Coube ao PCP, a primeira denúncia pública no plano partidário, da situação vivida na CIMPOR-Loulé a braços com um processo de lay-off cujo desfecho é, para já, incerto. Denúncia que não esquece que só foi possível chegar à actual situação devido à privatização desta empresa estratégica para a economia nacional, desenvolvida em diferentes fases e por diferentes governos – do PS, do PSD e do PSD-CDS – e que a colocou, não ao serviço dos interesses e necessidades do país, mas ao serviço do lucro da multinacional brasileira que a comprou, a Camargo Correa. A fábrica de Loulé, sendo a principal unidade industrial situada no Algarve é, apenas e só, uma das mais de 30 fábricas de cimento que esta multinacional detém, logo, uma carta que pode bem saltar do baralho dos accionistas brasileiros, como aliás estamos a ver.
A histeria que se está a viver em torno dos resultados alcançados pelo sector do turismo, que beneficiam, e muito, de uma conjuntura internacional favorável à afirmação de Portugal como um destino turístico alternativo aos países do médio oriente e norte de África – alvos de enorme instabilidade, ingerências e guerras – tendem a apagar a necessária defesa e valorização dos sectores produtivos nacionais. Por maioria de razão, é essa a realidade que se está a viver no Algarve, onde se vão multiplicando uns mercadinhos de produtos hortículas, umas feiras de produtos tradicionais, mas onde as questões de fundo do aparelho produtivo regional continuam adiadas.
A meu ver, trata-se não só de um erro de análise quanto ao presente mas, sobretudo, uma opção que compromete o futuro. Neste caso concreto, o cimento é uma matéria prima estratégica para qualquer país e a capacidade da sua produção em Portugal um elemento da nossa própria soberania. E como em tantas outras situações, o cimento que não se produzir em Portugal, terá que ser comprado ao estrangeiro, aumentando a nossa dependência externa, agravando a balança comercial, sujeitando o país a regras e preços de mercado, não poucas vezes especulativos.
Sendo que a actual situação que se vive na CIMPOR-LOULÉ, para lá das consequências imediatas que tem para os seus trabalhadores, os directos, mas também, os muitos indirectos que trabalham para empresas subcontratadas pela CIMPOR, com despedimentos e perdas nos salários e direitos, está a ter também impactos noutras actividades. O caso mais recente, prende-se com o porto de Faro, o único porto comercial do Algarve e que, até há bem pouco tempo tinha como principal cliente, a CIMPOR. De acordo com a Autoridade da Mobilidade e Transportes, a movimentação de mercadorias neste porto terá caído 45% nos primeiros nove meses deste ano em relação a igual período do ano passado, sendo que também aqui se colocam ameaças quanto aos postos de trabalho neste porto.
E quando se esperava ouvir das entidades locais, designadamente por parte das autarquias, uma palavra de questionamento do governo minoritário do PS sobre as medidas que são necessárias para repor a produção de cimento, bem como, a redinamização e diversificação da actividade do porto comercial de Faro, como aliás já fez o PCP na Assembleia da República, aquilo que apareceu, designadamente por via do Presidente da CM de Faro (PSD), foi o desenterrar de uma velha aspiração de alguns grupos económicos, visando a transformação deste porto em mais uma marina de recreio, para juntar às muitas que o Algarve já tem.
Não há, nem pode haver, nenhuma reserva em relação ao desenvolvimento e aposta no sector do turismo e muito menos, uma desvalorização do seu contributo para a economia nacional (não vou chamar para aqui os problemas dos salários e condições de trabalho dos trabalhadores da hotelaria). Mas isso não pode significar que o Algarve prescinda do direito que tem de desenvolver as suas potencialidades produtivas, a começar pela defesa daquelas que já estão instaladas como é o caso da produção de cimento. Nas actuais circunstâncias, nem o governo pode assobiar para o ar dizendo que se trata de um problema de um grupo económico privado, nem os trabalhadores e as populações do Algarve, podem aceitar que o futuro daquela empresa, seja um enorme buraco ao lado do IKEA (cujo cimento utilizado na construção é… espanhol).
Vasco Cardoso
Membro da Comissão Política do PCP