Que não se esbata a memória de António Aleixo

Começou por guardar rebanhos, mais tarde foi cauteleiro, mas o que nos fica dele é a sua enorme dimensão como poeta: António Aleixo nasceu em 1899 em Vila Real de Santo António e morreu 50 anos depois, em Loulé, faz por agora 74 anos (a 16 de novembro de 1949).

Desde sempre que ouço quadras dele! E histórias dele! Meu pai, Luís Vieira Pinto, nos seus tempos de liceu em Faro, conheceu-o. Entre os seus colegas e amigos figuravam alguns dos que apoiaram e transcreveram os poemas que o poeta dizia (na impossibilidade de os escrever, pois era analfabeto). Estão neste caso Tóssan, que mais tarde seria fulcral na divulgação do seu trabalho (e desenhando a que será a mais conhecida imagem do poeta), Manuel Maria Laginha e seu primo Joaquim Laginha Serafim, entre outros. Joaquim Magalhães, portuense rendido aos encantos algarvios e já então professor de liceu (e em tempos cronista deste jornal), foi um elemento fundamental na recolha e registo da poesia de Aleixo. Dele disse Aleixo “Não há nenhum milionário/que seja feliz como eu/ tenho como secretário/ um professor do liceu”. Assim, felizmente, foi! Os trabalhos de Aleixo são intemporais, como intemporal é a sabedoria popular. Só que em António Aleixo, mercê da sua grande inteligência e capacidade poética, as verdades saiam nuas e cruas, mas sempre certeiras e com uma superior elegância, que não afectavam nem a sua erudição, nem essa grande qualidade de serem entendidas por todos. É um grande poeta injustamente esquecido, ele, que era muito mais que um inocente fazedor de quadras ou rimas!

Aleixo foi um superior observador da sociedade, que o condenou desde início à condição de “poeta popular”, assim lhe reduzindo a importância. Façamos-lhe justiça: António Aleixo é muito maior que o que até hoje lhe foi creditado! Aleixo escreveu Autos, poemas e até quadras brejeiras! Sempre sem qualquer verso de pé quebrado, o que seria admissível, dada a sua curtíssima educação, que nunca lhe permitiu escrever pessoalmente o que lhe ia na alma! Dá assim para perguntar que tipo de obra nos teria deixado se tivesse podido aprender a ler e a escrever? Muitos dos poetas que conhecemos, escrevem na intimidade e no isolamento dos seus quartos, dos seus retiros.

A Aleixo nunca tal foi permitido: tinha de haver sempre alguém que lhe coligisse e passasse a escrito o seu pensamento, impossibilitando-o assim de burilar, de corrigir, de melhorar o verso, a quadra enunciada, e retirando-lhe qualquer hipótese de uma escrita intimista e estritamente pessoal. Aleixo foi, mesmo assim, um poeta que se distinguiu entre os poetas do seu tempo mas que é, ironicamente, alguém de cuja capacidade só conhecemos “franjas”: as “franjas” que foram (felizmente para nós) coligidas por outros. Era este o Portugal atrasado e triste de então. Que teria Aleixo dito do 25 de Abril? Que teria Aleixo dito da democracia? Que teria Aleixo reflectido sobre tudo o que depois da sua prematura morte se passou? Tudo isso pertence ao domínio dos deuses, desses deuses de que Aleixo (no mínimo) desconfiava, mas isso são outras histórias!

António Aleixo perfila-se, mesmo assim, como um poeta maior, não só do Algarve como de Portugal! Alguém que foi cantado por Zeca Afonso, por Amália Rodrigues e por Sérgio Godinho entre outros. Alguém que nos faz (tal como Zeca e Amália), uma falta tremenda!
Recordo de memória (sempre falível), uma historieta que ouvi ao Tóssan, dos seus tempos comuns de sanatório de Coimbra com António Aleixo. Vieram os estudantes pedir a Tóssan uma quadra para abrir o seu livro de Queima das Fitas. Eram estudantes da Faculdade de Letras, que daí a pouco seriam professores. Tóssan sugeriu-lhes então que talvez fosse melhor uma quadra do Aleixo, mas que ele mesmo se encarregaria de lha pedir. E assim, Tóssan explicou a Aleixo que estes estudantes iriam, durante a vida, ensinar aos outros o que lhes tinham ensinado a eles. Tanto bastou para que António Aleixo lhe retorquisse: “Então, vê lá se assim está bem:”

“E assim, lição por lição
Que a pouco e pouco aprendemos
De uns, a outros daremos,
Que a muitos outros darão!”

Com a simplicidade dos grandes, refez desta forma o ciclo do ensino (e da vida)! Para que conste! Grande poeta é Aleixo!

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