"Do Algarve Que Temos à Região que Queremos"

No 66.º aniversário abrimos o debate e desafiámos algumas personalidades algarvias de vários setores e idades, para se pronunciarem sobre o muito que foi feito, mas também  sobre as estratégias e liderança que, em seu entender, conduzirão a um Algarve cada vez melhor

O Algarve visto por João Vasconcelos

1 – O JORNAL do ALGARVE tem orientado o seu trabalho, desde a sua fundação, com um objetivo muito marcado pelo desenvolvimento sustentado da região. Passados estes 66 anos de luta, como vê e sente o Algarve? Que avaliação faz do Algarve que temos? Quais são os seus principais problemas?


João Vasconcelos
– De todas as regiões do país, o Algarve surge como a mais vulnerável e isso viu-se durante o período crítico da covid-19. A vulnerabilidade do Algarve prende-se com o modelo económico que tem imperado nas últimas décadas, assente quase exclusivamente na atividade turística. Assim, o emprego na região continua fortemente concentrado nos serviços, mais de 80% do total, muito pelo peso do turismo, bem acima dos 70% no país. Já a agricultura, produção animal, floresta e pesca representam apenas 5%, enquanto os restantes 12% se referem à indústria, construção, energia e água. De um modo geral, o Algarve contribui para o turismo nacional com cerca de 20 milhões de dormidas anuais, mais de 50% do total de dormidas a nível nacional, mais de 20 mil milhões de euros, representando no entanto apenas 5,5% do PIB nacional. O turismo, baseado no sol e mar, tornou-se no principal motor económico regional, acabando por impulsionar a construção e o imobiliário (com elevados índices de especulação), mas que condicionou a diversificação económica e a inovação. A forte especialização da atividade turística focada no produto dominante de “sol e mar” conduziu a enormes restrições nas outras atividades, com particular incidência na agricultura e nas pescas. O turismo de sol e praia capturou a maioria dos investimentos na região. Esta monocultura do turismo conduziu a uma forte concentração do emprego nesta área, assente na sazonalidade, numa crescente precariedade, numa política de baixos salários e em ritmos de trabalho infernais. O direito ao trabalho com direitos foi assim relegado para segundo plano.


As desigualdades territoriais no Algarve agravaram-se nos últimos anos. Dos mais de 450 mil habitantes, 50% vive ao longo da costa numa faixa de 2 quilómetros, o que representa cerca de 10% do território. Os outros 50% distribuem-se pelos restantes 90% do território regional. O barrocal algarvio e as serras do Caldeirão e de Monchique apresentam graves problemas de envelhecimento da sua população e de desertificação humana, com as consequências daí decorrentes. As portagens na Via do Infante contribuíram para o aumento das assimetrias regionais. As secas e as alterações climáticas fazem aumentar ainda mais as dificuldades do Algarve. A não existência da Região Administrativa é um outro aspeto negativo do Algarve. As debilidades do Algarve também se fazem sentir a nível do desemprego, da inflação e da carestia de vida, em comparação com outras zonas do país. O Algarve padece de vários problemas e que as autoridades políticas nacionais, em conivência e desleixo das entidades políticas e económicas regionais e até locais, não têm pressa em resolvê-los. Só para dar alguns exemplos, a precariedade laboral e os baixos salários proliferam, o Serviço Nacional de Saúde vive nas “ruas da amargura”, a introdução e continuação das portagens na Via do Infante, da responsabilidade de PS e PSD, representa um dos maiores crimes sociais e económicos contra a região, a falta de requalificação da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António, que nunca mais se concretiza, divide o Algarve em cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, a eletrificação da ferrovia regional tarda em avançar, a implementação de medidas para combater a seca e a falta de água ainda não passaram do papel, o interior desertifica-se cada vez mais e a carência habitacional atinge níveis de autêntico desastre social.

2 – A liderança que temos tido e os representantes políticos, quer autárquicos, quer deputados, têm defendido e lutado o suficiente por esta região?

JV – Infelizmente não é o que temos tido, salvo honrosas exceções a nível de deputados, quer do Bloco de Esquerda, quer do PCP. Os deputados do centrão – PS e PSD – apenas se movem para defender os interesses das suas clientelas partidárias, pouco ou nada se interessando pelo Algarve e as suas populações. Qual a razão de, só agora, depois de ter sido lançada a 1.ª pedra há 20 anos, se avançar com os procedimentos para a construção do tão almejado Hospital Central? Há responsáveis, PS e PSD! Qual a razão de ainda continuarem as portagens na Via do Infante? Há responsáveis, PS e PSD! Qual a razão da EN125 ainda não se encontrar totalmente requalificada? Há responsáveis, PS e PSD! No presente momento, quase 8 anos depois do PS ter voltado a assumir o poder a nível governamental, este partido acaba por ter a maior responsabilidade devido às suas políticas de falta de investimento público na região e os resultados estão à vista. Basta olhar para o nível de degradação em que se encontra o SNS e a falta de desassoreamento de portos, barras e canais que infernizam a vida dos pescadores e das suas famílias.

3 – Para que haja desenvolvimento, tem que haver uma estratégia. Que estratégia preconiza para a região?
JV
– Acima de tudo é preciso ouvir as populações e solucionar os seus problemas. Os fundos do PRR – que não são a varinha mágica e que tudo resolvem – devem ser bem aplicados de forma descentralizada e ao serviço da região e não apenas ao serviço de alguns.

4 – Fala-se muito em descentralização e/ou regionalização. Que tipo de liderança precisa o Algarve?
JV
– É urgente avançar com a criação da Região Administrativa do Algarve e esta ainda não avançou também por culpa de PS e PSD que negociaram a imposição do referendo na Constituição. Agora que estão a trabalhar numa nova revisão da CRP têm uma oportunidade de se redimirem e retirarem o referendo da lei fundamental.

5 – Há “massa crítica” capaz de revolucionar o Algarve, transformando-o, efetivamente, numa região diversificada, multicultural, onde é bom trabalhar e viver, com uma boa saúde e oferta cultural para além do sol e praia?
JV
– Efetivamente, o Algarve não é só sol e praia. A riqueza do Algarve gira em torno de três áreas estratégicas – a Universidade, o Aeroporto e o clima. O aproveitamento, a dinamização e a potenciação destas três áreas, com políticas e políticos capazes, ao serviço das populações, apostando nas novas tecnologias e nas energias limpas, serão cruciais para o desenvolvimento sustentável do Algarve.

*Ex-deputado pelo BE

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