Sismos e outras catástrofes

Desde que, ainda bem jovem, sofri o tremor de terra de 28 de Fevereiro de 1969 que os sismos me preocupam. Estava em Lisboa e fui acordado pelos meus pais que rapidamente me disseram, “Põe-te debaixo da ombreira da porta!” Saltei para o vão da porta do meu quarto e ali fiquei até ao fim daqueles longos segundos.

Naquela madrugada, muitos vieram para a rua mais ou menos vestidos mas, passado algum tempo, a maioria recolheu a suas casas. Foi, pelo menos, a imagem que retive. Alguns móveis deslocados, alguma loiça partida, mas tudo pouco significativo. Lisboa era nesse tempo uma cidade bem diferente da que temos hoje: no bairro de Campo de Ourique onde morava, todas as ruas tinham os dois sentidos e o número de automóveis estacionados não chegava sequer a metade do comprimento dos passeios!

Hoje, o mesmo bairro tem mais autorizações de estacionamento que lugares, embora as ruas terem todas (ou quase) um único sentido e muitas delas tenham estacionamento “em espinha”! Quando houver um sismo (os especialistas afirmam que não se deve dizer “se”, mas “quando”), temo pela circulação dos meios de socorro. Não é só Campo de Ourique ou Lisboa que me preocupam: todas as cidades de estrutura medieval ou anterior que nem foram sequer concebidas para o automóvel (de ruas estreitas e com formas irregulares e construções de que se desconhece a actual resistência a sismos), estarão a braços com ainda mais problemas! E esses problemas serão na razão inversa da preparação que tenham feito! Vivi o pós-sismo do 1.º de Janeiro de 1980 dos Açores, na Ilha Terceira e percebi o que significou aquele tormento para todos os habitantes! Isto, mesmo tendo já passado, quando lá fui voluntariamente parar, quatro meses sobre o fatídico dia! A perda, em segundos, de familiares ou amigos, é altamente traumatizante. Mas, mesmo nos casos em que não houve perdas de vidas, a derrocada das próprias habitações, o desaparecimento de pontos de referência tidos como eternos, a destruição de uma imagem urbana que sempre se conheceu, marca para sempre quem viveu esses instantes.

Conheci pessoas que ainda não tinham voltado a casa uma vez sequer: viviam ainda a ansiedade do pós-sismo! Não imagino como sejam os tempos pós-sismo em Marrocos, com famílias inteiras desaparecidas, com um cheiro junto das derrocadas que indiciam que há gente morta entre os escombros, com um pó que se eleva das ruínas, que tudo penetra, numa memória contínua de destruição.

Sabemos que os sismos não podem ser evitados, nem sequer previstos. Já vamos à Lua, mas ainda não temos tecnologia que nos coloque em paridade com muitos animais que, algum tempo antes dos sismos, se manifestam agitados e até em pânico, mas é com essa incapacidade que temos de viver! Por isso, talvez seja útil precavermos um conjunto de coisas que nos possam salvar a vida. No Perú, por exemplo, é possível solicitar às autoridades a definição dos lugares mais seguros de uma dada construção: após a vistoria técnica, esses lugares passam a estar assinalados (preferencialmente no tecto) com uma tinta verde algo fosforescente. Simples e eficaz! Por cá, algumas cidades (Setúbal, por exemplo) já definiram pontos de encontro seguros, a campo aberto e longe de possíveis maremotos (tsunamis). Coisas elementares como um rádio de pilhas, uma lanterna, água engarrafada e alguns viveres em conserva, serão de ter sempre em casa. Mas, para além de tudo isto, creio ser o respeito pelo espaço urbano desimpedido e sem estrangulamentos o melhor “seguro” no rescaldo de um sismo. É que os sismos, além do mais, podem trazer outras desastres associados que precisarão de uma acção rápida para não terem consequências de maior: fugas de gás e incêndios, rotura de tubagens e inundações por águas e esgotos, etc, etc, etc.

A circulação o mais fácil possível de veículos de socorro e de manutenção e reparação de infraestruturas será sempre um bem inestimável. Recordo que um dos grandes obstáculos ao socorro do fogo do Chiado, em Lisboa (25 de Agosto de 1988), foi a existência de bancos cravados no chão e de grandes ressaltos para esplanadas na Rua do Carmo. Tudo isto impossibilitou o fácil acesso de autobombas e outros meios de socorro ao Grandella e aos Grandes Armazéns do Chiado.

É por isso que todos nós poderemos (e deveremos) ser agentes de segurança, bastando para isso perguntar a quem de direito que mecanismos estão previstos em caso de catástrofe, como se resolve este ou aquele ponto nevrálgico, este ou aquele ponto de conflito, na nossa cidade, vila ou aldeia. Sempre que vejamos pontos que possam constituir um estorvo em caso de catástrofe, haverá que colocar a questão o mais brevemente possível a quem de direito. É que, na maioria dos casos, mesmo que tudo tenha sido coerentemente planeado (e muitas vezes não foi), poderá ter havido alguém que, mesmo sem intenção, tenha liquidado esse plano.

Num edifício público que desenhei, fui encontrar, poucos anos após a sua conclusão, um depósito de cadeiras na central de incêndios (“Isso nunca foi preciso!”) e os acessos à escada de emergência completamente atravancados com mais cadeiras (“Ninguém sai por ali!”).

É contra este tipo de raciocínios que temos de estar alerta porque, se bem que verdadeiros (e ainda bem!), poderão um dia (melhor dizendo, de um momento para o outro) ser fatais! Então, já será tarde demais para corrigir seja o que for! Proteja-se, protegendo os outros! Das inundações falaremos mais tarde!

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