Remate certeiro: Conheço o João Leal desde os meus dezassete anos

Conheço o João Leal desde os meus dezassete anos. Deixo-lhe este abraço

Aleluia Martins, Neto Gomes, João Leal e Armando Alves, quando a 6 de Junho de 2014, João Leal foi homenageado

Não era bem este o texto que gostaria de escrever sobre o meu mano velho João Leal, mas ele também não possuiu a agressividade que eu desejava, que existindo acabaria por facilitar o meu abraço, a alguém, que tanto fez e continua a fazer por TANTOS, mas que, alguns sem vergonha na cara, há uns anos atrás, por inspiração do Armando Alves e minha, e com uma mão cheia de abraços, faltaram ao repasto memorável que teve lugar no Museu, pertença do grande Michel. A quem algumas campanhas eleitorais ficaram a dever milhares de euros.


Talvez ao anotar o nome do amigo Carlos Luís, enorme na moral e nas amizades, se perceba melhor a ausência de um certo agente de viagem, hoje um homem muito rico, mas a quem João Leal tanto deu e se dedicou e nesse dia até lhe virou as costas.

Sei que isso aconteceu há muito tempo, mas nenhuma distância invalida, que regresse ao nome do Carlos Luís, para lhe agradecer, tantos anos depois, o facto de não ter virado as costas ao João Leal. E ter estado entre as centenas de pessoas que nessa noite distante lhe disseram obrigado.

Conheço o João Leal desde os meus dezassete anos, portanto, já roçamos as bem vincadas turbulências da vida ao longo de mais de sessenta anos, e nunca farelo ou grão de areia salpicou ou remexeu na nossa amizade, antes fizemos da esperança de cada dia e das nossas queixas contra a severidade de alguns imortais, a nossa força, a tua força. Imortais, que ao longo de vários anos vieram às marmitas dos jornalistas, onde alimentavam o ego e com o nosso apoio, davam pinotes sem rede e caiam sempre em pé.

Conheci o João Leal, numa manhã, em que integrado na equipa de juniores do Lusitano de Vila Real de Santo António, fui jogar à Fuseta. À Fuzeta, do Reis D’Andrade, este mestre da escrita, da poesia, do teatro, que muitas vezes, do Alto da Torre, espalhava a Fuseta por todo o mundo onde o Jornal do Algarve chegava.

Era uma manhã de marés vivas. O campo do Sport Lisboa e Fuseta era um eterno namorado da Ria Formosa e beijavam-se tantas vezes, que chegavam a lacrimejar.


Foi o que aconteceu nessa manhã, num jogo que começou às 11h00. Nós equipados de vermelho. Lembro que em pleno período negro do fascismo, as equipas de reportagem que se deslocavam ao estrangeiro para acompanhar o Benfica, não podiam escrever «Os vermelhos», mas sim os encarnados. Manias.


Pois é. Nós vestidos de vermelho e eles, o SL e Fuzeta, de branco, por ambos equiparmos com as mesmas cores pelas ligações institucionais ao Sport Lisboa e Benfica.

Mal começou o jogo, antes da Ria Formosa nos abraçar, dei de caras com três pessoas de Vila Real de Santo António. Conhecia duas dessas pessoas, os Senhores Manuel da Silva Domingues, que tinha uma serração de madeiras e Santos Silva, proprietário da Farmácia Silva. O outro vim a saber mais tarde que se tratava de José Barão, fundador do Jornal do Algarve. E com eles, também vim a saber pouco depois que estava o Prof. João Leal, que era um apaixonado pela Fuseta e ali tinha sido colocado como professor… Coisas que pertencem à voz do amor.

Ainda faltavam alguns minutos para o final da primeira parte, todos, incluindo o fiscal de linha do lado da Ria Formosa, começámos a sentir o bater das ondas. Alguns minutos depois, o árbitro, que até nem sabia nadar, interrompeu o jogo e pouco depois com três apitadelas mandou tudo para os balneários. Ganhávamos 0-1, com um golo marcado pelo Isaías, um moço das Hortas, que viveu durante alguns anos em Olhão. Nunca mais o vi. Oxalá ainda esteja entre nós.

Claro, maré viva, que encheu, encheu, primeiro começou por levar as marcações do campo, e depois foi a vez do bote Andorinha, acabar sentado na marca de penalti.

Abandonamos o campo sob o efeito de uma tremenda risada. Demos o nosso duche, e no autocarro, comemos umas sandes de mortadela, que os pirrólitos do Senhor Velasquez, da Casa Simon ajudaram a desfazer até ao intestino.

Antes estivemos à conversa com o Senhor Santos Silva, um grande lusitanista, que chegou a presidir aos destinos dos vila-realenses quando da passagem do Lusitano pela Primeira Divisão Nacional.

Na segunda-feira seguinte, primeira reunião do Grupo 60 dos Escuteiros de Portugal, com sede em Vila Real de Santo António (eu era da patrulha Águia), cada um contou a sua história do fim-de-semana, claro a todo o grupo, sob o olhar atento do Chefe José Manuel Pereira.

Quando chegou à minha vez, falei do encontro na Fuseta, e quando alvitrei o nome do João Leal, o Chefe José Manuel Pereira, disse-me: «Manuel! O Prof. João Leal é um grande jornalista e um grande amigo e colaborador do Jornal do Algarve».

Com Brito Figueira, um amigo para toda a vida, aqui na homenagem que lhe foi prestada pelo Rotary Clube de Faro

Sessenta anos de amizade e quase de vida comum davam um livro incrível, onde, obrigatoriamente nalgumas páginas teríamos, que colar uma bolinha vermelha.

E é por isso, que tenho pena que o João Leal não seja mais agressivo, mas ele, sempre sentado ao colo da Terra Mãe e tendo o coração amolgado de felicidade pelo encantamento desta terra Sulina, continua a ser uma das figuras mais notáveis da nossa terra, apesar dos cascabulhos com que lhe procuraram forrar o interior dos sapatos.

Nunca o vi diferente e nunca lhe escutei um ai conspirativo, antes, a espécie de prisão domiciliária com que tem vivido os últimos meses devido à doença da Maria Armanda, e os males de que foi padecendo a sua filha Sofia.

Sempre com a mão fechada, onde guarda o crucifixo, diga-se, de uma Igreja, que teve momentos que também não o tratou bem, João Leal foi toda a sua vida um peregrino da paz e do amor. Dos braços estendidos a favor dos outros, na elevação dos outros, dando inclusive a última moeda, para que alguém comprasse uma côdea.

Poderia ter sido um vagabundo da escrita, título que um dia fui roubar ao outro mano velho Arthur Line, numa das vezes em que escrevi sobre ele.

Mas não, o João andou sempre à bolina, para não trilhar ninguém, mesmo tendo a consciência, que chegasse onde chegasse, a sua voz e a sua escrita, fosse em que língua fosse, eram a exactidão dos factos. Era o estremecer e o emocionar da sala, ou da leitura do Jornal, em qualquer serão ou tertúlia.

João leal tem sido um defensor acérrimo dos valores da vida e da sociedade. Nunca lhe encontrei a razão de mentir ou de enganar.

Manteve sempre, como agora, uma forma de vida de grande carácter e humanismo, valorizando na sua escrita os mais carentes e desfavorecidos mas dando também palco a gente ilustre, sendo, sempre cada vez mais o fiel retrato de um homem de causas.

Quando se fala ou se escreve sobre João Leal, acentuamos com orgulho que estamos perante uma das maiores figuras da história do Algarve. Da história do nosso tempo. Pena que a sua escrita não seja agressiva, talvez muitos outros homens e mulheres que tanto lhe devem, não se andasse a escapar pelos becos mal iluminados, ou das pingas da chuva, enterrados em moedas como o Tio Patinhas, mas cujo coração é mudo, e por mais vezes, que corram para o altar em busca do Corpo de Cristo, nunca se sentirão felizes, porque mora dentro deles uma nódoa, que lixiviado algum lhes restaurará a cor original.

Mas não nego, que numa hora terrível, coisa que testemunho com toda a frontalidade, teve em Fialho Anastácio, então Governador Civil de Faro, uma mão amiga, e que foi o anúncio da estabilidade que precisava. E o João respondeu com o mais elevado profissionalismo, com competência, também pela sua experiência, lealdade e humanismo, e daí a justiça e o reconhecimento de que foi alvo.

Com alguns milhares de quilómetros de textos jornalísticos, tanto na imprensa escrita como falada, João Leal, também tem sido um grande património da história e vida do Jornal do Algarve, numa missão de grande fidelidade, que ano após ano, tem enriquecido as páginas do (nosso Jornal), meu e dele…

Mas o seu património como homem da comunicação social salta fronteiras, derruba muros, mas faz das pontes a sua maior grandeza humana, com uma pena brilhante, que este mano velho, humildemente reconhece e evoca.

Capa do livro “Faro Terra Mãe”

João, aceitaste agora um novo desafio. Falar de mil pessoas, num livro FARO TERRA MÃE, de sentimentos e emoções. Um livro que foi à descoberta de gente que foi cabeça de cartaz, e de outros, que são afinal o mundo singular de todos os momentos das nossas vidas.

Com o se diz a um ponta de lança, quando marca um golo, faz outro. Faz outro livro. Solta esta alma danada que tens em ti. Fico aqui à espera, que faças outro golo, isto é, outro livro para continuares a piscar o olho à vida. Afinal tu tens sido a vida de tanta gente. De gente que nem te merece…Mas deixa, porque serás sempre a fonte original.

Neto Gomes

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