A ditadura na pele é uma coisa distante aqui tão perto. Uma parte significativa
da população portuguesa já nasceu depois dos acontecimentos do dia 25 Abril de 1974. Muitos dos que lhe são anteriores ainda não tinham consciência para sentir e avaliar os condicionantes do regime. Quem entrava na adulta idade dos 18 anos tem hoje 68. Uma pequena minoria, que ainda hoje está viva, terá vivido esse tempo beneficiando de situação de privilégio que todos os regimes
proporcionam às suas elites. Os outros viviam um país pobre, analfabeto, infinitamente crente. Não era difícil apontar a máquina fotográfica às muitas manifestações da vida comunitárias, ou das próprias gentes e registar momentos carregados de evocações medievais.
Gente descalça, tapadas com panos na cabeça aos pés, homens e mulheres a fazerem a vez dos animais a puxarem os barcos pesados de peixe para a areia. Aldeias de pedra que em nada diferiam dos castros anteriores a ideia de Portugal. Não era difícil, na esquina da revolução de abril mostrar a ruralidade de Lisboa numa fotografia que retratava um rebanho a atravessar a cidade. As hortas vizinhas dos prédios que acolhiam os sucessivos êxodos da província que rumavam à capital.
E a contrastar com tudo isto o luxo do Estoril. O glamour festivo da Quinta Patiño. Nenhum país é apenas pobreza. Uma sardinha a dividir por três.
O Algarve, até aos anos 60, altura em que desponta o turismo na região, poderia descrever-se, usando para cada década anterior, a impressão que Raul Brandão passou a letra de forma, em 1922, no livro «Pescadores»:
«Tenho de atravessar o Alentejo isolado e concentrado, para chegar ao Algarve.
É uma província farta, mas a aparência esquelética, a árvore triste a que arrancam a pele em vida, o monte solitário, meteram-me sempre medo. É a terra do ódio. Tudo em que a gente põe a vista é duro e hostil.».
50 anos passados da Revolução dos Cravos o país é outro. O Algarve não é mais o mesmo. No entanto, numa região com mais pessoas, mais dinheiro em circulação, mais equipamentos públicos e serviços sociais continuamos, por razões distintas, a enfrentar os mesmos problemas de pobreza. Se antes faltava trabalho hoje o trabalho requere mais mãos de obra do que aquela que está disponível, no entanto é mal remunerado, precário e sazonal. acresce a essa realidade os problemas da mobilidade e a deficiente interligação entre as varias redes de transportes. A crise na habitação e os preços especulativos do arrendamento. Os números intoleráveis do abandono escolar intoleráveis. A pouca diversificação da economia. Os deficits na área da saúde. Problemas tantas vezes, e por tanta gente, apontados, mas sem resolução à vista.
Para quem entende que parte do problema do Algarve se deve à sua falta de compromisso regional – à ausência de uma consciência de região que se sobreponha aos vários interesses municipais – a regionalização tem sido perspetivada como a solução para desempatar tensões internas que quase sempre são um obstáculo a projetos estruturantes para a região.
A regionalização é, nesse sentido, entendida como o antídoto para a necessidade de superar rivalidades concelhias e o desprezo do poder central.
O Algarve, tanto pelas necessidades que apresenta, assim como pelas condições que tem para ser a primeira região piloto do processo de regionalização, devia ser a voz mais sonante a reclamar que se
cumprisse Abril. No entanto foi a norte, que o presidente da CCDR-Norte, lembrou que a regionalização “É uma promessa de Abril de tal maneira que está consagrada na nossa Constituição. A Constituição
diz que o país deve ser regionalizado e deve regionalizar. Depois deixa em aberto o mapa dessa regionalização e algumas questões, mas não põe em causa a regionalização”.