O destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve de Vila Real de Santo António

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Nem todos os que hoje visitam o Centro Cultural António Aleixo, em Vila Real de Santo António, têm conhecimento de que naquele espaço existiu, muito antes da construção da designada “Praça da Verdura”, um quartel militar do Regimento de Artilharia do Algarve. Com efeito, subsistiu durante muito tempo a ideia de que a antiga alfândega teria sido o primeiro edifício da nova vila iluminista. De facto, a primeira pedra da vila pombalina da foz do Guadiana foi simbolicamente colocada no dia 17 de Março de 1774, numa cerimónia onde estiveram presentes as autoridades civis da Câmara de Arenilha e demais oficialidade. Isto não quer dizer, porém, que esta alfândega tenha sido o primeiro edifício a ser concluído. Tal como podemos comprovar no Prospecto da V.ª de S. Antº. d’. Arenilha, tirada no dia 28. de Março, e feita (…) pello Sargento mor Joze de Sande Vasconcellos, à guarda do Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, seis dos sete quarteirões que compõem a fachada pombalina já se encontravam a ser construídos, sendo que o edifício da alfândega se encontrava em avançado estado de construção e um dos edifícios das Reaes Pescarias se encontrava aparentemente terminado, tal como o quartel militar destinado a albergar as tropas(PT/AMVRS/CMVRS/D1-E36-P01). Refira-se, aliás, que Sande Vasconcelos voltou a representar o “aquartelamento” destinado a albergar os militares incumbidos de defender a nova vila régia na Planta da Vila de Santo António de Arenilha, de Outubro de 1774 (PT/AMVRS/1221). Posto isto, convém esclarecermos o que era o Regimento de Artilharia do Algarve e qual o seu impacto na História de Vila Real de Santo António.

Pormenor do quartel do destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve no Prospecto da V.ª de S. Antº. d’. Arenilha, tirada no dia 28. De Março, e feita no dia seguinte pello Sargento mor Joze de Sande Vasconcellos, em 1774. PT/AMVRS/CMVRS/D1-E36-P01

Tal como podemos verificar em Novos subsídios para a história da Artilharia Portuguesa, este regimento com quartel em Faro foi oficialmente constituído em Setembro de 1774. Segundo o general Teixeira Botelho, autor da supracitada obra, a razão pela qual foi formado este regimento é desconhecida, apenas sendo conhecido um documento de 1794 em que o seu comandante refere que “por algumas razões políticas, o nosso ministério resolveu em Setembro de 1774 formar um novo Regimento de Artilharia, composto de gente veterana…”. Esta afirmação de Teixeira Botelho parece-nos, no entanto, algo ingénua face às reformas que então se operavam a nível da política nacional. Com efeito, a constituição do Regimento de Artilharia do Algarve encontra-se umbilicalmente relacionada com o Plano de Restauração do Reino do Algarve, de que é parte integrante o projecto pombalino para Vila Real de Santo António. De facto, não é concebível a concretização de qualquer projecto de natureza política e socio-económica, como a edificação de uma vila-régia voltada para Espanha, sem o efectivo controlo militar do território. Nesse sentido, não deixa de ser sintomático o início da construção da então Vila Real de Santo António de Arenilha semanas após a assinatura do Tratado de Paz entre Portugal e Marrocos de Janeiro de 1774. Tratado, aliás, fundamental para se viabilizar em segurança a construção da nova vila régia que se pretendia como símbolo de afirmação do Estado português face ao Estado espanhol. Do mesmo modo, não deixa de ser sintomática a constituição oficial do Regimento de Artilharia do Algarve em Setembro de 1774, mês e ano em que é ratificado o referido Tratado de Paz e num momento em que se encontra em curso a construção de uma vila guarnecida por um destacamento do supracitado regimento, principalmente, se tivermos em consideração que as hostilidades entre Espanha e Portugal não cessaram com o fim da Guerra Fantástica de 1762.

Pormenor do quartel do destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve na Planta da Vila de Santo António de Arenilha, de Outubro de 1774. PT/AMVRS/1221

Damião António de Lemos Faria e Castro, no último volume da Historia Geral de Portugal e suas Conquistas, e José de Sande Vasconcelos, nas suas cartas conhecidas por “Manobras Militares”, registam o papel de destaque que teve o Regimento de Artilharia do Algarve durante as festividades da inauguração de Vila Real de Santo António, nos dias 13, 14 e 15 de Maio de 1776. De facto, diz-nos este engenheiro militar que, na manhã do dia 13 de Maio, o Regimento de Artilharia do Algarve tomou posição na praia em frente à alfândega voltada para Espanha, onde disparou uma “salva de 21 tiros de peça(PT/AMVRS/1223). Do mesmo modo, também foi este destacamento que, pelas 17 horas da tarde do mesmo dia 13 de Maio de 1776, tomou posição na praia em frente à alfândega para o momento de maior solenidade: “dar a salva quando se descubrice a Coroa Regia do Oblisco(PT/AMVRS/1224). De facto, foi esta manifesta demonstração de poder de fogo a justificar o facto de Faria e Castro, notoriamente desconfortável com a natureza belicista das festividades, utilizar no seu testemunho expressões como “descargas de artilharia que retumbavam nos horizontes próprios, e alheios(Vol. XXI, Liv. III, Cap. II).

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Representação dos uniformes do Regimento de Artilharia do Reino do Algarve em Divisas de los Regimientos de Infantería y Caballería del Reyno de Portugal. Biblioteca Nacional de España, MSS/10043

Refira-se, a título de curiosidade, que a obra Divisas de los Regimientos de Infantería y Caballería del Reyno de Portugal, à guarda da Biblioteca Nacional de Espanha, dá-nos conta do uniforme do Regimento de Artilharia do Algarve, já depois das reformas militares operadas no exército português pelo Conde de Lippe. Findas as festividades, foi o “grosso Destacamento (…) da Artilharia” do Regimento do Algarve a ficar aquartelado na nova vila régia, confirmando a estratégia de guarnecer Vila Real de Santo António com uma força militar preparada para abrir fogo em caso de necessidade. Documentos como o Mapa de toda a tropa que guarnece o R.no do Algv., de 31 de Janeiro de 1788, revelam que este destacamento era então formado por cento e oito homens (cem soldados, cinco cabos, um alferes, um segundo tenente e um primeiro tenente), constituindo, portanto, o maior destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve (B.N.P., C.PAR.113,CF03). De resto, a operacionalidade desta tropa, incumbida de defender Vila Real de Santo António, acabaria por ficar bem patente aquando da vitória portuguesa na Grande Batalha do Guadiana, no contexto da Guerra das Laranjas de 1801. Para os interessados neste tema, recomenda-se a leitura de VRSA: cartografia de uma vila régia artilhada contra Ayamonte, a publicar em Novembro, no próximo volume das Jornadas de Historia de la muy noble y leal ciudad de Ayamonte.

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