há uma série de anos, lançaram-me um repto que gostaria de aceitar, mas que nunca me senti capaz de cumprir: o de fazer uma previsão de como seria, em termos políticos, o futuro do meu país. Continuo hoje com a mesma incapacidade, e tenho a certeza de que serei sempre incapaz de fazer tal projecção. Na verdade, mesmo que para isso tivesse engenho e arte (e conhecimento, e capacidade de futurar e tantas outras coisas imprescindíveis), o Mundo dá tantas voltas e dá-nos tantas outras voltas, que os meus planos acabariam sempre derrotados (ou seja, fora de rota). No entanto, tenho-me dedicado a indagar a história que vivemos (e vamos fazendo) e, pelo menos, tenho já algumas pistas sobre o que não será. A primeira constatação é que, até ao aparecimento de Karl Marx, embora houvesse uma série de teorias socialistas (umas assumidamente utópicas, outras bastante ingénuas), nenhuma conseguia “fotografar” o estado de evolução das diversas sociedades e por isso prever como elas iriam evoluir no futuro. Por aí andaram Thomas More e Tommaso Campanella, Claude Saint-Simon, Robert Owen e Charles Fourrier, para só nomear alguns dos generosos intelectuais que se deram ao trabalho de pensar para lá dos limites da sua própria classe social. Com Marx (sem esquecer Engels), a coisa foi mais longe. A magistral análise social levou-o a equacionar o que teriam de fazer os mais desprotegidos (os proletários) para conseguirem um mundo mais justo. Fervilhavam, no final daquele século XIX, várias correntes de pensamento. Pensadores como Proudhon, Malatesta, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Bakounine e Trotsky, sem esquecer, naturalmente, Lenine, colocaram rapidamente a questão do anarquismo como forma superior de sociedade, e o comunismo, através da ditadura gerida pelos proletários, como o seu estádio intermédio. O socialismo, tido posteriormente como um estádio prévio, quase foi banido das discussões políticas. Em suma, era uma Europa que, tendo ilegalizado a escravatura, estava a assistir a uma libertação dos operários (cujo estatuto era, na verdade, de semiescravatura). Daí a célebre frase, hoje caída em desuso “Proletários de todos os países, uni-vos!” (no original alemão de Marx e Engels “Proletarier aller Länder, vereinigt euch!”). Os “países”, então, eram quase só europeus. O Mundo, após a globalização do século XVI tinha-se reduzido a um sistema de potências coloniais de base europeia que abarcava o Mundo quase todo. Foi assim que, na Europa, basicamente constituída por monarquias, todos os que se opunham à nova forma (socialista/comunista) de ver o Mundo, tiveram de construir as suas próprias teorias políticas. Assim se estruturaram, por exemplo, a social-democracia e o liberalismo, como bastiões da ordem capitalista. As monarquias absolutas colapsaram transformando-se em monarquias constitucionais, alargando a esfera do poder à burguesia. Mesmo assim, muitas sucumbiram (França, Espanha, Portugal, etc.) ou tornaram-se meramente formais (Reino Unido, Holanda, Suécia, etc.). A Primeira Guerra Mundial, onde se jogaram os limites dos impérios coloniais, abriu caminho à grande Revolução Russa e ao sonho de tornar o Mundo numa só nação, gerida pelos proletários. Assim nasceu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (porque baseadas em sovietes ou conselhos operários), cuja ideia era que se fosse expandindo com a adesão de novos países. A base era a nova classe operária, produto da industrialização, dado ser mais urbana e mais concentrada e por isso mais mobilizável que o campesinato disperso pelos campos e que sempre se regeu por outras regras e crenças. A discussão permanente através dos sovietes (o materialismo dialéctico), asseguraria a democraticidade de todos os processos. Contudo, Staline e Hitler levaram este desígnio por outros caminhos e a Alemanha, impondo a guerra à Europa e aos soviéticos, proporcionou que uma ditadura proletária se transformasse rapidamente, graças a essa guerra, numa ditadura pessoal. Staline logrou anular todos os seus oponentes (a um, Trotsky, teve mesmo de enviar ao México alguém para o matar!) ditando a partir daí, a seu bel-prazer, os destinos de uma cada vez maior parcela deste Mundo e de quem o habitava. O ideário comunista/socialista/anarquista sucumbiu e em seu lugar surgiu essa tirania baseada no capitalismo de estado que nunca mais evoluiu para um regime socialista em favor da Humanidade e acabou, consequentemente, por cair, passados cerca de 70 anos, sem quase deixar rasto, a não ser um infindável cortejo de pequenos e grandes ódios hoje bem visíveis. O “Homem novo” que o socialismo deveria ter criado jamais viu a luz do dia (tal como o socialismo) e hoje vemos como essa tirania pessoal de Staline e dos seus seguidores levou a uma antipatia generalizada pelo sistema que supostamente devia ser favorável à esmagadora maioria da população do Mundo. O socialismo não é uma receita dogmática nem cegamente generalizável ao Mundo todo (tal como a democracia, aliás) e a China, com uma base muito mais campesina que operária, teve de adaptar à sua realidade, as doutrinas marxistas. Foi o início de uma dissensão insanável que retalhou a chamada esfera socialista e veio a redundar no seu fim passados cerca de 50 anos, como hoje é visível. Perdidos em discussões algo estéreis, deixaram estes regimes passar ao lado questões tão candentes quanto a poluição, o equilíbrio ecológico ou a portentosa revolução digital, que alteraram (e continuam a alterar) todas as antigas relações de poder.
Pondo fim à discussão, à célebre dialéctica, essencial à evolução do socialismo, definharam também a maior parte das teorias que nasceram como seus contrapontos (democracia cristã, social-democracias, etc.). É aí que hoje estamos: a quase completa estagnação do pensamento político. Assim, hoje, nenhuma força política propõe uma sociedade nova, um modelo de governo equilibrado ou um desenvolvimento sustentável e harmónico com o planeta Terra! O que vemos são governos a adoptarem soluções de governação genericamente avulsas, frequentemente empurrados por movimentos populares mais ou menos amplos e aguerridos. Os partidos, que deveriam ser as locomotivas de adaptação às novas condições do Planeta Terra, passaram a “remendões” de serviço, funcionando de tampão entre uma população cada vez mais consciente e (por isso) desesperada e as grandes companhias industriais e financeiras de que os governos são pouco mais que submissos colaboradores. É por isso que é cada vez mais dificil encontrar partidos, mesmo os tradicionais, perfilhando ideologias definidas, sendo a sua base programática constituída por medidas desirmanadas e circunstanciais. Abriu-se caminho a um conjunto de novas forças políticas sem qualquer base ideológica (e por isso com um eleitorado muito móvel) que se regem por ideias vistosas mas de pouca ou nenhuma consistência, tornando o surgimento de ditaduras erráticas e pessoais num perigo bastante real. Os erros pagam-se muito caro e o socialismo marxista está agora a pagar o erro de se ter deixado engolir por ditadores que perverteram os poderes em que estavam investidos, assim pervertendo tanto o socialismo como a própria imagem do socialismo. É nesse ponto que penso estarmos neste momento.
(Este texto é necessariamente curto e pejado de omissões importantes e detalhes muito relevantes. Só pretendo provocar uma discussão urgente e necessária.)

Fernando Pinto

Deixe um comentário

Exclusivos

O Algarve vive os desafios duma região que cresceu acima da média nacional

O Governador do Banco de Portugal, natural de Vila Real de Santo António, visitou...

Lar de Demências e Alzheimer em Castro Marim acompanha a elite das neurociências

Maria Joaquina Lourenço, com os seus quase 90 anos, vai caminhando devagar, com o...
00:33:23

Entrevista a Mário Centeno

Recebemos o ilustre conterrâneo, Professor Mário Centeno nas nossas instalações. Foi uma honra imensa poder entrevistá-lo em exclusivo. O Professor, o Governador, deixou os cargos à porta e foi num ambiente familiar que nos falou, salientando que se sentia também honrado em estar naquilo que apelidou de “o nosso jornal”. Hoje, como todos os, verdadeiramente, grandes, continua humilde e afável.

Agricultura regenerativa ganha terreno no Algarve

No Algarve, a maior parte dos agricultores ainda praticam uma agricultura convencional. Retiram a...

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.