O céu cada vez mais alto

Salvador Santos
Salvador Santos
Salvador Santos, nasceu em Chaves, no ano de 1979. Vive no Algarve desde os quatro anos. Frequentou o curso Estudos Portugueses na Universidade do Algarve. Foi editor na Sul, Sol e Sal. É autor dos livros de poesia «Selvagem» e «Cartographya»

Depois dos resultados desastrosos para o Algarve nas últimas eleições legislativas creio que se impunha uma reflexão profunda dos partidos políticos que tem tido nestes 50 anos de democracia a confiança do eleitorado. Ninguém pôs a mão na consciência e, de um e de outro lado, aquilo a que se assistiu foi o regozijo com que um ou outro deputado anunciou a sua subida para outro lance de cadeiras na bancada parlamentar.

Observando a tranquilidade de quem salvou a pele no jogo eleitoral sou levado a pensar que o medo que se verteu para a sociedade portuguesa contra a emergência de novos fascismos não teve como propósito alertar para o perigo da perda das liberdades mas foi, isso sim, parte de uma estratégia de manutenção de um poder que se afirmou no país em democracia e, como todos os poderes instalados, reage a tudo o que possa significar o seu enfraquecimento.

Falo, sobretudo, nos partidos políticos, entidades fechadas sobre si, que nos últimos cinquenta anos gerem uma clientela que encontrou no exercício político um emprego, uma via de acesso a lugares ditos «de confiança política» no Estado e na administração pública, de promoções e outros benefícios decorrentes da gestão dos interesses de Estado.

Estou certo que as vozes de protesto que se erguem contra o descrédito da vida política, contra os valores democráticos e humanistas não são uma solução para alguns problemas que teimam em persistir.

A burocracia de estado, a degradação dos serviços públicos, os baixos salários, a precariedade laboral, a baixa mobilidade social apesar da democratização do ensino e da economia aberta.

As assimetrias territoriais. As famílias que se perpetuam no centro das elites políticas, económicas e sociais.

Nas últimas décadas poucas vezes teremos sido confrontados com a escolha entre a civilização e a barbárie. Entre os valores que promovem o humanismo e aqueles que criam barreiras, segregam, limitam.

O poder local não sai impune do estado a que se chegou. Quem é que hoje pode levantar o dedo e afirmar-se com uma voz do Algarve. Parece coisa parola mas o que isto revela é a fraca representatividade, as poucas qualidades técnicas e humanas de quem nos representa. As autarquias
não têm quadros competentes e a liderança não se faz sentir fora dos gabinetes presidenciais.

Nem tudo segue a mesma regra que parece resultar em prejuízo constante da região.

A iniciativa dos municípios de Albufeira, Loulé e Silves, o «Algarvensis», aspirante a Geoparque Mundial da UNESCO, é um exemplo onde se acham muitos méritos. Incidir sobre áreas do interior, um deles.

A cooperação intermunicipal, outro.

Duas circunstâncias que importa louvar no contexto de numa região dada a voos rasantes, o suficiente para levantar os pés, e de uma incapacidade crónica dos municípios de considerarem o território para lá das fronteiras.

O interior do país, de características eminentemente rurais, enfrenta problemas gravíssimos de abandono. O Algarve não é exceção e o apelo do mar tem ditado o êxodo das populações da serra para
as cidades do litoral.

Não é fácil inverter a situação. Não se vive no interior pelo usufruto idílico da paisagem. A ocupação do território tem correspondido ao longo dos séculos a determinações objetivas. A proximidade dos recursos naturais, água e solos aráveis, defesa do território, sobretudo no caso das povoações ao longo da fronteira.

Hoje poucas dessas razões obrigam à permanência longe dos grandes centros urbanos. O abandono desse território parece ser uma inevitabilidade.

A população ativa do interior é obrigada a descer ao litoral para trabalhar. O lucros da atividade agrícola são cada vez mais um complemento ao emprego no setor turístico ou nos serviços da administração central e local.

Os serviços básicos, públicos e privados, cada vez mais regidos por critérios de custo/benefício, concentram-se nas cidades. Vai faltando quase tudo, desde a saúde a um simples multibanco.

O que o Geoparque propõe não é um modelo de desenvolvimento diferente daquele que a região já tem assente no turismo. Mas é o possível. Criar economia assente em critérios que promovem uma exploração dos recursos de acordo com valores ambientais e de respeito pela identidade das populações.

É fácil criticar a iniciativa. Encontrar soluções para estancar a sangria que vive o interior é que tem sido complicado.

O Algarve tem um histórico que lhe permite saber os caminhos que deve percorrer, as opções que tem que rejeitar. As soluções que deve implementar.

O Geoparque é um dos poucos e bons exemplos de tentativa de intervenção no território. Haja vontade e discernimento para chegar ao fim do caminho.

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