Camarate: 35 anos depois um novo livro defende a tese de acidente

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A hora de jantar foi bruscamente interrompida por uma notícia que deixou os portugueses incrédulos. Os que tinham televisão fixaram o olhar no pivot que assegurava o telejornal da RTP, num tempo em que a maioria dos portugueses ainda via televisão a preto e branco e não havia telemóveis. O pequeno avião em que o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa viajavam de Lisboa para o Porto, tinha caído pouco depois de levantar voo.

Há 35 anos, nesse dia 4 de dezembro de 1980, o país ficou em choque, assistindo incrédulo à morte prematura e inesperada de sete pessoas: o chefe de Governo Francisco Sá Carneiro e a sua companheira Snu Abecassis, o ministro da Defesa Nacional Adelino Amaro da Costa e Maria Manuela, sua mulher, António Patrício Gouveia, chefe de gabinete de Sá Carneiro, e os dois pilotos do Cessna.

Trinta e cinco anos depois, a justiça portuguesa nunca encontrou provas que sustentassem a hipótese de atentado, o Parlamento fez 10 comissões de inquérito, houve centenas de artigos e muitos livros escritos sobre o tema…. mas a dúvida persiste no espírito de muitos, sobretudo “de alguns admiradores de Sá Carneiro que têm dificuldade em admitir que ele tenha morrido num acidente”, disse ao Expresso o jornalista Joaquim Vieira [foi diretor adjunto deste jornal no início da década de 1990] que vai esta quinta-feira apresentar o livro “Camarate – Acidente” do jornalista André Barreiros.

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Ao longo de 91 páginas, André Barreiros, antigo jornalista do Tal & Qual e do 24horas, exercita um estilo de escrita pouco habitual no jornalismo, em que o ‘eu’ e as impressões ou intuições do autor são várias vezes referidas e mencionadas na prosa. O autor passa em revista muito do que foi dito e escrito sobre o tema e termina a primeira parte do livro com esta afirmação: “O documento tem mais de 1550 páginas, disponíveis no sítio da Assembleia da República, assim como tudo o resto que envolveu dez comissões parlamentares sobre um absurdo acidente aéreo. Para o repórter que se segue: quanto custou?”.

Na opinião de Joaquim Vieira, foram várias as situações em que “as comissões ouviram personagens desqualificadas”. Vieira é peremptório a afirmar a sua “confiança na justiça portuguesa: a justiça investigou”, e não há provas de que a queda do avião tenha sido resultado de um atentado.

“É uma história triste da nossa democracia, não termos sabido lidar com este acidente”, diz Joaquim Vieira. As dúvidas persistem para muitos e as convicções acabam por se sobrepor às provas encontradas.

17 deputados, 18 meses de trabalho

A X Comissão Parlamentar de inquérito ao caso Camarate começou a trabalhar em janeiro de 2013 e deu a tarefa por concluída em junho deste ano. Entre as recomendações que proferiu no final dos trabalhos, destaque para a digitalização e inserção no site do parlamento do espólio das comissões anteriores, de forma a facilitar o trabalho de quem, no futuro, queira trabalhar o caso que tantas dúvidas continua a suscitar.

A deputada socialista Inês de Medeiros disse ao Expresso que “ao nível do Parlamento foi feito tudo o que era possível fazer” para esclarecer. “Todas as bancadas parlamentares” estiveram envolvidas neste trabalho; “cabe aos historiadores prosseguirem” o estudo.

O relatório final da X Comissão confirma a tese de atentado no trágico acidente de Camarate e aponta “lacunas” à atuação da Polícia Judiciária e da Procuradoria-Geral da República no período que se seguiu à queda do Cessna 421 A, a 4 de dezembro de 1980, três dias antes das segundas eleições Presidenciais da democracia portuguesa.

A morte do dono do avião

O relatório realça também que “foi evidenciado, com elevado grau de confiança, que José Moreira (o dono do avião utilizado na campanha presidencial de 1980) e Elisabete Silva foram assassinados no início de janeiro de 1983”.

José Moreira e Elisabete Silva foram encontrados mortos no seu apartamento, em Carnaxide, a 5 de janeiro de 1983, dias antes de aquele engenheiro ir testemunhar em comissão parlamentar de inquérito sobre a queda do Cessna, depois de ter afirmado possuir informações relevantes sobre o assunto: “A atuação da PJ na investigação à morte de José Moreira e Elisabete Silva foi deficiente e apresentou lacunas inequívocas, sendo difícil crer que se tenha devido apenas a eventuais descuidos”, refere o documento citado pela Lusa em 23 de junho deste ano.

Apesar disso, a X Comissão Parlamentar de inquérito considerou que “não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a sua morte [José Moreira] e o atentado que vitimou, entre outros, o primeiro-ministro e o ministro da Defesa”.

A tese defendida no livro de André Barreiros contraria o trabalho da última Comissão Parlamentar de inquérito; o autor juntou uma reportagem fotográfica em extra-texto, anexos, e publica na íntegra um relatório de 2002 da reabertura da investigação técnica feita pelo Ministério dos Transportes.

É mais uma achega, em jeito de reportagem personalizada e comentada, na altura em que se assinalam os 35 anos do trágico acidente. Um livro que nasceu no momento em que o seu autor viu Alexandre Patrício Gouveia (irmão de uma das vítimas) sentado com José Esteves no Jardim das Amoreiras, a conversarem com “alguma cumplicidade, intimidade sem empatia, algo de anormal na furtiva troca de sorrisos, expressões de preocupação e documentos”. Confrontado pelo autor, António Patrício Gouveia admitiu o encontro e justificou-o com o facto de ter ido receber uma cópia de uma carta da CIA “algo muito importante como prova”.

Barreiros seguiu Esteves para saber que papéis eram esses … releu tudo o que tinha em arquivo… e “Camarate – Acidente” é apresentado esta quinta-feira às 18h30 no Hotel Vip Zurique em Lisboa.

Manuela Goucha Soares (Rede Expresso)

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