Portugueses salvaram o verão algarvio

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Com avanços, recuos e solavancos nos fluxos dos nossos principais mercados emissores, foi aos visitantes portugueses que coube a “árdua tarefa” de salvar o verão algarvio. Salvaram-no, mas não a ponto de atingir os desejáveis números do período pré-pandemia, sobretudo 2019. Com a ajuda dos principais líderes empresariais nos setores do Comércio e Turismo, o seu JORNAL do ALGARVE faz esta semana o balanço do que foi o verão turístico da região

Os turistas portugueses escolheram o Algarve e com isso salvaram o verão, de acordo com todos os dados estatísticos e constatações empíricas confessadas ao JA pelos principais líderes empresariais ligados ao Comércio e Turismo da região, com quem falámos esta semana.

Os empresários reconhecem até que os resultados dos últimos meses superaram as expectativas mais pessimistas, que se baseavam num verão de 2020 quase catastrófico, por via da pandemia, das restrições impostas à circulação de pessoas e das crises económica e social que aquele ano trouxe consigo.

Ainda assim, face a 2019 os números de ocupações hoteleiras e vendas do comércio teimam em ter enfeites de “setinhas” de sentido descendente, pois a escolha algarvia dos portugueses não chegou para compensar as quebras no turismo de estrangeiros. Afinal, diz-se nos meios empresariais, os outros europeus mais não fizeram do que os nossos, do mercado interno: passaram férias “lá dentro”. Isto sem contar com os autênticos “solavancos” que os Governos dos mercados emissores impuseram aos seus nacionais, que os impediam de sair. Foi o caso do Reino Unido, com avanços e recuos impostos pelo Executivo de Boris Johnson, liberalizando saídas para logo a seguir obrigar os turistas britânicos a quarentenas dissuasoras.


De uma forma direta, os altos e baixos do Turismo estival no Algarve refletem-se em primeira instância nos números do alojamento hoteleiro e eles dão-nos uma boa indicação do que aconteceu de julho a setembro.


Assim, em julho a taxa de ocupação nas unidades hoteleiras foi de 50,8%, mais do que os 35,4% conseguidos em julho de 2020 mas substancialmente abaixo do último julho do período pré-pandemia (2019), quando a ocupação média alcançou uns interessantes 83,3%, de acordo com dados recolhidos pela Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).

Sempre segundo a AHETA, em agosto passado a taxa de ocupações alcandorou-se nos 79,5%, bem acima dos 59,5% de 2020 mas abaixo dos muito bons 92,9% de 2019.

“Em setembro, depende das zonas, mas foi um mês razoável face a outros meses de setembro. Mas há hotéis com quase 90% e outros com 15% de ocupação”, analisou, em conversa com o JA, o presidente da AHETA, Elidérico Viegas.


Para que se possa aferir do autêntico desastre que a pandemia representou para o verão algarvio de 2020, o dirigente empresarial assevera que, naquele ano, cerca de 20% dos hotéis e estabelecimentos classificados não abriram durante a época turística. Este ano a AHETA estima que a percentagem de não aberturas tenha sido só de 10%.

Portugueses ajudaram a “sazonalizar”

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Com a ajuda das estatísticas compiladas pela associação, Elidérico Viegas enfatiza o papel dos turistas portugueses, com a procura interna de 2021 a superar até os números do último ano pré-pandemia: “Para estas subidas nas ocupações de 2019 para 2021 contou sobretudo o aumento da procura interna. Os portugueses aumentaram pouco mais de 23% em julho mas 50,8% em agosto.


Um benefício de verão contrabalançado por uma desvantagem, que se reflete nos restantes meses do ano: “A procura interna é ainda mais sazonal do que a externa e isso acentuou ainda mais a fragilidade do turismo regional. Como a ocupação melhorou à custa do mercado interno, que concentra a procura apenas em alguns períodos do ano, de meados de julho a meados de setembro, em termos acumulados relativo a todo o ano de 2021 até ao fim de agosto, comparativamente a 2019 também até ao fim de agosto, ainda estamos com 59,3% de ocupação a menos e 54,8% de volume de vendas de negócios a menos.

A mesma AHETA fornece números que permitem aquilatar como, para lá das acelerações e travagens bruscas do Turismo de estrangeiros, a tendência generalizada dos principais mercados emissores foi no sentido descendente: este ano, o mercado inglês representou menos 82,6% desde janeiro, os alemães menos 88,8% e os holandeses menos 80% do que há dois anos.


Elidérico Viegas conclui: “O turista nacional não viajou para o exterior, à semelhança do que aconteceu com os habituais mercados emissores. E isto faz baixar muito a taxa média de ocupação anual. Em 2019, ela foi de 63,2%, em 2020 foram 27%. Para 2021 a previsão será ligeiramente superior mas não chegará aos 30%”.

Julho de 2021 pior do que o de 2020


As asserções do líder da AHETA são sufragadas, em boa parte, pelo delegado no Algarve da Associação Hoteleira de Portugal, João Soares: “Houve uma alteração em termos de mercados emissores, pois o português não ultrapassava os 40% e chegou a cerca dos 70% este ano”.


“O mês de agosto correu bem na generalidade com o mercado nacional e o mês de setembro está a correr bem. Acima do ano de 2020 mas ainda abaixo de 2019”, observa o líder da associação hoteleira nacional.


Contudo, em contra-ciclo, João Soares sustenta ter sido o mês de julho de 2021 “francamente mais fraco do que o de 2020”, ao contrário de agosto, que “correu bem na generalidade”.

“Em agosto deste ano, como as medidas foram aliviadas, o mercado nacional acabou por colmatar os problemas. O mercado nacional preencheu essa lacuna”, salienta, corroborando todos os líderes empresariais com quem o JA falou esta semana.


Quanto a Setembro, destaca o dirigente da AHP, “a primeira quinzena correu bem no mercado nacional e o mercado inglês começou gradualmente a vir para o Algarve”.

“Cabo das tormentas” ainda não foi passado


Vice-presidente da Associação da Indústria Hoteleira e Similares do Algarve (AHISA), Daniel Alexandre do Adro sublinha que naqueles setores (em que se incluem, além dos hotéis, os restaurantes, bares, cafés e pastelarias) o feedback dos associados tem sido positivo, mesmo acima das expetativas que tinham à partida: “Houve uma recuperação já para muito perto dos índices de 2019. Há casas que têm números até acima desse ano mas há outras que têm quebras de 20 a 30%, mesmo em relação a 2019. Há em todos os casos uma melhoria face a 2020”. Contudo, ressalva metaforicamente que “o verão encheu um pouco o ‘balão’ mas ele não está cheio”. Falta o empurrão final, uma Europa, um mundo, sem restrições.


Com um julho mais fraco, agosto e setembro foram meses melhores do que se esperava: “Agosto foi um mês francamente bom face às expetativas. Setembro continua essa tendência, tanto na hotelaria como na restauração. Isso também tem a ver com algum regresso dos estrangeiros. Houve essa recuperação, mas o que permitiu salvar esses meses foi a contínua aposta dos nacionais no Algarve e essa recuperação dos estrangeiros. Andámos aos solavancos mas recuperámos nesses mercados”, assinala Daniel Alexandre do Adro.

Todavia, o dirigente associativo ressalva que, tendo sido positivo, o verão deste ano “ainda não foi suficiente não o suficiente para resolver estes 18 meses em que se congelaram as receitas, [porque] passámos meses sem receitas”. E compara: “Não passámos ainda o ‘cabo das tormentas’. As perspetivas de navegação começam a ser mais positivas mas ainda estamos no meio de uma tempestade que agora começa a ser positiva”.


Os 18 meses que passaram desde a pandemia determinaram um longo período de carência de receitas, que o verão de 2021, por si só, não colmatou. E provavelmente, admite o líder da AIHSA, o programa do Governo para suavizar a cessação das moratórias de crédito, a 30 de setembro, não será suficiente para acorrer às situações mais difíceis: “Isto tem que ser analisado caso a caso. Vinte a 30% das empresas necessitam desta reestruturação de créditos. As linhas que estão a ser propostas são um pouco mais complexas do que as que vigoravam até agora e permitirão às empresas resolver as situações daqueles que precisam delas. As nuances ainda estão a ser cuidadosamente avaliadas empresa a empresa. O que se espera com esta medida é que aqueles que precisem dela devem ter condições de lhe aceder. Mas é mais complexo e não sei senão precisará de uma afinação do Banco de Fomento e do Governo. Não queremos deixar cair empresa nenhuma que esteja em condições de aceder a esse instrumento e recuperar-se”.

O peso do peixe à beira-mar


E à beira-mar, entre toldos e apoios de praia com garfo e faca, como se portou o verão? Dez a 12% melhor do que em 2020, confirma o presidente da Associação dos Industriais e Similares Concessionários das Praias da Orla Marítima do Algarve (AISCOMA), Artur Simão. Contudo, sustenta que, por comparação com 2019, antes da pandemia, continua a haver um défice, que calcula em 30%: “Estamos longe dos níveis de antes da pandemia. Faltam 30% ou mais para isso acontecer. Julho não foi muito bom para as praias. Em agosto a primeira quinzena foi muito boa mas a segunda não foi tão boa”, compara.


Tal como outros líderes empresariais, considera que o “sobe e desce” se deve em boa parte às flutuações com os mercados turísticos de estrangeiros, E explica depois o sucesso do mês de setembro, que o surpreendeu ela positiva: “Tivemos 15 dias de setembro muito bons, igual a 2019. Porque há mais estrangeiros a voar e clientes nacionais que vieram para cá. As famílias vieram. Os mais idosos vieram mais no mês de setembro”, estratifica.

Contudo, mais do que outros setores, o setor dos apoios de praia – que abrange dos alugueres de toldos aos restaurantes – depende da tipologia de cliente que o demanda: no barlavento predominam os turistas estrangeiros como clientes de toldos, enquanto no sotavento a hegemonia é dos turistas nacionais. E fatores como, por exemplo, a imposição de quarentena no regresso a quem viaja a partir do Reino Unido para Portugal podem fazer toda a diferença no oeste algarvio e praticamente não fazer tremer o leste. Afinal, como arremessa Artur Simão, o mercado não é todo igual: “Até tem a ver com a qualidade do peixe. O peixe mais barato puxa mais o português, o peixe mais caro é mais para o estrangeiro, vai um português ou outro que pode, mas a maioria é estrangeiro”.

O peso às costas dos comerciantes
Uma “mochila” bem pesada

Paulo Alentejano, presidente da ACRAL


Uma separação de águas que se estende aos toldos: “Depende também das zonas, de ser no sotavento ou no barlavento e das praias que são. As pessoas com um poder económico mais elevado não têm problemas em alugar toldos”, sublinha o presidente da AISCOMA, que se lamenta da pouca procura de toldos na generalidade do verão algarvio deste ano. E também das mazelas ditadas pela pandemia, que ajudaram a encurtar aquele mercado balnear: “Ficámos com um número de toldos reduzido e fomos obrigados a aumentar a distância entre eles. Acabámos por ficar com uma média de toldos de menos 30% do que tínhamos antes [da pandemia]”.

No que respeita ao comércio algarvio, Paulo Alentejano, presidente da Associação dos Comerciantes da Região do Algarve (ACRAL), mostra-se preocupado com o impacto do passivo gerado durante o período da pandemia nas empresas: “No comércio estamos melhor do que em 2020 mas não foi uma recuperação total. Depois há uma mochila às costas. Essa mochila não se resolve em dois meses. Ela representa o passivo, rendas por pagar e outras despesas que ficaram para trás. Não foi só nos centros comerciais, foi também nas baixas das cidades. Houve alturas em que se mandou fechar as casas às pessoas e elas não deixaram de pagar rendas, parte dos ordenados, um “n” número de coisas sem faturar nada. O que vamos fazer a esta dívida, à despesa? Temos ali um ano e meio de encargos acumulados, e que na grande maioria das empresas não está resolvido. No verão conseguia-se negociar dívida porque havia receita, mas acabado o verão, quando se deixa de receber, de ter caixa, perde-se a facilidade de se negociar e isso vai durar até ao próximo verão”, releva o dirigente do setor do comércio.


Palavras que denotam ter havido uma recuperação (apesar de tudo) razoável entre os comerciantes da região. Paulo Alentejano salienta que, de facto, “no comércio houve uma melhoria efetiva mas não recuperámos os números de antigamente. As pessoas ainda estão preocupadas e a confiança não está restabelecida. Houve uma melhoria e está a ser feita uma recuperação, sobretudo em relação a 2020, aí nem tem comparação. Mas isso não aconteceu face a 2019”, salienta.

Uma incompleta recuperação que foi “mais simpática” no casos dos restaurantes e bebidas: “Na restauração estivemos 1 mês e meio, dois meses aos níveis de antes da pandemia. Setembro tem estado a mexer muito bem, tivemos um acréscimo da área do golfe. Foram dois meses muito simpáticos na área da restauração e bebidas”.


Contudo, exceciona, “ao contrário de um restaurante em que aquilo começa a fazer movimento e as pessoas voltam, numa loja de roupa não é bem assim: as pessoas ainda estão desconfiadas, com receio, e a retoma é mais gradual. Os sinais são bons e as coisas até superaram as minhas expectativas. Porque estava toda a gente ávida de poder voltar à vida normal. Estavam cansadas”.

João Prudêncio

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