São quatro os eixos que têm guiado a operacionalização das políticas públicas de saúde mental no contexto português, também contemplados no programa nacional para a saúde mental: (i) a promoção do bem-estar e prevenção da doença mental; (ii) a mitigação do estigma, discriminação e exclusão social; (iii) a reabilitação e a inclusão de pessoas com doença mental na sociedade; e (iv) a provisão de serviços e cuidados.
Transversal aos quatro está a habilitação cultural dos serviços e dos profissionais de saúde para lidar de forma competente e inclusiva com diferentes crenças, práticas culturais, sexualidade e géneros.
No caso específico da população LGBTI+, não obstante alguns avanços nos últimos anos, persistem várias e graves lacunas, desde preconceito velado no atendimento até casos de serviços terapêuticos a propor terapias de conversão ou reorientação sexual, cuja criminalização está finalmente a ser debatida no contexto português.
Um estudo conduzido pela primeira autora deste texto, com base em entrevistas a membros de associações e coletivos LGBTI+ e profissionais de saúde mental que atuam em várias cidades portuguesas revelou que é comum pessoas LGBTI+ procurarem serviços de saúde mental ocultando a sua orientação, ou evitarem-nos completamente com receio de uma experiência negativa.
Estas e outras dificuldades e necessidades são exploradas em maior detalhe num documento publicado pela Comissão para a Igualdade de Género.
Aqui refere-se que um dos maiores obstáculos ao acesso da população LGBTI+ a cuidados culturalmente competentes é a ausência de formação dos/as profissionais de saúde e, especificamente, de saúde mental.
Esta lacuna, que urge colmatar, verifica-se desde logo na estrutura curricular de cursos de Medicina ou Psicologia que não incluem, regra geral, nenhum módulo específico sobre estas questões.
Se por um lado, a compreensão pública da saúde mental implica um processo de familiarização com o tema por outro, certos autores consideram que nunca poderá haver real familiarização, permanecendo como algo estranho.
Há ainda aqueles que afirmam que ela é familiarizada como algo essencialmente “não familiar”.
Esta sua natureza (que evoca tantas vezes resistência) reforça a necessidade de se considerarem sempre intersecções com identidades e grupos minoritários, sobretudo quando há tantos grupos sociopolíticos resistentes ou indiferentes a “outras” categorias que não as normativas.
Como aliados fundamentais deste processo de familiarização estão os filmes e séries televisivas com uma crescente representação da população LGBTI+ e saúde mental.
Recordemos quando a representação LGBTI+ era mais pontual com a obra de Pedro Almodóvar, Will and Grace, Farewell My Concubine, Philadelphia ou The Hours.
Nos últimos anos, muitas mais produções (e.g. Sex Education, Sense8, Genera+ion, Pose, BoJack Horseman, Shameless, You’re the Worst, Crazy Ex-Girlfriend,Veneno) permitem que a população LGBTI+ encontre algo de si no ecrã e, eventualmente, que algo seja comunicado no sentido de aumentar a familiaridade com as suas realidades, ou seja, representatividade.
As políticas LGBTI+ traduzem o facto de as relações de poder continuarem a persistir mesmo na aparente ausência de um conflito político claro.
Apesar de já existirem estudos e publicações sobre políticas de saúde mental LGBTI+ (Associação ILGA, 2015; Ordem dos Psicólogos, 2020) e até uma Estratégia de Saúde para as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo divulgada pela Direção-Geral de Saúde (Direção de Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde, & Núcleo sobre Género e Equidade em Saúde, 2019), o trabalho de campo de sensibilização e apoio continua a cargo de organizações LGBTI+ que não recebem o apoio necessário das entidades governamentais competentes.
Estas associações são a primeira porta de ajuda de pessoas LGBTI+ que tendem a confiar nos seus serviços, e cuja oferta merece ser mais explorada e financiada em todo o território nacional, com especial incidência em zonas mais isoladas com menos serviços disponíveis.
O movimento associativo foi e é, muitas das vezes, o primeiro e principal impulsionador de transformações sociais profundas através do qual (ou dos quais) é possível contornar a máxima de que “se não se vê é porque não existe”.
Um forte movimento de contestação para colocar a orientação sexual, identidade e expressões de género e características sexuais (OIEC) sob a proteção dos direitos humanos está a pressionar os Estados para que aprovem legislação e implementem políticas públicas que respeitem e promovam os direitos humanos das pessoas LGBTI+.
Quando os processos de decisão políticos passarem a ser vistos como algo dinâmico — onde o ambiente político se reorienta continuamente, transformando as relações entre os grupos da sociedade civil e as instituições políticas — a formulação e implementação de políticas serão decerto mais eficazes.
Joana Casimiro, Teresa Forte e Lia Neves
através da Associação Portuguesa de Imprensa
Como todos sabemos e conhecemos, são muito escassos os meios ao dispor do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o grosso da população.
São inúmeras as situações, em vários domínios, em que o SNS não consegue satisfazer as necessidades de apoio à saúde daquela que é a maioria esmagadora dos Portugueses.
Bem perto de nós, no tempo mais recente, está uma – mais uma – dessas situações bem gravosas, que é o facto de o SNS ter de recorrer, como alternativa, por falta de obstetras, à classe dos enfermeiros para dar assistência às parturientes, ditas de “parto normal”, situações que nunca se sabe se descambarão em problemas sérios, quer para a parturiente ou, depois do parto, à puérpera.
Por tudo isto, não faz o mínimo sentido desviar recursos da SNS para situações como as que são referidas nesta notícia, a minorias, cujo perfil me abstenho de classificar, para mais, quando esses recursos são já manifestamente deficitários para acudir à maioria da população.