Uma trincheira contra a noite

Salvador Santos
Salvador Santos
Salvador Santos, nasceu em Chaves, no ano de 1979. Vive no Algarve desde os quatro anos. Frequentou o curso Estudos Portugueses na Universidade do Algarve. Foi editor na Sul, Sol e Sal. É autor dos livros de poesia «Selvagem» e «Cartographya»

Um órgão pode ouvir-se do fundo de três séculos. Uma pequena eternidade a lembrar os homens da sua humanidade. A aproximá-los, tantas vezes, do coração esquecido que têm dentro de si. A desenhar caminhos de luz nas trevas mais escuras.

Quando me sentei para escrever estas linhas na minha cabeça estavam os resultados eleitorais das legislativas que colocaram o Chega como o partido que recolheu o maior número de votos na Algarve.

Embora não quisesse juntar a minha voz ao coro de envergonhados, surpresos e indignados que assim que os resultados começaram a ser apurados invadiram as redes sociais a verdade é que não conseguia abstrair-me do sucedido. E quando tentava ir noutra direção o projeto que a associação Clave de Sul (www.clavedesul.org) assumiu como missão primeira – a de instalar um órgão concertante na Igreja Matriz de Loulé – avolumava-se na minha cabeça.

Sobre as eleições escrever o quê? Assim a quente. Se já tanto se disse e nada parece ter importado. Não me interessava atirar mais uma pedra aos representantes dos partidos do arco da governação que estão na política como numa carreira burocrática e, por essa razão, longe da população, das suas inquietações e dos seus problemas. Acusá-los de fugir a uma eleição direta seja para uma junta de freguesia ou de uma câmara municipal e, por temerem o fracasso, investirem a sua sobrevivência apostando a carreira na ocupação dos primeiros lugares das listas para deputados ou para o Parlamento Europeu.

E, no fundo, quando o pensamento fugia para a música não estava a relacionar-se com outra coisa que não fosse aquilo de que precisamente estava a tentar fugir.

O órgão não é uma coisa evidente. Sabemos que os olhos dos homens são pouco. Raramente são maiores do que eles. Incapazes de ver um passado longínquo, uma memória mais longe. Cegos, quase todos, para o futuro.

E preciso distinguir os três séculos que todos os dias se abrem diante de nós. Só então se percebera que o Órgão Sinfónico da Igreja Matriz será a nossa herança para o Loulé futuro. Um Loulé que esquecerá o rosto dos homens de hoje, mas do qual estaremos próximos por todos os séculos. Amarrados uns aos outros, gerações após gerações, pelo cantar divino dos metais.

Guilherme d’Oliveira Martins, numa entrevista recente ao Jornal de Letras, Artes e ideias, a propósito do seu mais recente livro «A Cultura como Enigma» refere, ao ser questionado sobre a associação que estabelece no livro entre a Cultura e a Paz, que estamos «… num tempo de guerra. É uma conjuntura em bola de neve, na qual a violência gera mais violência, a incompreensão mais incompreensão. A resposta não pode ser a indiferença. A democracia é um sistema de valores, não é apenas um instrumento para a escolha dos governantes. E neste sistema de valores está a capacidade de nos relacionarmos com os outros, de organizar a sociedade e sobretudo de respeitar a dignidade humana».

Num concelho onde a aposta na cultura tem sido um eixo estratégico da governação, mas nem por isso resultou como um antídoto contra a votação no Chega, um grupo de homens e de mulheres, das mais variadas sensibilidades políticas, condição social e geografia tentam fazer da música uma trincheira contra
a submissão, o medo e a exclusão.

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