Delírio em Las Vegas. Donald Trump vence primárias do Nevada

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Há cinco dias, o “Washington Post” lamentava o facto de o jornalista e escritor Hunter S. Thompson já não estar entre nós. O autor de “Delírio em Las Vegas” e de “Fear and Loathing on the Campaign Trail”, uma compilação das reportagens que fez durante a campanha para as presidenciais de 1972, teria sido o melhor relator daquilo a que os Estados Unidos e o resto do mundo estão a assistir este ano. “Uma raiz africana que te faz alucinar e que te conduz a explosões emocionais quase incapacitantes. Existe alguma forma melhor de explicar Donald J. Trump?”, questionou o jornal, citando uma passagem do famoso livro do jornalista gonzo, que há 44 anos se imiscuiu numa conferência sobre drogas em Las Vegas, escrevendo sobre medo e delírio na principal cidade do estado do Nevada.

É impossível prever o que escreveria Thompson esta quarta-feira, mas é quase certo que voltaria a reinventar a marca Fear and Loathing. Medo e delírio são as palavras perfeitas para descrever o que se passou esta terça-feira no estado do Nevada, que depois de dar a vitória a Hillary Clinton no caucus democrata de sábado passado, escolheu o incendiário Donald Trump nas votações republicanas que estiveram a decorrer na terça à noite, madrugada desta quarta em Portugal. A confirmação da sua vitória chegou por volta das 5h em Lisboa, destronando novamente os únicos dois rivais da corrida, os senadores Ted Cruz e Marco Rubio, com um largo avanço.

“Dentro de pouco tempo vão estar orgulhosos do vosso Presidente e ainda mais orgulhosos do vosso país”, declarou o magnata do imobiliário a centenas de apoiantes reunidos em Las Vegas, jubilantes com os resultados. “Os próximos dois meses vão ser incríveis. Se calhar nem sequer precisamos de dois meses.”

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Se calhar nem precisa. Com esta vitória, a terceira consecutiva, Trump parte para a Super Tuesday com um avanço enorme em relação aos dois rivais, estando mais bem encaminhado que nunca para garantir o número de delegados necessários para, em julho, firmar a sua vitória final na Convenção Nacional Republicana — tornando-se, contra a vontade de uma maioria dentro do Partido Republicano, o candidato que irá disputar a presidência com o rival democrata em novembro.

Nesta rota, a vitória de Trump no Nevada mostra duas coisas: a primeira, que tanto ele como a sua campanha conseguem mobilizar a população nos chamados caucuses, um arcaico sistema de votação em primárias nos EUA que consiste em milhares de encontros de eleitores e delegados eleitorais, durante um dia, para debaterem quem é o melhor candidato do partido e, em última instância, escolherem quem querem ver na Casa Branca.

As duas outras vitórias de Trump tinham sido em sistema de primárias, em que cada eleitor deposita um voto secreto numa urna como nas eleições. Segundo o “New York Times”, nunca houve tanta gente a participar em caucuses do Nevada como nesta terça-feira (nem no sábado, nem na duas últimas eleições presidenciais, já que, antes de 2008, o sistema aplicado no estado era o de primárias simples).

Mais do que isso, o facto de Trump ter conquistado o estado da delirante Las Vegas é a prova, se mais eram necessárias, de que o seu discurso populista, xenófobo e antissistema, uma espécie de caricatura do Partido Republicano como o conhecemos hoje, está a dar frutos. E sobretudo que o partido, mesmo não querendo, poderá ser forçado a dar-lhe a nomeação.

É possível travar Donald Trump?

Não é o estrato social, não é a formação académica, não é a idade nem o género nem a raça. É o autoritarismo. Assim definia há uns dias Matthew MacWilliams. Apesar de assumir que o universo de pessoas que inquiriu sobre o assunto é relativamente reduzido (358 republicanos na Carolina do Sul), o jornalista recorreu a outros estudos mais aprofundados que levou a cabo nos últimos anos para cruzar dados e tentar definir padrões entre os eleitores que, em massa, têm ido às urnas apoiar Donald Trump.

“O autoritarismo e a variável híbrida que liga o autoritarismo a um medo individual do terrorismo foram as duas únicas variáveis que preveem o apoio a Trump”, escreveu o especialista em estatística. Não é de estranhar tendo em conta a popularidade do candidato entre autodeclarados supremacistas brancos, mas não deixa de espalhar o medo e o delírio.

Coisas como o senso comum (que Marge Simpson lamenta que estejam ausentes desta corrida) parecem já não ter importância entre os eleitores que se identificam como republicanos — ou a larga faixa de independentes e indecisos que, em três estados, já contribuíram para as sucessivas vitórias de Trump. Senão veja-se: o facto de o candidato ter dado a entender, em palco, durante um evento de campanha em Las Vegas antes da votação desta madrugada, que gostava de mandar um manifestante “embora numa maca” por estar a contestar o seu discurso, não só não enfureceu ninguém como alimentou o tal delírio de que nos falava Hunter Thompson (vale a pena ver o vídeo desse momento).

A possibilidade de Trump vir a ser Presidente norte-americano já assustava muitos, mas agora que começa a ganhar contornos visíveis, passando lentamente a probabilidade, a pergunta que se impõe — e que a “Politico” colocou há alguns dias a dez analistas — é: “O que pode parar Donald Trump?” À parte uma ou outra resposta desatualizadas (como a de Howard Dean, que sugeriu que o pior ia acontecer a 15 de março, porque Trump teria de defrontar Jeb Bush na Florida-natal daquele, que entretanto desistiu da corrida), a maioria dos consultados acha que nada pode travar o perigoso candidato. “À exceção dele próprio”, refere Robert M. Shrum, antigo estratega do Partido Democrata. “Mas até agora, por mais que possa ter tentado, Trump ainda não destronou Trump.”

Joana Azevedo Viana (Rede Expresso)

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