Peregrino (e atleta) algarvio

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José Júlio de Brito cansou-se da vida acelerada, colocou uma mochila às costas e partiu de Vila Real de Santo António até Fátima, há 12 anos. A partir desse dia a sua filosofia de vida mudou e começou a fazer peregrinações anuais, durante as suas férias. No meio das suas caminhadas, aos 38 anos, foi desafiado a experimentar o atletismo, sendo campeão em várias categorias e atingindo recordes

No ano de 2010 a vida de José Júlio Patrício de Brito mudou. Cansado da vida “muito acelerada a nível de trabalho e de estudo”, decidiu colocar “um parêntesis, a mochila as costas” e sair de Vila Real de Santo António (VRSA), onde reside, em direção a Fátima, pelos próprios pés.
“Saí sem qualquer tipo de rumo e sem experiência nenhuma. O objetivo era caminhar durante 10 dias. Antes trabalhava e fazia um intervalo para viver. Agora eu vivo e faço um intervalo de oito horas para trabalhar”, explica ao JA.
Esta primeira peregrinação apresentou “dificuldades físicas” logo ao segundo dia, pois “há muitos perigos na estrada com viaturas e animais”, além do Peregrino Algarvio, como é conhecido, não estar ainda preparado fisicamente.
“A primeira peregrinação que fiz foi em busca de mim próprio, porque eu já não me reconhecia. Eu era muito sorridente, mas com o trabalho ganhei alguma obsessão e tive durante muitos anos um ritmo muito alucinante em que só dormia quatro horas. Estudava e trabalhava em vários sítios ao mesmo tempo e vi-me obrigado a fazer essa pausa, porque via a vida a passar ao lado, sem aproveitar nada”, conta.
A partir dessa peregrinação, José Júlio, de 46 anos, começou a criar desafios para si próprio, como aconteceu em 2012 quando percorreu Portugal a pé desde VRSA até Chaves, seguindo ainda até Santiago de Compostela, em Espanha.
Para esta travessia, que decorreu no verão, o Peregrino Algarvio começou a preparar-se fisicamente com corridas de montanha, dois meses antes, e participando numa prova em Ronda, em Espanha, “sem qualquer objetivo de tempo ou de classificação”, simplesmente para “treinar a resistência e ver se conseguia superar o desafio”.

Ser peregrino é uma aventura

No interior algarvio e do Alentejo, José Luís sentiu temperaturas de cerca de 50 graus, “em que a água do cantil chegou a ferver duas vezes”, mas a ajuda está (felizmente) sempre à espreita.
“Sempre tive ajuda de algumas pessoas que ia conhecendo pelo caminho. Houve um casal que não me conhecia de lado nenhum que me acolheu na sua casa como se fosse um filho”, salienta.
Pelo caminho, o Peregrino Algarvio, que é natural de Tavira, “ficava a dormir maioritariamente em quartéis de bombeiros, que estavam sempre de porta aberta”.
No entanto, uma das dificuldades deste tipo de travessias e caminhadas no Algarve e Alentejo é a falta de albergues para peregrinos e a sinalização oficial dos Caminhos de Santiago.
“Houve marcação em algumas zonas de Faro pela Estrada Nacional 2 e em Tavira, feita por um grupo de estrangeiros por iniciativa própria, mas pode ser enganoso, pois o caminho não está totalmente marcado e há aldeias vazias e isoladas no interior, que pode ser um risco”, explica.
José Júlio costuma dizer que vai à deriva e por sua conta: “Nunca sei onde é que vou ficar e vou sem nada planeado, nem onde vou dormir ou comer. Acabo por dormir nos quartéis, casas paroquiais ou em casas de pessoas que me acolhem. Até hoje nunca fiquei na rua”, acrescenta.
Dois anos depois surge um novo desafio: a travessia de Portugal pela costa, desde VRSA até Sagres, seguindo depois em direção a Santiago de Compostela.
Ao todo foram 30 dias a caminhar, numa média de 40 quilómetros diários, com um total de 1200 quilómetros, naquela que foi “uma boa experiência” onde passou por “todas as situações possíveis”.
“Apanhei chuva, houve uma tentativa de ataque por parte de gaivotas (provavelmente associado à proteção dos seus ovos) e de cães abandonados que me perseguiram por vários quilómetros”, conta.
Uma das próximas peregrinações será a Via da Prata, que começa em Sevilha até Santiago de Compostela, além de outro caminho de Santiago que deverá fazer a partir do Porto ainda este ano, “porque é um Ano Jacobeu, que é quando o Dia de Santiago calha a um domingo”.
Para o futuro, uma das próximas travessias terá Roma como objetivo final: “Gostava de sair de VRSA e passar por dois santuários marianos e dois de apóstolos. Em Portugal irei a Fátima, depois Santiago de Compostela, seguindo para Lourdes em França e terminando em Itália, junto ao túmulo de S. Pedro”.
No entanto, esta travessia precisará de “uma logística enorme” e cerca de três meses a caminhar, todos os dias, passando por quatro países e quatro santuários, que poderá acontecer em 2023 ou 2024.
Outro dos objetivos deste peregrino é organizar um pequeno grupo e partir de VRSA até Fátima.
Para estas travessias, uma das suas únicas companhias é a mochila que leva às costas, que normalmente pesa entre 13 e 15 quilos. Dependendo do estado do tempo, a roupa pode fazer alguma diferença devido ao seu volume, mas também não falta comida e uma bolsa de primeiros socorros, que já foi necessária.
Mas ainda há um sonho por concretizar: contar todas as suas histórias destas travessias em livro, que já estão escritas, à espera de ver a luz do dia, e que apenas são contadas em tertúlias ou nas suas redes sociais, que usa como uma espécie de diário.

Das caminhadas à velocidade

Enquanto o Peregrino Algarvio estava a percorrer Portugal pela costa, em 2014 e com 38 anos, foi diversas vezes abordado acerca do seu aspeto físico.
“Um espanhol de Múrcia perguntou-se se eu fazia algum desporto e dizia que eu tinha o perfil e a estatura certa para o atletismo. Então comecei a pensar na situação e inscrevi-me no Clube Recreativo Alturense, no concelho de Castro Marim, e estive lá durante três anos”, explica o atleta ao JA no seu local de eleição para os treinos: o Centro de Alto Rendimento do Complexo Desportivo de VRSA.
Esta nova paixão “despertou já tarde” e em cerca de sete meses conseguiu conquistar alguns títulos na estrada, corta-matos e em pista.
“Havia potencial e entretanto acabei por vir para o Glória Futebol Clube de VRSA, onde participei pela primeira vez num campeonato nacional de pista coberta e ao ar livre. Não sabia para o que ia, mas acabei por ser campeão nacional de 800 metros de pista coberta”, conta ao JA, acrescentando que no verão seguinte ganhou o título de campeão nacional de 800 metros em pista ao ar livre.
Já em 2019 acaba por ser convidado para o seu “clube de coração”, o Clube Futebol Os Belenenses, que representa já pela quarta época.
“Eu nem gostava de correr. Na escola participava nos corta-matos porque era obrigatório mas não tinha qualquer gosto por aquela atividade. Se tivesse começado no atletismo de pequeno, poderia ter sido um atleta olímpico. Nunca fui atleta e não nasci no atletismo, mas o atletismo e a velocidade estava dentro de mim”, conta.
A nível internacional, José Júlio já foi representar Portugal à Polónia com “ajuda de várias pessoas”, pois “não existem apoios” e “é o próprio atleta que tem de suportar os custos e nem sempre é fácil”.
Para o futuro, tem prevista a participação no campeonato que vai voltar a decorrer na Polónia, em março do próximo ano, e no verão em Itália, além dos campeonatos nacionais, regionais e o universitário, onde representa a Universidade do Algarve.
“Quero tentar contrariar as estatísticas, porque eu costumo dizer que sou o Benjamin Button (filme onde a pessoa nasce idosa e com o tempo vai ficando mais nova) do atletismo. Normalmente os atletas começam de pequenino e eu comecei ao contrário, a andar para trás. Quero provar e mostrar que a idade é um número”, acrescenta.
Para estas provas, o atleta treina todos os dias, exceto ao domingo, maioritariamente em VRSA, mas também em Tavira, Faro ou Espanha.
Quando questionado pelo JA sobre a sua preferência entre as peregrinações e o atletismo, José Júlio refere que “as duas coisas estão interligadas: o atletismo são desafios que eu crio com o objetivo de me superar e a peregrinação eu necessito”.

Travessias e Peregrinações

2010 – VRSA – Santuário de Fátima
2011 – Caminho Francês de Santiago desde Saint Jean Pied de Port atravessando os Pirenéus – Santiago de Compostela – Finisterra
2012 – Travessia de Portugal pelo interior desde VRSA – Chaves
2013 – Caminho interior português desde Chaves – Santiago de Compostela
2014 – Travessia de Portugal pela costa desde VRSA – Santiago de Compostela
2015 – Caminho do norte e primitivo de Santiago desde Irún
2016 – Caminho inglês de Santiago de Compostela
2018 – Caminho da costa de Santiago de Compostela
2020 – Caminho ao Santuário da Sra. da Piedade – Loulé
2021 – Caminho de San Salvador e Primitivo de Santiago de Compostela

Clubes e distinções

Épocas 2014-2017 – Clube Recreativo Alturense
Época 2017-2018 – Beja Atlético Clube
Época 2018-2019 – Glória Futebol Clube de VRSA – 3 títulos nacionais
Época 2019-2023 – Clube Futebol Os Belenenses – 15 títulos nacionais e 8 distritais

Conquistas

Bi-Campeão Nacional 400m Pista Ar Livre
Vice-Campeão Nacional 800m Pista Ar Livre
Campeão Nacional 4x400m Pista Ar Livre
Vice-Campeão Nacional 4x100m Pista Ar Livre
Vice-Campeão Nacional 400m Pista Coberta
Vice-Campeão Nacional 880m Pista Coberta
Campeão Nacional 4x200m Pista Coberta
Campeão Distrital Lisboa 400m Pista Ar Livre
Vice Campeão Distrital Lisboa 800m Pista Ar Livre
Campeão Distrital Lisboa 4x400m Pista Ar Livre
Vice-Campeão Distrital Lisboa 4x100m Pista Ar Livre

Recorde Nacional 4x400m M35

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