O planeta Terra em harmonia com a natureza

A Terra, no quadro em que se nos apresenta hoje, é o resultado de um sem número de agressões sofridas ao longo da sua velhíssima história

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O nosso Planeta, velho de cerca de quatro mil quinhentos e quarenta milhões de anos, lar da biodiversidade, incluindo a humanidade inteira, não foi sempre como hoje o conhecemos.

Esta nossa Terra, um ponto azul na imensidade do espaço cósmico, é o resultado de uma longa e complexa evolução, e o Homem é o fruto mais jovem dessa mesma evolução, numa cadeia imensa de inter-relações em que participaram as rochas, os solos, a água, o ar e os seres vivos. Assim, interessa ao cidadão em geral, como criatura consciente que é no quadro da Natureza, conhecê-la melhor, a fim de bem avaliar os problemas que se lhe põem no seu relacionamento com o ambiente natural.

Na evolução da matéria, segundo Teilhard de Chardin (1881-1955), o grau de complexidade que esta assumiu foi crescente desde o início do tempo deste nosso Universo, isto é, nos treze mil e oitocentos milhões (13 800 000) de anos da sua existência. Das partículas subatómicas primordiais passou-se aos átomos e, só depois, às moléculas, cada vez mais complexas. A partir destas, a evolução caminhou no sentido das células mais primitivas que fizeram a sua aparição na Terra há mais de três mil e oitocentos milhões de anos (3 800 000 000 anos), pensa-se que através de uma cadeia abiótica de estádios progressivamente mais elaborados, onde o ensaio e erro e o sucesso ou insucesso das soluções encontradas, isto é, os produtos sucessivamente sintetizados, tiveram a seu favor tal imensidade de tempo, da ordem de 75% ou mais da idade do Universo. Dos seres unicelulares, rudimentares, aos primeiros organismos pluricelulares, surgidos há setecentos a oitocentos milhões de anos, foi consumido apenas cerca de 20% desse mesmo tempo. Restou, pois, pouco mais de 5% para que, numa nova cadeia de complexidade, sempre crescente e a ritmo cada vez mais acelerado, se caminhasse dos invertebrados primitivos ao Homem. Do nosso aparecimento na Natureza, há cerca de 2,3 a 2,5 milhões de anos, como Homo habilis, onde representamos o passo mais recente da escala evolutiva, aos dias de hoje, foi um passo de apenas 0,0001% do tempo universal da criação.

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Face à eternidade do tempo que falta cumprir a este nosso planeta, estimado em cinco a seis milhares de milhões de anos, a presença do Homem na Natureza é ainda extraordinariamente curta e insignificante à escala da evolução biológica e, portanto, passível de erro, como aconteceu com inúmeras espécies no decurso dessa mesma evolução.

O Homem, feito dos mesmos átomos de que são feitas as estrelas, os minerais, as plantas, os outros animais e tudo o mais que existe, é matéria que adquiriu complexidade tal que se assumiu com capacidade de se interrogar, de se explicar e de intervir no seu próprio curso e no do ambiente onde foi “fabricado”. Ele é o estado mais avançado de combinação dessa mesma matéria, capaz de fazer aquilo a que chamamos Ciência, isto é, observar, descrever, relacionar, explicar, induzir, prever. O Homem, na sua possibilidade de adquirir conhecimento e de o transmitir, é a manifestação mais elaborada da realidade física do mundo que conhecemos, na qual foi consumida a totalidade do tempo do universo. Assim, a Ciência, através do Homem, pode ser entendida também como expoente máximo da matéria que se questiona a si própria. Pode dizer-se que a Natureza “pensa” através do cérebro humano e, com igual razão, pode aceitar-se que o Homem deu voz à Natureza. Tais capacidades colocam-nos a nós, humanos, numa posição de grande vantagem entre os nossos pares no todo natural. Mas teremos nós o direito de gerir a Natureza apenas em nosso proveito, agredindo-a como tem sido regra, sobretudo, a partir da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, e em crescimento exponencial nos tempos que se seguiram?

A Terra, no quadro em que se nos apresenta hoje, é o resultado de um sem número de agressões sofridas ao longo da sua velhíssima história. Contudo, e em consonância com James Lovelock (1919-2022), na sua hipótese “Gaia”, a Terra é um corpo que se autorregula e, como tal, sempre soube encontrar resposta a todas essas agressões e vai, sem dúvida, continuar a fazê-lo. Os danos que lhe podemos causar, no mau uso que dela fizermos, é mudar-lhe as condições que nos são favoráveis e que bem conhecemos, dando origem a outras, ainda desconhecidas, que nos poderão ser altamente adversas. Assim, ao atentar contra a Natureza, o Homem está, certamente, a atentar também contra si próprio, contra a humanidade. Acaso deixou de existir mundo natural aquando das grandes extinções em massa, como a que se verificou há cerca de 65 milhões de anos que, entre muitíssimos outros grupos biológicos, levou ao desaparecimento dos dinossáurios não avianos?

Numa ânsia desenfreada de lucro e de prazer, a civilização industrial incontrolada pode desencadear uma nova extinção em massa que, certamente, a vitimará a ela também. Porém, o planeta – e os geólogos têm consciência disso – irá prosseguir, mesmo sem a inteligência do Homem, e acabará por encontrar novos caminhos, em obediência apenas às leis da física, incluindo as do acaso, podendo voltar a ensaiar um outro ser inteligente ou, até, mais inteligente do que esta versão moderna do Homo sapiens, que somos nós. Para tal só necessita de tempo, de muito tempo, e isso não lhe irá faltar, uma vez que como se disse atrás, estimamos em mais cinco a seis mil milhões de anos a sua existência como planeta, até que o Sol, na sua evolução como estrela, o envolva num imenso brasido.

Perante quem deve o Homem prestar contas da maneira como decide articular-se com a Natureza? É, sem dúvida, aos outros Homens, ou seja, à Sociedade, que cada um de nós tem de responder pelo poder de decisão e pela liberdade de acção que as nossas imensas capacidades nos conferem. Se o Homem deu voz à Natureza, a Sociedade deu-lhe ética e assume-se no direito de estabelecer regras entre os seus pares no usufruto deste vasto condomínio. Sendo certo que a capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente desta mesma Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe o acesso aos conhecimentos que, desde sempre, a Ciência nos vem revelando.

Galopim de Carvalho (geólogo)

através da Associação Portuguesa de Imprensa

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2 COMENTÁRIOS

  1. Uma vez mais, o mestre Galopim de Carvalho nos vem brindar com mais um naco da sua vasta erudição, não só técnica, mas igualmente humanista, num relance necessariamente rápido, em que aflora o Big Bang, que, note-se, não é uma explosão no Espaço, mas sim uma expansão do próprio Espaço, visto que quer este, quer o Tempo, só tiveram origem com o próprio Big Bang.
    Devido à incomensurável temperatura, logo que este ocorreu, apenas havia energia radiante e não matéria, cujas incipientes condições de formação só lograriam ter lugar, quando aquela desceu substancialmente e permitiu que as partículas quânticas se principiassem a agregar, sob a forma de protões, que viriam a constituir o primeiro elemento e mais comum no Universo, o hidrogénio, o combustível das estrelas.

    Esta possibilidade de transmutação de energia em matéria e vice-versa viria a ser condensada, bem perto de nós, na fórmula E = mc² (em que “E” define energia; “ m “ massa e “ c “ – do lat. ‘celeritas’, velocidade – a velocidade da luz no vácuo), pela mão do génio Einstein, na sua Teoria da Relatividade Especial.

    De um modo igualmente muito interessante, o mestre dá um salto no tempo de muitos milhões de anos e aborda o aparecimento dos seres unicelulares, cuja complexidade ocorrerá, desde os invertebrados primitivos, até animais e plantas.

    Toda esta evolução não ocorre por acaso.
    Como todos sabemos, da união de um cão e de uma cadela serão gerados novos cães, do mesmo modo que, se semearmos sementes de abóbora, colheremos abóboras e assim por diante, ou seja, de indivíduos com o mesmo ADN será de esperar que resultem réplicas da mesma raça ou variedade.

    Porém, nem sempre foi (é) assim.
    Ocorre, embora muito pontualmente, que o novo ser vivo não reúna as exactas características esperadas, ou seja, que estas não sejam exactamente as dos seus progenitores ou da planta-mãe que lhe deu origem e que tenha tido lugar uma mutação genética, a qual está na base da Evolução das Espécies.

    Não foi por acaso que a perspicácia de Darwin o levou a desenvolver a sua Teoria do Evolucionismo, escandalizando a sociedade vitoriana do seu tempo, quando defendeu que o homem tinha tido macacos como antecedentes, na escala da Evolução da vida.

    Esta é a prova de que a Natureza se engana, pontualmente, na replicação da características do(s) ser(es) vivo(s) em presença, ou mais precisamente, na troca de lugar de uma das quatro bases azotadas que integram a longa fita em hélice do ADN daquele(s).

    Não é por acaso que, no caso dos seres humanos, acontecem algumas deformidades como, por exemplo, a Trisomia 21 ou Mongolismo ou Síndroma de Down, em virtude de essas pessoas apresentarem 3 cromossomas, em vez de 2 (o normal), no par 21 do seu cariótipo.
    Obviamente, porque são humanos, os indivíduos que apresentam o Síndroma de Down e outros síndromas, como os de Patau ou de Edwards, para citar apenas mais estes dois, são devidamente tratados e seguidos.
    Só que na Natureza, ao longo dos milhões de anos, não havia piedade e a suas gerações não tinham continuidade e desapareciam.
    Contrariamente, se a mutação desse origem a um indivíduo mais habilitado para sobreviver, seria a sua estirpe a continuadora da espécie, em detrimento das existentes.

    Esta foi, em toda a sua crueza, ao longo dos muitos milhões de anos, a Evolução das Espécies, de que resultou a miríade de seres vivos que hoje conhecemos, além dos que já desapareceram.

  2. Como prova de que a nossa (minha) ignorância não tem limites, tive, apenas há momentos, a agradabilíssima notícia de que o Prof. Galopim de Carvalho é irmão do saudoso cantor da minha infância Francisco José, intérprete imortal de :

    – Olhos Castanhos
    – Nem às Paredes Confesso
    – Guitarra Toca Baixinho
    – Estrela da Minha Vida (que dedica à mãe)

    E tantos, tantos outros êxitos, a que a sua voz de virtuoso intérprete deu corpo, num tempo, em que só medrava e se impunha quem, verdadeiramente, dominava a arte do canto, bem contrariamente aos tempos que correm, em que “vemos” (ouvimos), por vezes, muitas vezes, subirem, meteoricamente, na fama, algumas vozes, que confrangem ouvir, para usar de um eufemismo e ser brando na apreciação …

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