O que é isso de ser semita?

Já tinha um tema preparado para hoje, mas toda esta confusão no Médio Oriente alterou-me os planos! Tenho lido e visto muita coisa sobre a actual situação e devo confessar que as minhas expectativas não são nada optimistas. Só mesmo algo de surpreendente (eu diria um milagre) as poderá alterar. Devo dizer que estive em Israel durante a 1.ª Intifada (em 1988) e tenho amigos judeus e palestinianos (isto é, de ambos os lados do conflito e com diferentes visões sobre ele).

É algo obscura a origem de palestinianos e judeus, dois povos do tronco semita, que desde tempos imemoriais partilham o mesmo naco de terra (que tanto é chamada de Judeia, como de Palestina). Discordo da caracterização de um povo por atributos genéticos, mas acredito que as circunstâncias históricas podem moldar comportamentos que muitas vezes são interpretados (quanto a mim, erradamente) como características étnicas. Assim, reconheço existirem particularidades comuns aos dois povos: a determinação (iria dizer mesmo obstinação) e a infinita resiliência não são, certamente, as menores, frutos prováveis de uma História semelhante. Partilham por isso o mesmo tipo de destino: disseminarem-se pelo Mundo, algo entre a emigração e o exílio a que poderemos chamar diáspora.

Desde há muitos séculos que neste pedaço de terra mediterrânica, formalmente parte da Ásia, confluem rotas culturais e comerciais da Ásia Central, da África e da Europa. É também nesta região que tiveram origem três das maiores religiões monoteístas mundiais: o cristianismo, o maometanismo e o judaísmo, todas tendo na Cidade de Jerusalém um dos seus locais mais sagrados. Não por acaso, têm figuras comuns: Abraão e Jesus (que era judeu), embora este último seja diferentemente interpretado em cada uma delas. Segundo a Wikipédia, “no contexto islâmico, Jesus (transliterado como Issa) é considerado um dos mais importantes profetas de Deus e o Messias.

Para os muçulmanos, Jesus foi aquele que trouxe as escrituras e é filho de uma virgem, mas não é divino, nem foi vítima de crucificação.

O judaísmo rejeita a crença de que Jesus seja o Messias aguardado, argumentando que não corresponde às profecias messiânicas do Tanakh” (Bíblia judaica) e no cristianismo, faz parte da Santa Trindade. Como se tudo isto não bastasse, os grandes impérios europeus, turcos, árabes, otomanos e até mongóis, assenhorearam-se da região por períodos mais ou menos longos. Já antes da divisão do Império Romano em dois (um centrado em Roma e outro em Bizâncio/Constantinopla/Istambul), e da carnificina das Cruzadas, a região tinha sido palco de grandes confrontos, fruto da sua privilegiada localização. Essa situação verifica-se até agora: da rivalidade entre os impérios francês e britânico, e das divisões territoriais produto das duas guerras do século XX, nasceram a Palestina e o Estado de Israel. Daí para a frente a História, embora confusa, é conhecida: o que foi estabelecido entre as potências, na Sociedade das Nações e na Organização das Nações Unidas, pouco foi respeitado e o povo hebraico, com fortes ligações à Europa e aos Estados Unidos, tem sucessivamente conseguido alargar os limites que lhe tinham sido determinados, à custa de territórios militarmente conquistados ao povo palestiniano.

Produto dessa usurpação sistemática, muitos palestinianos têm sido deslocados para partes menores e menos autónomas dos seus antigos territórios (como por exemplo a Faixa de Gaza) ou para campos de refugiados como o de Dheisheh criado em 1949 na Palestina, a sul de Belém, um dos mais antigos do mundo, destinado a albergar temporariamente os palestinianos deslocados durante a guerra de 1948 entre países da Liga Árabe e Israel. São já 75 anos de vida refugiada ou, por outras palavras, três ou quatro gerações de vida deslocada dentro da sua própria terra!

E é nesta situação que estamos! Se concordo com os actos terroristas e radicais do Hamas? Obviamente que não, e comigo, muitos milhares de palestinianos! Se concordo com a atitude terrorista, radical e sistemática do Estado de Israel de fomentar a criação de kibutzes em territórios ilegalmente ocupados, de expropriar terras palestinianas e na prática, incrementar um regime de apartheid? Obviamente que não, e comigo, muitos milhares de israelitas! De ambos os lados, o extremismo radical é mau conselheiro e dificilmente levará a algum outro lado que não seja o confronto. O desejo cego de exterminar o outro (os radicais israelitas querem exterminar os palestinianos e os radicais palestinianos querem exterminar os israelitas), só trará mais antagonismo, ódio e sofrimento para todos. A cegueira de parte a parte só prenuncia uma prolongada luta fratricida entre dois povos com as mesmas raízes étnicas, a mesma determinação e a mesma resiliência. Em resumo, prenuncia-se uma luta até ao fim dos tempos.

(Quando estive em Israel, tive o privilégio de conhecer Teddy Kollek, então Presidente da Câmara de Jerusalém e laureado, nesse ano, com o Prémio para a Liberdade de Culto do Instituto Roosevelt. Numa cidade como Jerusalém, creio que a liberdade de culto é o ponto de partida para qualquer conciliação mas, infelizmente, o culto dessa liberdade -e de outras- parece ter morrido com ele! Salva-se a coragem de António Guterres!).

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