O cavaleiro D. Rodrigo de Noronha: “o Aravia” de Safim, nos Algarves de Além-mar

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Decorria o mês de Julho de 2022 quando publicámos no Jornal do Algarve Magazine um artigo informativo intitulado “O cavaleiro D. Garcia de Eça, “chamarãolhe de alcunha o Suleima, servio em Affrica…”. Ora, foi exactamente no supramencionado artigo que fizemos referência a D. Rodrigo de Noronha, cavaleiro que, segundo a Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Manoel, de Damião de Góis,era conhecido pelos seus contemporâneos como “o aravia”, em virtude da sua grande fluência na língua árabe (Pt IV, Cap. LVI). É nesse sentido que considerámos pertinente esclarecer quem foi, efectivamente, este indivíduo e qual a sua relevância no quadro da Expansão Portuguesa em Marrocos.

O castelo do Mar, em Safim, representado em selo marroquino do séc. XX

Como bem observou Maria Augusta Lima Cruz, em “Mouro para os cristãos e cristão para os mouros: o caso Bentafufa” (Anais de História de Além-Mar, Vol. III, p. 54), D. Rodrigo de Noronha era filho primogénito do comendador de Sines da Ordem de Santiago. Casou com D. Joana, filha de Rui Penteado, almoxarife dos escravos da Guiné e comendador de Arguim, da Ordem de Cristo. Tal como D. Garcia de Eça“Suleima”, também D. Rodrigo de Noronha serviu em Safim sob o comando de Nuno Fernandes de Ataíde. Como podemos confirmar pela documentação à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, D. Rodrigo de Noronha foi o responsável pela defesa da maior estância no grande cerco a Safim de 1510, então defendida por cavaleiros, escudeiros, besteiros, espingardeiros e um bombardeiro, para além dos judeus que se prontificaram a participar na defesa (Gav. 20, maço 1, Nº 41). Quer isto dizer que D. Rodrigo de Noronha pertencia ao grupo de fidalgos portugueses que há mais tempo se encontravam em Safim. A partir deste grande cerco, este cavaleiro português aparece referido em várias operações no teatro de operações norte-africano.

De facto, diz-nos Damião de Góis, na supracitada crónica, que o “aravia” foi um dos cavaleiros que acompanhou Nuno Fernandes de Ataíde na grande entrada que teve lugar em 22 de Janeiro de 1511, contra aduares localizados nas proximidades de Almedina (Pt. III, Cap. XIII). Do mesmo modo, D. Rodrigo de Noronha foi um dos cavaleiros que, sob o comando do capitão de Safim, atacou vinte e cinco aduares a três léguas de Conte, em 23 de Outubro de 1511 (Pt. III, Cap. XIV). Note-se que foi a partir desta entrada que o “aravia” começa a aparecer na documentação como o grande amigo português do célebre Bentafufa, o alcaide dos mouros da Duquela.

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Com efeito, D. Rodrigo de Noronha sempre defendeu Bentafufa das acusações e desconfianças de que foi alvo por parte de Nuno Fernandes de Ataíde. Exemplo expressivo foi o que ocorreu em 1514, quando o capitão de Safim, desconfiado da lealdade de Bentafufa, retirou as tropas portuguesas do combate contra as forças do rei de Marraquexe, abandonando os mouros de pazes do alcaide da Duquela à sua sorte. De acordo com as fontes conhecidas, apenas D. Rodrigo permaneceu em campo com os seus criados. Segundo Damião de Góis e os cronistas em que nele se basearam, tratava-se de D. Rodrigo de Castro. No entanto, o facto de Ibrahim bem Zamirou se referir a este personagem apenas como D. Rodrigo – a fonte em que Góis se terá baseado – leva-nos a concluir que Damião de Góis se terá enganado, confundindo D. Rodrigo de Castro com D. Rodrigo de Noronha, “o aravia”. De facto, a amizade entre D. Rodrigo e Bentafufa foi alvo de duras críticas por parte de Nuno Fernandes de Ataíde, o mesmo que, em carta ao rei D. Manuel, em 12 de Setembro de 1514, referia que “Dom Rodrigo he, Senhor, tão amigo de Ehea que não tenha nenhüa duvida a desculpar a ele e culpar a mym, ssendo eu Christão e hele Mouro e devendo mays a mym ca ele, e d’ysto he Vosalteza boa testemunha(Corpo Cronológico, Pt. I, maço 16, Nº 13).

Carta de D. Rodrigo de Noronha a D. Manuel, em 9 de Setembro de 1517. A.N.T.T., Cartas dos Governadores de África, Nº 358

De resto, encontramos D. Rodrigo de Noronha a servir em Safim mesmo após a entrada em que Nuno Fernandes de Ataíde pereceu juntamente com tantos outros cavaleiros portugueses, em 1516. Não sabemos se o “aravia” terá sido um dos poucos cavaleiros que escapou com vida aquando desta fatídica entrada ou se por então terá ficado a guardar Safim. O certo é que D. Rodrigo continua a aparecer nas fontes com uma posição de relevo durante a capitania de D. Nuno de Mascarenhas, o capitão que substituiu Nuno Fernandes de Ataíde. Na realidade, a documentação indica que o “aravia” se revelou um relevante mediador entre os portugueses de Safim, sempre desconfiados da lealdade de Bentafufa, e o próprio alcaide dos mouros de pazes. De facto, quando houve a necessidade de castigar os mouros de Abda e da Garbia por se terem rebelado, foi a D. Rodrigo que o então capitão de Safim entregou o comando de setenta cavaleiros portugueses para, juntamente com Bentafufa, darem sobre os revoltosos (Pt. IV, Cap. LVI). Aliás, a importância do papel do “aravia” era reconhecida pelo próprio rei D. Manuel, como podemos comprovar pela carta de D. Rodrigo ao rei, em 9 de Setembro de 1517 (Cartas dos Governadores de África, Nº 358), a carta de 23 de Julho do mesmo ano em que o monarca lhe pedia “que animasse Cid Hea (…) e lhe certificasse a certeza da sua lealdade(Cartas dos Governadores de África, Nº 323), ou a carta de 23 de Setembro, em que o rei determina como D. Rodrigo havia de proceder com Bentafufa a propósito das desordens em Safim (Corpo Cronológico, Pt I, mç 22, Nº 41). De resto, D. Rodrigo viria a ser um dos vários cavaleiros capturados pelos mouros na emboscada fatal que teve lugar na Duquela, em terras dos Abda, onde Bentafufa foi assassinado pelos mouros à traição, em 16 de Fevereiro de 1518. A partir de então perdemos o rasto ao “aravia”, um singular bellator da Expansão Portuguesa que bem merecia uma atenção mais cuidada por parte da historiografia nacional.

*Historiador

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