Quem quer mandar na Europa?

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Ninguém sabe como vai funcionar ao certo o novo método de escolha do presidente da Comissão Europeia, quem terá a palavra decisiva nesta nomeação, que peso terão os governos, o Parlamento Europeu (PE) e os eleitores nacionais em todo o processo.

A mesma falta de clareza parece rodear os debates televisivos que têm vindo a ser realizados entre os diferentes candidatos à sucessão de Durão Barroso e que tiveram o seu clímax na quinta-feira à noite.

Em Bruxelas, nas instalações do PE, teve lugar o primeiro e único debate que contou com a participação de todos os cinco candidatos declarados à presidência da Comissão Europeia. No fim, subsistia a dúvida: é possível que haja algum dos milhões de eleitores dos 28 países da União Europeia (UE) que tenha decidido o seu sentido de voto em função do que viu e ouviu ou tudo não passou de um bem montado show mediático para europeu ver?

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Apesar do aparato e do empenho de alguns dos candidatos o formato de debate acaba por contribuir para esmagar a eventual vivacidade do mesmo. A começar pelo facto de (quase) nenhum dos candidatos se ter exprimido na sua língua materna: o democrata-cristão luxemburguês Jean-Claude Juncker falou em francês; o socialista alemão Martin Schulz optou pelo inglês, tal como a sua compatriota ecologista, Ska Keller, e o liberal belga, Guy Verhofstadt; o representante da esquerda radical, o grego Alexis Tsipras, manteve-se fiel ao grego.

Uma imitação dos debates ‘a sério’

As interacções e despiques entre candidatos foram praticamente inexistentes; a moderadora (italiana que também falava em inglês) lançava os temas, mas parecia mais preocupada com o controlo do tempo de palavra, tarefa que executou de forma implacável, apoiada por um cronómetro gigante que se sobrepunha a tudo e a todos. Por vezes parecia que se estava a assistir a uma imitação nem sempre bem sucedida dos debates “a sério” que têm lugar nos diferentes países. E nem a presença do público, que pontuou a intervenção de cada candidato com aplausos, foi capaz de introduzir um pingo de espontaneidade.

Durante grande parte da emissão os candidatos pareciam apenas interessados em debitar de forma articulada o discurso que tinham preparado à medida dos 60 segundos previstos para a resposta de cada um a cada um dos temas da discussão. Sem surpresa, estes arrancaram com a economia, o desemprego, a austeridade na resposta à crise, a atenção dada aos bancos em todo o processo e passaram por tópicos que têm marcado presença em todos estes debates, como a imigração e o papel da Europa no mundo, com a crise ucraniana como pano de fundo.

A vantagem da condução quase militar do debate foi ter permitido ouvir os candidatos sobre questões como a reacção da UE às aspirações independentistas da Catalunha e da Escócia, o eventual papel da União na regulamentação de símbolos religiosos como o crucifixo ou o véu islâmico, a corrupção e os lóbis, o desencanto dos europeus em relação à Europa.

Juncker, o homem do ‘status quo’

À semelhança de ocasiões anteriores, Juncker foi quem se assumiu como o candidato do status quo, defendendo a generalidade das decisões europeias (tanto na resposta à crise, como nas relações com a Rússia) e insistindo na importância do rigor orçamental: “não há crescimento durável sem finanças públicas equilibradas”. Schulz e Verhofstadt, cujos partidos estão no governo em vários países e que têm igualmente vários representantes na Comissão liderada por Barroso, foram obrigados a imitar Juncker na defesa do “rigor”, mas sempre esforçando-se por marcar a diferença.

O socialista com a referência às “pessoas” em vez dos “milhões” e aproveitando para repetir que o combate à fraude e evasão fiscal será a sua prioridade. O liberal tentando demarcar-se das “receitas dos últimos cinco anos” e defendendo um salto qualitativo na integração europeia, inspirado na “ideia inicial de Delors”: “um socialista inteligente, tu nem sempre, Martin”, atirou Verhofstadt a Schulz.

O ex-primeiro-ministro belga foi quem se mostrou mais à vontade com o formato do debate, procurando em diversas ocasiões provocar os interlocutores com apartes ou comentários directos que, na maior parte dos casos, ficaram sem resposta. Também sem resposta ficou a interpelação de Tsipras a Juncker sobre as pressões exercidas sobre o governo do seu país em 2011 para evitar a realização de um referendo sobre os programas de resgate. E o grego aproveitou para colar os liberais aos socialistas e conservadores, acusando-os de terem “apoiado os resgates” impostos ao Sul da Europa. Igualmente livre de quaisquer responsabilidade governativa, a ecologista alemã esteve à vontade para defender o direito da Catalunha e da Escócia à autodeterminação (“aceitá-los-ia na União Europeia”) e para apelar à suspensão da venda de armas à Rússia enquanto durar a crise na Ucrânia.

Como notou Verhofstadt, numa coisa todos os candidatos estiveram de acordo: um deles deve ser o próximo presidente da Comissão Europeia e qualquer decisão dos governos dos 28 noutro sentido representará uma traição à democracia (com Schulz a ameaçar que caso isso aconteça, o candidato dos governos “não terá a maioria dos votos no PE”).

Essa é uma dúvida que vai persistir pelo menos durante mais algumas semanas mas a que a realidade se encarregará de dar uma resposta cabal. Menos clara continuará a ser a utilidade destes debates em todo o processo.

RE

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