Quando os caçadores são caçados… porque se esquecem do Shelltox

Não sei se conhecem ou já ouviram falar da história daqueles três caçadores, diga-se profissionais de caça, que por isso mesmo, sempre que abalavam campo fora em busca das suas presas, como facilmente se percebe, iam superiormente equipados, desde armamento a munições, passando pelas questões de higiene, primeiros socorros e até se faziam acompanhar por dois cães bem treinados e mochileiro…
Portanto, neste caso concreto, utilizava a velha máxima, que quem vai para o mar, havia-se em terra, ou seja, quem vai para a caça, faz tudo para que não seja caçado.
Já por essa altura se falava no desarmamento, mas isso era uma coisa, que ainda não tinha chegado ao nosso País, e nem na leitura do nosso catecismo organizativo da constituição do País, ou seja da Constituição da República, se lavrava fosse o que fosse sobre tão estranho assunto…
Nesse longínquo dia de 17 de Abril de 1982, os três caçadores nem dormiram. Era o dia da abertura da caça. Diga-se um dia decretado pelas entidades, pois nestas coisas da caça, também existem entidades, o qual não coincidia com o tradicional dia da abertura da caça.
Pois os três caçadores, Jorge, Quintino e Andersson, este um sueco a viver há muitos anos em Santa Clara a Velha, nem dormiram e nem deixaram as mulheres dormirem, para que os ajudassem a preparar o farnel, pois iriam estar todo o dia a caçar.

Numa destas casas residia o Quintino, depois do encerramento da Mina de S. Domingos

Perante o cenário que envolvia esta reentrada na caça, Arlete, mulher do Quintino, questionou:

Homem, parecer que vais estar um mês fora de casa? E para que são necessárias duas armas?. Vais apanhar algum alefante? Era assim, que ela pronunciava a palavra elefante.
Quintino, parecendo muito ofendido, gentilmente respondeu: – Mete-te na tua vida!
Arlete, só não meteu o rabo entre as pernas, porque que tem cú, tem medo, e ela também não tinha rabo. Aliás, perante esta resposta que recebeu do Quintino, desta vez, a Arlete nem fez o que costumava fazer, quando o bom do marido partia para a caça, ou seja, rezar uma Avé Maria e dois Padres Nossos… ficou-se pelo silêncio, sem deixar de ir à cozinha beber um copo de água…
Quintino foi o primeiro a sair de casa, na sua velha 4L, que mais parecia um jeep. Também era um carro simples, para não dar muito nas vistas, que tinha comprado com o dinheiro recebido do Ministério da Agricultura, para cobrir os danos causados pelas chuvas, que dois anos antes tinham inundado os seus pomares.
Os três amigos, combinaram como ponto de encontro a Tasca do Prego ao Fundo, a dois passos de Espírito Santo (Mértola), para depois seguirem agrupados, até à zona de caça, de Alcaria Ruiva.
O Quintino, muito cedo, abalou da Califórnia, Salir, paredes meias, com o Sítio das Éguas.
O Andersson, abalou de Santa Clara a Velha, onde vivia, com uma alentejana, de seu nome Esperança, que trabalhava da tesouraria da fazenda pública. Nesse tempo, ainda havia a fazenda pública. Agora este tipo de fazenda é só para uns quantos, e sempre para os mesmos, que até se aproveitam, porque os tribunais e os juízes também não se entendem. Ou será que se entendem?
Andersson tinha uma cultura nórdica e não existia qualquer espécie de transtorno emocional entre ele a sua amada Esperança.

De Santa Clara abalou o sueco Andersson para a caçada

No seu volvo, ainda com matrícula sueca, porque os papéis para a legalização ainda não tinham chegado de Malmo, da suécia, Andersson abalou rumo ao ponto combinado. Era o único que não tinha cão. Costuma-se dizer que quem não tem cão, caça com gato. Mas o Andersson também não tinha gato. A Esperança era alérgica ao pelo dos gatos, o que era para estranhar, pois em Santa Clara a Velha, todas as moças diziam que o marido dela, louro de olhos claros, era um gato…
Quem estava mais perto do ponto de encontro, era o Jorge, residia na Mina de São Domingos, ainda na casa onde tinha nascido, ou seja, numa das casas que tinha sido destinado ao pessoal da Mina, e seu pai tinha ali trabalhado até que um vento bom, daqueles que costumam soprara da organização do Estado, tinha mandado fechar a Mina. Depois o povo ficou entregue à sua sorte. Neste tempo ainda havia povo, pois em 1982, ano desta caçada, ainda só tinham passado oito anos depois da data libertadora.
Jorge, era casado com Matilde Faneca, a filha de um mineiro, que era ajudante de cozinha, no restaurante Estrela do Guadiana, perto do Pomarão, mas nos dias da caça, e aquele era o primeiro dia, pedia licença ao patrão, o Senhor Ruivo Andrade, que também tinha um táxi, em Mértola…
Matilde, tinha ficado responsável por preparar o conduto para todo o grupo… Antes da uma da manhã, já a Mina de São Domingos cheirava a bifanas e pão quente…

Era qui na Califórnia, em Salir, que morava o Jorge, que também ia sendo comido pelas formigas


Jeep, dos mais modernos, claro, adquirido em segunda mão, através de um amigo que trabalhava para um latifundiário, que na hora do badalar do 25 do quatro, fugiu para o Brasil, deixando as colheitas a céu aberto e o Jeep que o Jorge comprou… Aliás, era neste céu aberto, que com o tempo foi organizada a Zona de Caça da Pólvora Seca, onde iam caçar.
O Jorge, também levou consigo nesse dia consigo, o que era raro, um mochileiro, rapaz conhecido no meio, e que iria ajudar no transporte do conduto. Das tais bifanas, que despertaram aquela madruga na Mina de São Domingos. A escolha do mochileiro, recaiu no Arménio Sacramento, um moço que vendia cautelas no Pomarão, e era amigo de infância do Jorge.
Arménio tinha vindo da Guiné, um bocado apanhado com os dramas vividos, num País, que o 25 de Abril aproveitou para libertar Portugal do desarmamento, e que tinha passado um mau bocado, mas que as poucos tinha ficado restabelecido, e essa proximidade com amigos, como era o caso do Jorge e do próprio Quintino, pois o Andersson conhecia muito mal, era uma ajuda social e afectiva muito importante.
À hora marcada os amigos lá estavam na Tasca do Prego ao Fundo, pouco passava das três da matina. A chegada à zona de Caça estava prevista para as quatro da madrugada. Curioso, quando estavam a chegar à Zona de Caça, a Antena I oferecia aos ouvintes:

[…] Alentejo, quando canta
Sei que está na solidão
Traz a alma na garganta
E o sonho no coração

Eu ouvi o passarinho
Às quatro da madrugada
Cantando lindas cantigas
À porta da sua amada

Por ouvir cantar tão belo
A sua amada chorou
Às quatro da madrugada
O passarinho cantou […]

Aquilo não parecia uma zona de caça. Parecia uma das mais refinadas zonas que o baixo alentejano/guadiana, proporcionavam, não apenas pelo cenário, o declive do terreno, as misturas de planície e uma melhor selectividade para caça. Aliás, talvez por isso, mais tarde, este espaço, acabada toda a caça, se transformou na actual Herdade da Pólvora Seca, cujos arquitectos aproveitaram as zonas dos bebedouros para fazer uma piscina e o restaurante principal na zona dos comedouros, para familiarizar os caçadores, que então povoam aquele lugar.
Hoje, a Herdade da Pólvora Seca é um espaço rural de qualidade excelência para o turismo. Um lugar belissimamente arquitectado, bem desenhado, com extraordinários e significativos sinais onde povoam a defesa do ambiente e aqui e ali, nas encostas mais íngremes, com se de uma mini região do Douro de tratasse, testemunhamos também as mais belas videiras ali criadas, e cuja qualidade do vinho já são um trato comum e bastas vezes premiado, na conjugação Alentejo/Guadiana…
No seu interior, foi criada uma sala de leitura e de lazer, onde se vê numa das paredes um vasto número de quadros que memorizam alguns dos factos ou efemérides, que ali aconteceram enquanto zona de caça, e entre elas, uma fotografia a preto e branco, um pouco gasta pelo tempo, que nos parecia ser de Álvaro Amaro, então Secretário de Estado da Agricultura e Pescas.
Porém a fotografia mais extraordinária, que ali encontramos é uma homenagem à caçada realizada pelos amigos Jorge, Quintino e Andersson, aos quais se juntos em última hora, o mochileiro Arménio Sacramento, e onde se vê, em tamanho grande, o ataque feito pelas formigas ao mochileiro, que pelo olhar, já sem boné na cabeça, parece gritar:

Trouxeram para a caça a casa às costas, mas esqueceram-se da merda do Shelltox.
E na legenda ainda se pode ler: Quando os caçadores foram caçados…
Diga-se, que até hoje, o Jorge, o Quintino e o Andersson, nunca mais saíram de casa, enquanto o Arménio, anda pelas ruas do Pomarão aos gritos: Tragam o Shelltox.

Neto Gomes

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