Coleções para todos os gostos

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Frederico Cunha é um apaixonado por brinquedos

Por mais estranhos que pareçam os objetos da predileção, há colecionadores para tudo. Dos clássicos selos aos surpreendentes pacotes de açúcar, juntar é a palavra de ordem. Arranjar espaço é a etapa seguinte…

MAFALDA GANHÃO (www.expresso.pt)

Vinil com efeito Antistresse
Comprar discos em Zagrebe, em plena guerra jugoslava, ou perder-se nos subúrbios de São Paulo, à procura de “sebos” (designação brasileira para lojas em segunda mão), com óbvios riscos de segurança, são apenas duas situações que o amor pelos discos de vinil colocou no currículo de Joaquim Paulo. A culpa é da música. Joaquim não vive sem ela desde que, na adolescência, um primo lhe transmitiu o ‘vício’, e aos 15 anos já se recorda de juntar “o parco orçamento” para comprar discos regularmente. Assim chegou aos mais de 20 mil que possui atualmente, aos 45 anos, todos eles organizados por género e por ordem alfabética: “Ultimamente, descobri outro tipo de organização, que tem a ver com as edições por editora.” Os discos são também um poderoso antistresse para este profissional da Rádio. “Um dos rituais que mais me tranquiliza é retirar um lote de discos da minha estante e voltar a organizá-los”, confessa. Há depois as rotinas de conservação. Joaquim limpa sempre os vinis com uma máquina especial para lhes retirar as impurezas, “sugando-as”, e considera imprescindíveis as capas de plástico. Emprestar um disco? Isso é que “nunca, mas mesmo nunca”. A coleção é, sobretudo, “um pedaço muito grande” de si, impossível de avaliar, ainda que tenha consciência do valor de muitos exemplares em seu poder. Para comprar novos discos, “basta ler uma referência familiar na ficha técnica – um produtor, músico ou editora”, o que por vezes significa comprar alguns que são verdadeiros “tiros no escuro”. Não tem dado mau resultado. E Joaquim tem obra publicada: “Jazz Covers” e “Funk Soul Covers”, dois livros editados pela Taschen,

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Dos soldadinhos aos Action Man
A namorada entrou um dia em sua casa e sorriu simpaticamente ao ver a coleção de Action Man: “Que giro, tantos Kens.” Frederico Cunha perdoou-lhe o deslize, mas o seu orgulho de colecionador saiu beliscado. “Já passei por muitas situações engraçadas, mas desta não me vou esquecer nunca”, confessa. Apaixonado pelos brinquedos desde há 15 anos, orgulha-se de ter uma das mais completas coleções do género e não nega a vertente de negócio que lhe está associada. “É essencialmente uma paixão e até posso trocar um objeto de maior valor por outro de valor menor, se gostar muito dele, mas acabei por perceber que há peças muito valorizadas e que o lado económico faz sentido”, afirma. Tudo começou com uma visita a um antiquário em Borba, onde um conjunto de brinquedos, entre os quais soldadinhos iguais aos da sua infância, lhe despertou a atenção. Voltou lá para os comprar e assim se lançou numa demanda que já passou pelos Action Man e que atualmente está direcionada para os brinquedos portugueses. Frederico reconhece que “a Internet tornou mais fácil descobrir preciosidades”, mas pessoalmente prefere “percorrer as feiras, as papelarias antigas, fazer trocas com amigos”. Os brinquedos dos anos 70 em diante é que não lhe interessam. Os antigos “são muito mais bonitos”.

À espera de um museu
Miguel Ângelo Martins não tem dúvidas: “O colecionismo nasce connosco.” Com ele, pelo menos, nasceu. Lembra-se de guardar tudo desde criança – cromos da bola, caricas, maços de tabaco, latas, selos e até papéis de pastilhas -, mas a sua tendência natural para não deitar nada fora esbarrou na incompreensão familiar, pelo que as coleções juvenis não sobreviveram. A febre colecionista voltou com mais força depois dos 25 anos, feita a tropa e já casado, desta vez com novos motivos de interesse. Não sendo a única, a coleção maior e a “menina dos meus olhos” é a que dedica a todos os objetos relacionados com a cerveja, sobretudo a nacional e a ultramarina. Há mais de 20 anos que a mantém, agora com a parceria do filho Miguel (na foto), que acabou “contagiado” pelo entusiasmo do pai. Só copos são mais de três mil, mas nesta coleção, que ambos preferem chamar “espólio”, há muito mais para ver: bases, muitas bases, calendários, bandejas e absolutamente tudo o que tenha a ver com cerveja. Miguel Ângelo reconhece gostar de ter as suas peças expostas. “Até já pensei em formas mais seguras para ter guardados os objetos valiosos”, mas “perder o prazer que representa olhar para eles” tem sido um elemento dissuasor, apesar da falta de espaço em casa, que já se começa a fazer sentir. “Ter um museu resolvia tudo”, desabafa o bancário reformado: “Criava uma fundação, doava-lhe a coleção, e o meu filho ficava a geri-la.” Assim apareça quem se disponha a ajudá-lo a concretizar este sonho. Miguel Ângelo ficaria feliz. Afinal, acrescenta, quase todos os países têm um museu da cerveja, e esta é uma coleção com muito interesse. “Não me interpretem mal”, acrescenta, “tenho uma família maravilhosa, que adoro. Mas o que me dá mais alegria é colecionar.”

O vício do açúcar
Soa a doença rara, mas o nome não podia ser mais enganador. Margarida Albuquerque é periglicófila, mas isso só quer dizer que é colecionadora de pacotes de açúcar. Aquilo que começou “por graça”, influenciada por um primo num almoço de família, em 1994, passou a ser um passatempo levado muito a sério, e hoje são “muitos milhares” os pacotinhos que guarda em casa, “devidamente arquivados em micas e divididos por temas”: hotelaria, anúncios, estrangeiros, embaladoras… Antes, Margarida nem sequer reparava nas diferenças entre os pacotes com que adoçava o café. Agora, claro, é um vício. Mas um vício que lhe trouxe amigos e que lhe permitiu perceber que esta é uma paixão partilhada. Através de um amigo, soube da existência do Clupac, uma associação que reúne centenas de colecionadores de pacotes de açúcar, e assim, com os amigos dos amigos, “num espírito de entreajuda e troca” que lhe agrada especialmente, a sua coleção tem crescido, em quantidade e qualidade. Ao contrário de alguns tipos de coleções, esta é fácil de ir aumentando (com exceção dos exemplares mais antigos, mais raros) e bastante acessível, refere a engenheira de telecomunicações. É verdade que todos os domingos de manhã, no Mercado da Ribeira, em Lisboa, é possível comprar pacotes de açúcar, mas a maior parte das coleções vivem das trocas, hoje geograficamente alargadas pela Internet. Já agora, saiba que os pacotes de açúcar antes eram maiores, feitos de um papel mais grosseiro e com piores sistemas de fecho. E que, se quiser aproveitá-los, não os deve rasgar. Corte-os com um x-ato ou utilize o cabo da colher de café para os abrir sem danificar.

Uma coleção bem-disposta
Uma papoila em resina, uma Minnie, um laço de fita colorida ou uma borboleta. Para Isabel Santos, uma pregadeira é uma pregadeira e, tenha ela um design clássico ou irreverente, o essencial é gostar-se dela. É esse o único critério que a faz comprar uma nova peça para a sua coleção, iniciada há 20 anos, depois de ter cometido a primeira extravagância: “Tinha iniciado há pouco tempo a minha atividade profissional e comprei um conjunto – pregadeira, pulseira e brincos – em prata e ouro, com ametistas.” A atual governadora civil do Porto não tem uma coleção para guardar. “Uso-as com frequência. São um acessório que marca a diferença, traduzindo até alguns estados de humor”, diz. Muitas vezes passam por joias verdadeiras, o que já deu azo a situações divertidas, quando confessa não passarem de bijutaria. “Um ex-adversário político ficou uma vez perplexo com a minha sinceridade”, recorda. O que a distingue de outros colecionadores (além da confessada falta de disciplina na organização do seu espólio) é o seu desinteresse por “objetos com história”. Isabel Santos é perentória: “Faço a história dos objetos. A maior parte das minhas pregadeiras representam pedaços da minha vida, memórias particulares que são o seu bilhete de identidade – viagens que fiz, ofertas de amigos e de familiares”, e é assim que considera fazer sentido. “Quero que seja a minha coleção, só minha, sem peças que tenham passado pela mão de mais ninguém”, conclui.

Marcada pela amizade
É uma coleção individual, assumida em nome coletivo. José Manuel Pureza não se lembra bem quando a começou, mas reconhece que o número de marcadores de livros se foi avolumando em sua casa graças à generosidade dos amigos. “Sabem que este é um passatempo que me dá gosto e vão-me trazendo exemplares novos, por isso digo que esta é uma coleção feita por eles também.” Para o deputado do Bloco de Esquerda, investigador na área dos estudos sociais, o objeto escolhido para colecionar é a derivação natural da sua relação especial com os livros, “que são a matéria-prima da minha profissão”. Aos marcadores em concreto, não dedica assim tanto tempo, porque tempo é coisa que não lhe sobra facilmente. “Tenho a certeza de ter milhares”, afirma, “mas nem sei dizer ao certo quantos são.” Estão guardados em caixas, à espera da disponibilidade para se dedicar pacientemente à sua seleção, catalogação e arquivo em dossiês. Não que lhe falte o espírito de colecionador. “Aqui há uns anos era capaz de dizer que tal característica não tinha nada a ver comigo, mas vou descobrindo que, afinal, a tenho”, reconhece José Manuel: “Por exemplo, se gosto de um autor, fico com vontade de ter todos os seus livros ou obra musical.” “Não pelo lado obsessivo”, garante, mas pela vontade de conhecer tudo o que esse autor produziu. Alguns marcadores são especiais. O deputado reconhece ter especial apreço pelo lote oferecido pelos companheiros de lista, criado a partir de fotografias da campanha eleitoral. De resto, é um colecionador sui generis, “porque se é verdade que com frequência marco passagens especiais em determinados livros, nunca o faço usando marcadores”. Prefere dobrar o canto da página.

Os brinquedos do senhor professor
São, pelo menos, oito mil. Leu bem, oito mil pequenos brinquedos desmontáveis, todos expostos em vitrinas com portas de correr – para evitar o pó – e datados, com um rigor a toda a prova, que só termina quando os respetivos papeis com as instruções de montagem repousam em pastas igualmente catalogadas, exaustivas. Aníbal Leça, professor de Trabalhos Manuais, atualmente reformado, encantou-se há 25 anos pelos brindes dos ovos Kinder e nunca mais deixou de os colecionar. Como qualquer criança ansiosa pelo momento de abrir o ovo de chocolate e ver que surpresa lhe está reservada, Aníbal aguarda as coleções novas e as especiais de Natal e de Páscoa com expectativa redobrada, garantindo o fornecimento de chocolate não só para a família como para toda a vizinhança, em Esmoriz. Não são apenas os minibrinquedos. As próprias embalagens, os peluches maiores dos ovos grandes, puzzles, catálogos, brindes estrangeiros… A coleção está aberta a todo o universo Kinder, e Aníbal só lamenta que a empresa não mostre igual recetividade ao seu interesse: “Já escrevi mais do que uma carta a solicitar diferentes tipos de colaboração e nem resposta obtive.” Assim, a coleção vai crescendo com as trocas entre outros colecionadores e com “achados” que o enchem de orgulho. Aníbal já pagou 200 euros por um carrinho com a cor que lhe faltava para completar uma série – “até feiota” -, lançada em 1991, mas nem pensar em desistir. “Enquanto for vivo e me der prazer…”

Publicado na Revista Única do Expresso de 23 de Dezembro de 2010 (veja a fotogaleria completa em www.expresso.pt)

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